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Convite a quem nos visita

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Em louvor do Funchal

Um dia, que esperamos não muito distante, a imagem desta baía em ruínas, soterrada hoje em lama e pranto, há-de dar lugar, de novo, à paisagem verdadeira. Passaremos deste inverno intransigente e funesto à clemência de uma estação que devolva ao Funchal a sua luz.
As buganvílias voltarão a estender placidamente sobre as ribeiras os seus braços brancos, rosa, cor-de-vinho; a árvore de fogo do Largo do Colégio levantará mais alto o seu deslumbre; os Jacarandás repetirão o assombro colorido; as Tipuanas desdobrarão, nos inícios de Junho, um incrível tapete amarelo frente a São Lourenço ou na subida de Santa Luzia.
Esperamos que, num tempo não distante, se possa reconhecer, de novo, a limpidez do traçado atlântico do centro, as ruas confusamente populares, o arabesco do mercado, o mesmo desenho de cheiros, a mesma mescla de sonoridades, o brando silêncio que nas praças tem o seu quê de familiaridade tímida, quase cerimoniosa.
Encravado na forma de uma concha há cinco séculos, burgo marítimo de referência, com construção fantasiosa, o Funchal foi a primeira cidade europeia nascida fora da Europa. O resultado é um património humano e urbanístico únicos. Evoca, é claro, o modelo de algumas cidades continentais, mas já é outra coisa, como acontece aos territórios de fronteira. É uma cidade reservada e extravagante, cosmopolita e primitiva, enérgica e indolente. Tanto como outras, mas diferente, de uma maneira que é só sua. Por exemplo, em certas horas vazias, as inúmeras varandas terrestres espalhadas pelas encostas parecem colocadas num imenso navio como os que muitas vezes ali aportam, e sente-se (isto é real) que toda a cidade flutua.
O Funchal é, ainda que isso seja escassamente recordado, uma cidade literária, como Trieste ou Marraqueche: ali não apenas nasceram Edmundo Bettencourt, Cabral do Nascimento, Herberto Helder ou Ana Teresa Pereira, nasceram os seus universos.
Conta-se que o poeta António Nobre gravou a canivete numa árvore do Funchal: “sede de luz como que de relâmpagos”. Um dia, que esperamos não muito distante, chegará a luz.
José Tolentino Mendonça

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Comentário à Missa do Próximo Domingo

Domingo II da Quaresma
28 de Fevereiro 2010
A Transfiguração
o relato de Lucas descreve-nos de uma forma sublime a transfiguração deJesus. No lugar do monte, altera-se o aspecto do rosto de Jesus. Está napresença de Pedro, João e Tiago. Estes quatro amigos subiram ao montepara orar. Durante a oração dá-se a transfiguração de Jesus: «o aspecto do seu rosto e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente». Este momento deve ter sido extraordinário para os discípulos que embora cheios de medo se revêem na exclamação de Pedro: «Mestre, como é bom estarmos aqui».
A oração e o silêncio transfiguram Jesus, para que a voz de Deus se fizesse ouvir mais uma vez: ''Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O", O sinal da presença de Deus é muito evidente e mostra a predilecção amorosa pelo Seu Filho que é este mesmo que se faz rosto visível diante da humanidade.
Hoje, Jesus toma consigo cada um de nós e leva-nos ao monte da vida e mostra-nos também a voz misericordiosa de Deus Pai, que nos revela como é importante escutar a voz do Seu Filho, presente na existência humana em todos os tempos e lugares da história .
À maneira de Jesus todos necessitamos de transfiguração. Mas de uma verdadeira transfiguração do coração que nos leve a assumir atitudes de justiça e de amor perante os nossos irmãos. Os soberbos de coração, precisam de transfigurar-se para a eficácia do perdão e da humildade. Os mentirosos, necessitam de converter essa propensão para a verdade das palavras, das atitudes e dos gestos. Os que vivem mediante a violência dos actos e das palavras, precisam de transfigurar essa tendência desumana para a autenticidade do diálogo e da paz como únicos caminhos que nos movem para a luz da salvação. Só esta transformação dará sentido à vida.
Ainda são tantas as pessoas e tantos modos de vida que necessitam de transfiguração que não cabem nesta reflexão. Por isso, cada um é desafiado a procurar mediante a sua liberdade quais são os aspectos da sua vida concreta que requerem uma mudança. O desafio está lançado por Jesus Cristo.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Concerto na Igreja de São Roque - Visita da Imagem Peregrina

Embolismo e viagem no deserto

Nota: Iniciamos o Tempo da Quaresma, partilho com os meus leitores estes belíssimos poemas que explicam bem o que é o deserto e como ele pode ser positivo ou negativo na nossa vida. Boa Quaresma para todos.
Embolismo
livra-nos, Senhor, da violência das palavras
quando não vêem rostos
e semeiam lágrimas
livra-nos da violência surda,
do silêncio mútico, perverso,
das tradições do corpo que inundou a era
livra-nos da violência das coisas
que nos afogam, de excessivas
e liga-nos à diferença harmoniosa,
Deus que nos prometes a paz
e que esperamos na fronteira do fogo e da alegria
/////////////////////////////////
Viagem no deserto
abre-nos, Deus, a porta
através das águas
para a grande viagem no deserto:
o combate com a morte no campo da vida,
a travessia dos limites, a nebulosa dos olhos
não se ensurdeça o nosso coração
porque a luta noctuma com o teu Nome
nos deixou no corpo marcas
dá-nos a graça de atravessar o riacho da vida
mesmo coxeando;
que caminhemos com a ligeireza
e a elegância do animal
que busca o esplendor do verdadeiro
nas coisas provisórias
e que desse combate com as imagens
nos aproximemos do horizonte da tua casa
donde vejamos as sementes do amor cobrindo a eira,
Deus que ligas o céu e a terra no teu Filho Jesus e no Espírito
José Augusto Mourão
In O Nome e a Forma, ed. Pedra Angular
Gravura: Ilda David

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A Margem da Tristeza

Tenho pena. Muita pena por estar a escrever estas letras. Porque choro e rezo com as famílias da nossa terra que perderam os seus entes queridos por causa da fúria da intempérie que se abateu sobre a nossa querida Madeira. Sinto muito não poder escrever como escreveu o Ruy Belo «A Margem da Alegria». Esta hora em que entre nós se contam os mortos, feridos e desalojados, a mim, só me apetece dizer que a margem da nossa bela Madeira transformou-se na «Margem da tristeza».
O Fernando Alves na TSF no seu programa «Sinais», «Do Golden Gate» apetecia-lhe dizer os nomes da nossa cidade e disse-os de forma tão bela que me correram as lágrimas pelo rosto abaixo. Ele dizia: «Rua dos Ferreiros, Rua do Til, Rua das Hortas, Rua da Infância, Rua das Maravilhas; Caminho das Virtudes, Rua Nova da Alegria, Avenida Arriaga... – Para que seja possível de novo encontrar Deus nos Baldios».
A Água Viva que Deus é, está sempre no mundo para dar vida em abundância, porém, uma água vinda do céu como chuva, transformou-se nesse dia 20 de Fevereiro em água mortífera e destrutiva. Face esta fúria incontrolável, estamos nós aí sob a maior das fragilidades e nunca, nunca haverá nenhuma inteligência humana que faça travar um poder sempre maior do que este mundo. Mais um aviso terrível, mortífero veio ao nosso encontro para nos lembrar da nossa pequenez e fragilidade. Não somos nada perante a fúria da natureza ou o poder de Deus como quotidianamente dizemos.
Será que esta catástrofe não chega para que as nossas autoridades governamentais percebam que não se pode continuar com esta política de saque à natureza e que o ordenamento do território deve ser feito com o maior dos cuidados para que ninguém roube os espaços das ribeiras e das margens que são de todos nós e não apenas de alguns? E como é possível se permitir construções de casas debaixo do perigo evidente para toda a gente menos para as autoridades que têm a responsabilidade de decidir tais situações? – Não podem os lucros do saque da natureza encher os bolsos de meia dúzia da clientela partidária e logo depois a maioria pagar a factura elevada do sofrimento e da morte.
É tempo de pensarmos sobre tudo isto e retomarmos o caminho da humildade e procurar salvar os que mais necessitam de apoio material e espiritual. Também penso que é tempo de pensar mais na salvação interior e reavivar o temor de Deus para nos remetermos à nossa condição. Talvez devamos deixar sobressair em nós os valores humanos e espirituais que estão no coração de todos. E aprender o princípio evangélico essencial para esta hora: «Para que te serve Homem ganhar o mundo inteiro se vieres a perder a alma» e nesta linha de pensamento canta o poeta José Agostinho Baptista: «mais de acordo com as leis do sangue e da terra, / sem escutar o eco que nas regiões de eterna penumbra / nos convoca para o sepulcro, / vamos cumprindo a tua vontade, a tua / dádiva cruel, / Senhor».
E para esta hora fica-nos a som presente desse mar imenso de Deus cheio de amor e misericórdia que morreu em cada um dos nossos irmãos arrastados pelo turbilhão das águas e derrama-se nas lágrimas das famílias onde tais mortes se deram e sofrem as dores dos feridos. Em cada pessoa desolada pelas consequências desta terrível catástrofe está Deus presente com o Seu amor de Pai cheio de Bondade. Aí está «O Rosto de Deus», como nos ensina a Ana Teresa Pereira. Pois então fiquemos com a oração antiga do maravilhoso livrinho «O Dom das Lágrimas»: «Derrama sobre a nossa cabeça o turbilhão de água / Ó eterno Deus omnipotente / nossos olhos rebentem em fonte de lágrimas / que lavacro tornem inocente a mácula/ assim vençamos vingança das penas / e do pranto as altas chamas». Pois, então, que Deus nos proteja e nos abençoe.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Viver a Quaresma

Quaresma.
Ouvir Deus dizer: “Estou à porta e bato”.
Quaresma.
Inaugurar caminhos no conhecido e no comum. Escutar o Reino a crescer. Dividir a vida, porque só assim ela se multiplica.
Quaresma.
Confiar. Unir. 70X7. Aceitar. Cruz e Ressurreição. Olhar para longe. Ir ao encontro dos últimos. Escrever: “nenhum coração é uma ilha”.
Quaresma.
Escutar mais uma vez. Ter tempo para o outro. Apagar solidões e medos. Fixar-se no extraordinário convite para partilhar o Pão e o Vinho. Começar a conversa difícil com um sorriso.
Quaresma.
Perdoar. Repartir. Respeitar o ponto de vista do outro. Contar uma história. Enxugar uma lágrima. Encorajar.
Quaresma.
Celebrar tudo num gesto. Descobrir: a Páscoa é também um modo de ser. De viver. Recordar. Esquecer. Construir. Viver cada dia, este dia como se a vida inteira o tivéssemos esperado.
Quaresma.
E a Páscoa tão perto.
De José Tolentino Mendonça

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A ORAÇÃO QUE CAUSOU CONTROVÉRSIA....

Oração de abertura no senado de Kansas.

Talvez queiras ler esta oração que foi feita em Kansas na sessão de inauguração da 'Kansas House of Representatives.'
Quando pediram ao reverendo Joe Wright que fizesse a oração de abertura do Senado de Kansas, todos esperavam uma oração normal, mas foi isto que todos ouviram:
"Senhor, estamos diante de Ti neste dia, para Te pedir perdão e para pedir a tua orientação. Conhecemos a Tua Palavra: 'Maldição àqueles que chamam "bem" ao que está "mal” mas é isto exactamente o que temos feito.
Temos perdido o equilíbrio espiritual e temos mudado os nossos valores.
Temos explorado o pobre e temos chamado a isso "sorte".
Temos recompensado a preguiça e chamamos-lhe "Ajuda Social".
Temos morto os nossos filhos que ainda não nasceram e chamamos-lhe “a livre escolha".
Temos abatido os nossos condenados e chamamos-lhe "justiça". Temos sido negligentes ao disciplinar os nossos filhos e chamamos-lhe “desenvolvimento da auto-estima”.
Temos abusado do poder e temos chamado a isso: "Política".
Temos cobiçado os bens do nosso vizinho e a isso chamamos-lhe "ter ambição".
Temos contaminado as ondas de rádio e televisão com muita miséria e pornografia e chamamos-lhe "liberdade de expressão".
Temos ridicularizado os valores estabelecidos, desde há muito tempo, pelos nossos ancestrais e chamamos-lhe “passado obsoleto".
Oh Deus! Olha no fundo dos nossos corações; purifica-nos e livra-nos dos nossos pecados. Ámen.
A reacção foi imediata. Um Parlamentar abandonou a sala durante a oração. Três outros criticaram a oração do Padre classificando-a como “uma mensagem de intolerância”. Durante as seis semanas seguintes, a Igreja 'Central Catholic Church‘ onde trabalha o sacerdote Wright recebeu mais de 5.000 chamadas telefónicas, das quais só 47 foram desfavoráveis. Esta Igreja recebe agora petições do mundo inteiro, da Índia, África, Ásia, para que o pároco Wright ore por eles. O comentarista Paul Harvey difundiu esta oração na sua emissão de rádio ' The Rest of the Story ', (O Resto da História), e recebeu um acolhimento muito mais favorável por esta emissão, que por qualquer outra. Com a ajuda de Deus, gostaríamos que esta oração se derramasse sobre a nossa nação, e que nasça em nossos corações o desejo de chegar a ser uma ''Nação debaixo do olhar de Deus". Se o podes fazer, envia esta oração aos teus amigos e em 30 dias o mundo inteiro tê-la-á lido. Se não temos o valor de nos mantermos firmes nas nossas convicções, então cairemos diante de qualquer outro argumento, ou qualquer outro inimigo.
Nota do autor do Blog: A oração feita vida e acção militante em favor da vida toda fere os ouvidos como se pode ver pela reação a esta interessantíssima oração do P. Wright. É isto que nos falta, fazer da oração vida concreta, acção militante no mundo, mesmo que sejam muitos os fariseus a pegar em pedras para atirarem contra os cristãos.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Comentário à Missa do Próximo Domingo

Domingo I da Quaresma
21 de Fevereiro de 2010
O deserto e as tentações

Lucas manifesta-nos que após o baptismo de Jesus no Rio Jordão, por João Baptista, o Espírito Santo tomou conta de Jesus e conduziu-O para o deserto. O Espírito Santo, é a força do amor de Deus Pai que anima o Filho para o recolhimento do deserto ao encontro do silêncio, da oração e do encontro com o Pai. O deserto de Jesus é uma busca de reflexão como preparação para a missão. O Espírito Santo enche Jesus e protege-O das tentações diabólicas.
Durante quarenta dias estará Jesus no deserto. Este número tem uma carga simbólica muito grande. Pode revelar a vida toda ou a vida de cada um de nós. Os quarenta dias que Jesus passa no deserto cheios de tentações, são a imagem da vida de qualquer homem e mulher em todos os tempos.
Os nossos desertos também podem ser positivos ou negativos. Porém, não podemos esquecer que em nenhum momento o Espírito Santo nos abandona. Assim, podemos estar seguros que o amor de Deus ou o Espírito Santo, será a força principal que nos guiará para a verdade e nos livrará de todas as tentações que o diabo intente contra o nosso coração.
As tentações, fazem parte da vida e podem ser uma constante no nosso pensamento e no nosso coração. Porém, se acreditamos de verdade na mediação fiel do Espírito Santo nada nos pode demover daquilo que escolhemos para as nossas caminhadas pessoais.
No entanto, nenhuma pessoa pode, em nenhum momento, vangloriar-se de que está livre de tentações. Porque todos os seres humanos estão sujeitos às travessias no deserto e em qualquer momento podem ser atacados com as piores artimanhas do diabo. E depois ter as piores atitudes contra os outros. As misérias do nosso mundo são uma prova bem evidente de que as tentações quando levadas à prática redundam em sofrimentos muito terríveis para muita gente.
O diabo ou demónio, é uma figuração do mal. É a nomeação de tudo aquilo que seja contra a dignidade humana. O demónio, é um nome que manifesta a força do mal ou da maldade que gera o coração dos homens e a lógica do mundo.
Perante as tentações de Jesus descobrimos que tentar a Jesus será o mesmo que tentar a Deus, por isso, que não se iluda o diabo ou toda a maldade que reina ainda no mundo, porque Deus não se deixa envolver pelas artimanhas de tudo o que seja contra a felicidade ou contra o bem.
Jesus, mostra-nos que mediante a força do Espírito Santo, podemos vencer todas as adversidades que a vida nos tece. Não podemos ser frouxos diante dos problemas e das dificuldades. Podemos, isso sim, recorrer ao Espírito Santo para que nos dê a força necessária para vencer todos os desertos áridos que muitas vezes a nossa história nos oferece.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Tempo das Cinzas

Afora o Carnaval (que significa «adeus à carne»), fica agora um tempo novo, como devem ser todos os tempos que chegam, o das Cinzas, para nos lembrarmos da nossa condição. A Quarta-feira de Cinzas, bate na porta do coração de cada um de nós, não como um toque irremediável de um nada que se diz pó, mas, como um sinal de alerta sobre um mundo, o nosso mundo convertido num frenético rebuliço cheio de vazio. As Cinzas, feitas símbolo, dão o mote para o valor que a vida deve ter. São um aroma, um incenso que nos eleva para o alto e não apenas um singelo pó que o fogo do egoísmo, do ódio e do terror convertem nessa cinza que o vento leva pelo gozo constante desse carnaval que os dias sempre oferecem.
As Cinzas, são um despertar para a humildade, para o encontro do perdão, para a mudança da vida toda e de todos. São um apelo que nos remetem para o transcendente e não para o escuro profundo da terra do nunca. Neste dia e com este tempo, saibamos descobrir que mais vale um gesto, um carinho ou um afecto em cada canto do mundo de cada um de nós, para que o sorriso de Deus, se manifeste como razão de ser da vida de todos e da vida toda.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Pobreza dos nossos ricos

O escritor moçambicano Mia Couto escreveu a “Pobreza dos nossos ricos”. Ora vejamos:

A maior desgraça de uma nação pobre
é que, em vez de produzir
riqueza, produz ricos.
Mas ricos sem riqueza.
Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de Endinheirados.
Rico é quem possui meios de produção.
Rico é quem gera dinheiro e dá emprego.
Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro, ou que pensa que tem.
Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.
A verdade é esta: são demasiado pobres os nossos “ricos”.
Aquilo que têm, não detêm.
Pior: aquilo que exibem como seu,
é propriedade de outros.
É produto de roubo e de negociatas.
Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram.
Vivem na obsessão de poderem ser roubados.
Necessitavam de forças policiais à altura
mas forças policiais à altura acabariam por lançá-los
a eles próprios na cadeia

Necessitavam de uma ordem social
em que houvesse poucas razões para a criminalidade.
Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem (...)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Elogio da Caridade

Irmãos, segui a caridade, doce e salutar vínculo para o espírito, sem a qual o rico é pobre e com a qual o pobre é rico. É ela que dá resistência nas adversidades, moderação na prosperidade; é forte nas provas difíceis, alegre nas boas obras; seguríssima nas tentações, larguíssima na hospitalidade; lindíssima entre os verdadeiros irmãos, pacientíssima entre os falsos. [...] Como ela é grande! É a alma das Escrituras, a força da profecia, a salvação dos sacramentos, a solidez da ciência, o fruto da fé, a riqueza dos pobres, a vida dos que morrem. Haverá maior grandeza de ânimo do que morrer pelos ímpios? Maior benignidade do que amar os inimigos? Só a ela a felicidade alheia não oprime, porque desconhece a inveja. Só a ela a felicidade própria não incha, porque não se ensoberbece. Só a ela a má consciência não magoa, porque não faz o mal. [...] Por isso, segui a caridade, e meditando nela santamente, dai frutos de justiça.
(S. Agostinho, Sermão 350, 2-3)
Nota do autor do blog: Qual espelho, a caridade, reflecte o interior da alma, para enformar a única alma do mundo todo. E desse modo escolhe Deus falar ao mundo e à vida todos os dias, onde se labutam todas as tarefas com o condimento do amor autêntico, fermento sublime da grandeza divina, traduzida na existência de cada pessoa, que se abre à luz que brilha em todos os horizontes. Pois bem, que Deus fale aí no gesto simples de qualquer agir...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Memória - Evocando João Bénard da Costa

Arrisquemos, para definir João Bénard da Costa, um adjectivo que carece evidentemente de precisão: divino. Divino no sentido de divo, que João Bénard sem o ser plenamente foi, com o seu porte de velho senhor, o mesmo riso de demiurgo que quase juramos haver já visto fixado pelos romanos em alguma estatuária, o brilho hiperbólico, a inteligência analogamente intensa, o timbre cavo, a curiosidade, a coquetterie, o enigma e, por fim, surpreendentemente ou não, a inocência.
E divino também no sentido literal, na medida em que essa era a natureza do seu olhar. Quando João Bénard explicava aos incautos que o seu tempo não era este, não era o deles, era o da maria cachucha, que reivindicava ele? Uma imperdoável apostasia: a de um contemporâneo que se coloca na pré-história. O seu tempo era aquele em que o homem que pensa não é apenas o sábio, mas também vidente e profeta. Foi assim que Epiménedes de Creta teve o privilégio de ver a verdade (aletheia) com os próprios olhos. E Moisés entreviu a Deus pelas costas. Foi assim que na tradição persa o termo verdade (Rta) se alargou a um extensivo de possibilidades semânticas: a exactidão, mas também a mecânica que assegura o retorno da aurora, a oração litúrgica, a ordem e o direito. A verdadeira diagnose é esta que não teme, mas religa o que apressadamente declaramos como antinomias: Deus e os homens, o visível e o invisível, o eterno e o mortal, o permanente e o mutável, o forte e o fraco, o puro e o híbrido, o seguro e o incerto.
A escrita de Bénard, costurada em digressões permanentes, parêntesis e alvéolos, mostra, além disso, como a palavra é inseparável da memória. A memória não é apenas o suporte da palavra: é, sobretudo, a potência (poética, maiêutica…) que confere ao verbo o seu estatuto de significação máxima.
José Tolentino Mendonça, In Pastoral da Cultura

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Comentário à Missa do Próximo Domingo

Domingo VI Tempo Comum
14 de Fevereiro de 2010
O Segredo das Bem-Aventuranças
As Bem-aventuranças são talvez dos discursos mais belos que Jesus pronuncia. É um discurso que faz admirar crentes e não crentes. Estamos diante de uma proclamação que inverte toda a lógica de promoção humana e põe em causa tudo o que seja socialmente muito glorioso ou importante. Por isso, será um discurso que exalta os valores fundamentais do Reino de Deus e faz recuar para último plano todas as tentativas humanas de exaltação social, política e religiosa.
Quem são, afinal, os bem-aventurados? De acordo com Jesus, em primeiro lugar, são todos os pobres. Mas, os pobres em Jesus não são apenas aqueles que têm falta de bens materiais. Os pobres, são todos os que não vivem mediante a Palavra de Deus e não apenas aqueles que consideramos pobres, os que não têm dinheiro para governar a sua vida.
Os que têm fome, são bem-aventurados. Jesus, refere-se à multidão que não acolheu a Palavra de Deus. Os esfomeados do Evangelho são todos os que não enquadram ainda a sua vida mediante o amor, a paz e a justiça.
Bem-aventurados os que chorais. Os que choram podem ser tantos, que à nossa volta estão tristes porque não sabem o que é estar em paz, com o seu coração e com os outros irmãos. Os que choram ainda por esse mundo fora são todos os que são vítimas da guerra, da violência e da fome material.
Os tristes poderão ser ainda todos os que não descobriram a riqueza da mensagem cristã e continuam, por isso, envoltos na penumbra da tristeza que mata e fere o coração. Os cristãos, muitas vezes são, tristes porque não descobriram a verdade feliz que é a mensagem de Cristo. As nossas celebrações eucarísticas, podiam ser mais vivas e menos sorumbáticas e dessa forma manifestarmos ao mundo que a alegria cristã é o único modo que nos caracteriza.
Os que choram estão também dentro das nossas casas. São muitos os que choram porque o álcool comanda a vida de tantos pais de família e são muitos os filhos que se perdem pelos caminhos da droga e da vida menos digna.
A violência doméstica, é uma realidade constante nalgumas das nossas casas, gera uma multidão muito triste, sobretudo, as mulheres e as crianças.
A tristeza está presente em tantos lugares onde a doença e o sofrimento que ela provoca, são o pão nosso de cada dia. Podemos lembrar aqui as nossas casas de saúde e tantas outras casas onde se abrigam uma multidão grande de acamados, muitas vezes, sem uma companhia amiga que os ajude a sobreviver.
São muitos os que choram, que Jesus não esquece, mas com eles sofre também e vem ao seu encontro com a sua palavra de esperança. Assim, proclama Jesus: bem-aventurados os que choram, porque haveis de rir.
Por fim, não se esquece Jesus de proclamar bem-aventurados todos os que são odiados, rejeitados e insultados por causa do nome do Filho do Homem.
A vivência séria e profunda do projecto de Jesus levanta muita perplexidade aos homens do nosso tempo. Por isso, muitas vezes os cristãos não alcunhados com nomes feios, considerados uns inúteis e até uns ignorantes, porque se deixam levar por uma pessoa que existiu à dois mil anos e não compreende como é sempre viva e actuante a pessoa de Jesus Cristo.
A vida do cristão não é fácil em nenhum momento e pode ser perseguida de muitas e variadas formas. Porém, garante-nos Jesus, que nada nos deverá deter nem atemorizar. O nosso caminho é sempre em frente, porque no céu é grande a nossa recompensa. Esta certeza dá-nos coragem para enfrentar todas as perseguições e é um consolo para que o nosso coração nunca se vergue aos ataques que a sociedade tão bem sabe aplicar contra aqueles que procuram viver mediante o amor e a paz, sejam cristãos ou não.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Agradecimento e pensamento do autor do blogue

O Banquete, está a cumprir integralmente o seu propósito. Não podia ser de outro modo, um espaço onde se pressupõe muitos convidados para conviverem e fazerem festa. A diversidade de opiniões que chegam sobre os diversos assuntos enriquecem em muito o Banquete e dão-lhe maior consistência quando se designa ser O Banquete da Palavra. Não posso estar mais feliz por isso. Outro aspecto também me alegra, estamos em meio pequeno, isto é, de reduzida proporção territorial e populacional, mas as várias opiniões manifestam reflexão e inquietação profunda quanto a estes assuntos. Somos afinal muitos. Ainda bem.
Algumas opiniões foram rejeitas (muito poucas até agora, por sinal), porque estavam cheias de maldade e ofendiam o autor do blog e terceiros. É com muita pena que não se saiba ainda discordar sem ofender com a calúnia e com a catalogação das pessoas com nomes feios. Isto não é Banquete nem contribui para a festa que toda a palavra deve ser.
Muito bem. Agradeço muito a todos os leitores, seguidores do Banquete, e que Deus manifeste sempre muita sabedoria a todos, que a festa da palavra seja o melhor manjar que o Banquete pode servir. Quem vier por bem, está sempre convidado a participar no Banquete, os nossos tempos precisam muito que, todos nós, façamos tudo, para que a Liberdade de Expressão seja o bem maior das nossas condutas. Obrigado a todos.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Porque não atrai a Igreja Católica?

Os nossos dias estão marcados por um afastamento grande das pessoas em relação à Igreja. Nada ou quase nada mobiliza as pessoas para os diversos serviços que a Igreja oferece. Um conserto de música com um cantor qualquer mobiliza milhares de pessoas, as iniciativas da Igreja estão reduzidas aos mesmos fiéis. Algo está mal. A Igreja perdeu a capacidade de atracção. E se não fosse a realidade trágica da morte, há muito que a Igreja tinha passado à história.
Não deve ser este simplismo rasteiro que nos deve centrar na análise das coisas. É preciso procurar mais fundo. Até dúvido muito, que as grandes enchentes que Nossa Senhora de Fátima consegue se não são mais um claro sinal da decadência em que tudo isto está mergulhado.
A Igreja tal como está não pode evoluir nem pode adaptar-se à realidade sempre nova que os tempos nos apresentam. Antes de mais não pode evoluir uma Igreja centralista e que perante as provocações ou apelos à mudança se fecha em copas e agarra-se ao poder com todas as suas forças. Não pode evoluir uma Igreja que se agarra a títulos e mordomias principescas, mais grave do que tudo isso, teimosamente, chama a esses anacronismos absurdos de serviços.
Não parece, mas o governo da Igreja tem muita importância. Ora, vejamos, A Igreja Católica funciona quase exclusivamente sob um poder vincadamente centralista, a autoridade central (entendida como sendo de direito divino). A Igreja Católica é a sociedade mais centralista do mundo. O seu chefe tem uma autoridade e um poder incomparável com qualquer outro governo. Assim sendo, só mesmo a doença, a velhice, o poder de comunicação e a atracção misteriosa é que nalguns momentos podem seduzir algumas pessoas. Mas a Igreja não vive disso. Precisa de muito mais e de outra forma de ser, para que seja uma verdadeira comunidade ou comunidades de irmãos solidários. Embora se saiba cada vez mais que a mentalidade actual, comandada pelo egoísmo, a concorrência, a intriga, a violência (...), não facilita em nada este sonho evangélico.
A perda de influência da Igreja em relação a tudo o que diz respeito às mulheres e aos homens, não se deve a querelas de ordem dogmática ou doutrinária, mas, simplesmente, a questões relacionadas com o seu funcionamento, maneira de governar e de falar à humanidade dos tempos de hoje. Assim sendo, descobrimos uma Igreja profundamente vulnerável à desconfiança que em relação a ela se manifesta, mostra-se angustiada pela perda de influência e está sempre certa de ter razão face aos ataques e nada procura aprender com as envistidas do mundo.
Por isso, há uma enorme discrepância face àquilo que o mundo pensa face a Igreja e aquilo que a Igreja entende de si mesma. Esta dissonância perturba a lucidez da Igreja, por isso, não admiram os frequentes tiros no pé que algumas destacadas eminências da Igreja aplicam.
A Igreja tem elementos suficientes para recuperar a capacidade de atracção que teve durante muito tempo. A Igreja precisa de se libertar de tudo o que é mundano e deixar de tomar a sua pastoral como se fosse um departamento dos governos. A Igreja precisa de ser o "Corpo de Cristo" e agir de forma livre e totalmente desinteressada das coisas deste mundo. A Igreja precisa de ser Mistério e anunciadora do Mistério da Salvação para todos os homens.
Para dar início a este anúncio seria importante começar pela linguagem e fazer ver em linguagem actual que o tesouro do Evangelho que a Igreja transporta, é o melhor caminho para felicidade.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Valor da amizade

A amizade é uma força maravilhosa, de efeitos tão surpreendentes que nem sabemos calcular o seu valor.
Chegam-nos por vezes algumas expressões de amizade, generosas e heróicas como esta ocorrida em campo de guerra:- O meu amigo não regressou do campo de batalha! - Disse um soldado ao seu comandante. Peço licença para ir buscá-lo. - Licença recusada! – Respondeu o oficial. Não quero que arrisques a vida por um homem que provavelmente estará morto.
O soldado desobedeceu e saiu em busca do companheiro. Regressou uma hora mais tarde, gravemente ferido, transportando o cadáver do seu amigo. O oficial, ao vê-lo, ficou furioso e disse: eu bem te disse que ele certamente teria morrido. Agora perdi dois homens. Achas que valeu a pena sair para trazer um cadáver? - Claro que valeu, respondeu o soldado ferido. Quando lá cheguei, ele estava ainda vivo e disse-me: Tiago, eu tinha a certeza de que tu virias…
Quantas amizades enfrentam a morte por um amigo! Quanto sofrimento suavizado por um amigo! Quantas lágrimas enxugadas por um abraço de um amigo! Quantas lutas vencidas com a ajuda de um amigo! Quanta felicidade criada por uma boa amizade! Quanta dor suavizada pela palavra, pela presença, mesmo silenciosa, de um amigo!Diz um ditado popular: “o melhor espelho é o olho do teu amigo”. Quantas vidas reorientadas, rectificadas e salvas pelo olhar de um amigo!
“Quando o caminho cansa, já não peço, meu amigo, que me fales, mas que me dês a mão” (Tagore). Quantos caminhos para a Arte, para a Literatura, para a Ciência, subidos com a ajuda da mão de um amigo!
Quantas vidas salvas, no desespero tenebroso do suicídio, pela luz e força de uma grande amizade.A amizade é tão importante em todas as horas, principalmente nas de sofrimento moral ou físico. Escreveu Pitágoras: “Antes de chamar o médico, chama o teu amigo”.
Mário Salgueirinho

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A política da mão estendida - Duas Linhas

Nota do autor do blog: grande Miguel! Tudo se reduz a «estranha palhaçada», como dizia o Mário Crespo, na crónica censurada. E como a realidade não desmente em nada a palhaçada e o carnaval em que se tornaram os políticos e alguma forma de fazer política. Tens a palavra Miguel:
«Independentemente da justeza dos argumentos da Madeira, é triste ver assim a imagem que damos perante o resto do país. A intransigência de Sócrates não surpreende ninguém, a teimosia de Teixeira dos Santos também não e Jardim já não mete medo em Lisboa. Mas os políticos, um dia, mudam de cargo e o povo esquece. Agora, a imagem da Madeira vai levar anos a recuperar. A luta autonómica que dominava o contencioso com o governo central é agora ditada pela política da mão estendida. A imagem que passa é que a Madeira quer dinheiro a bem ou mal. E nem interessa se é muito ou pouco, é preciso é que caia algum. Mais do que um sinal de resistência, revelamos desespero. E chegamos a isto. A um impasse que põe todo o país a falar de nós todos os dias pelas piores razões. E quando o nível de discussão chega ao grau zero, o presidente do GR deseja "bom Carnaval a todos". Estranha ironia. Pelos vistos, o Carnaval acabou».
Miguel Silva, Editor de Política, Diário de Notícias do Funchal, 5 de Fevereiro de 2010.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Comentário à Missa do Próximo Domingo

Domingo, 07 de Fevereiro de 2010
Lançar as redes – Vencer o medo
Em Jesus nada está perdido. Tudo tem uma saída. Por isso, no mesmo lugar onde os Discípulos tinham pescado toda a noite sem apanharem nada, Jesus vai mandar que de novo Pedro deite as redes, e parece que a grande quantidade de peixe pescado foi tal que as redes se romperam, segundo o testemunho de Lucas.
O medo abateu-se sobre Pedro e os companheiros perante a acção de Deus. Outra vez a palavra de Jesus: «Não temas». É uma coisa, o temor perante as coisas extraordinárias que Deus realiza. Outra, é o medo perante a vida e as coisas deste mundo, este medo mata o pensamento e a liberdade de acção. O medo atrofia a caridade e pode não deixar que o amor seja o principal sentimento vivido por cada um de nós perante a missão que Deus nos confia neste mundo.
A abundância de peixe nas redes que Jesus mandou deitar ao largo significa como será grande a Igreja ou a comunidade de cristãos que Jesus fundará.
Quem tem medo ou quem vive no medo não aceita Jesus como salvador e muito menos acolhe a Deus como Pai da misericórdia infinita. O medo não pode comandar a vida nem pode ser a única forma de educar para a vida. Infelizmente, ainda encontramos muitas famílias onde o medo é o único caminho de entendimento. Os esposos dirigem a sua casa com base no medo mútuo. Os filhos convivem com o medo de não agradarem os pais e por isso deixam de formar a sua personalidade e a sua história pessoal. Obviamente que tudo isto depois se transporta para a sociedade em geral. Tinha razão o poeta Alexandre O'Neill no «Poema do Medo»: «Ah o medo vai ter tudo / tudo / (Penso no que o medo vai ter / e tenho medo / que é justamente / o que o medo quer) / O medo vai ter tudo / quase tudo / e cada um por seu caminho / havemos todos de chegar / quase todos / a ratos».
O Deus que Jesus nos apresenta não é o Deus da derrota e da morte, mas o Deus das apostas duplas em todos e em cada um. Os medos são naturais e podem surgir no nosso coração a qualquer momento. Porém, se a nossa confiança em Cristo se revelar uma convicção segura, em nenhum momento nos deixaremos vencer. Neste sentido, não valem as certezas nos nossos planos pessoais nem muito menos valerá apregoar que sabemos tudo e que diante dessas certezas nada mais há que fazer.
Jesus, prova-nos ao contrário, há sempre uma possibilidade, mesmo até nos piores momentos ou circunstâncias da vida. O medo para o cristão não existe. Jesus tira-nos do medo e remete o nosso coração e o nosso pensamento para a fé e para esperança. Não há outro caminho para conseguir êxitos na vida. Quem se pensa orgulhosamente só, está perdido e não vai muito longe. Mas quem se considera aberto ao encontro da fraternidade, vencerá todos os medos e chegará plenamente ao lugar de Deus Pai.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

José Tolentino Mendonça

José Tolentino Mendonça é o vencedor do Prémio Literário da Fundação Inês de Castro 2009. No terceiro ano em que é atribuído, o prémio distingue a obra “O viajante sem sono”, publicado no final do ano 2009 pela Assírio & Alvim, de José Tolentino Mendonça.
Poeta, sacerdote e professor, José Tolentino Mendonça nasceu em 1965, na Ilha da Madeira. Doutorado em Teologia Bíblica, em Roma, volta para Lisboa e nesta cidade, torna-se capelão e docente da cadeira de Teologia Bíblica na Universidade Católica.
Padre desde os 24 anos de idade, José Tolentino Mendonça afirma que a sua vocação religiosa "foi uma coisa da juventude, inconsequente, imprudente, inesperada, que eu procuro manter. Ser padre é (...) aceitar a pobreza como condição. E a pobreza é uma coisa chata de viver. É achar que isso pode ser uma forma de dizer alguma coisa ao seu tempo. ".
Ocupando já um lugar de destaque na poesia portuguesa contemporânea, o autor, para quem "A poesia é a arte de resistir ao seu tempo", integrou uma delegação que representou Portugal, então país homenageado, em 1999, na 9.ª Bienal Internacional do livro do Rio de Janeiro, ao lado de uma plêiade conceituada de escritores e poetas portugueses. Este prestígio foi legitimado através da escolha do seu nome para fazer parte de uma antologia de poetas portugueses, da responsabilidade da Lacerda Editores. Organizada por Alberto da Costa e Silva e Alexei Rueno, esta obra intitulada "Panorama da Moderna Poesia Portuguesa", reúne 72 poetas modernos consagrados, nomeadamente Jorge Sena, Nuno Júdice e Fernando Pinto do Amaral.
Em 2000, fez a apresentação da reedição do livro O Pobre Tolo de Teixeira de Pascoaes, escritor falecido em 1952 e de quem Tolentino Mendonça dizia ser "uma figura de fronteira na paisagem mental do século português ".
Editou o seu primeiro livro de poesia Os Dias Contados em 1990 e, desde então, tem diversificado a sua obra como poeta, ensaísta e tradutor. Assim, em 1997 traduziu Cântico dos Cânticos, em 1994 editou o ensaio As Estratégias do Desejo: Um Discurso Bíblico Sobre a Sexualidade, em 1997 Longe Não Sabia, em 1998 A que Distância Deixaste o Coração e, finalmente, o livro de poesia De Igual Para Igual.
Nota: Os meus parabéns ao Pe. Tolentino Mendonça pelo prémio recebido e merecido!

Morreu Rosa Lobato Faria

Escritora, actriz e letrista portuguesa. Rosa Lobato Faria tinha 77 anos e estava internada há uma semana.
Morreu a 2 de Fevereiro, a escritora e actriz portuguesa Rosa Lobato Faria. Uma das caras mais conhecidas dos ecrãs portugueses, Rosa Lobato Faria tinha 77 anos e estava internada há uma semana com uma anemia grave, noticia a Antena 2. Há mais de meio ano que a artista sofria de complicações, na sequência de uma cirurgia motivada por uma infecção intestinal.
Conhecida pelos vários papéis em séries televisivas como A Minha Sogra é uma Bruxa , no elenco da primeira novela portuguesa, "Vila Faia" (1983), Humor de Perdição (com Herman José) ou Nem o Pai Morre Nem a Gente Almoça , Rosa Lobato Faria participou também em vários filmes e deixa numerosos romances publicados.
Do percurso de Rosa Lobato Faria destacam-se ainda as letras escritas para canções como "Amor de Água Fresca", "Chamar a Música", "Baunilha e Chocolate" e "Antes do Adeus", todas premiadas com o primeiro lugar em nas respectivas edições do Festival da Canção.
A escritora (poeta e romancista) e actriz nasceu em Lisboa em abril de 1932. O seu primeiro romance, "O Pranto de Lúcifer", foi editado em 1995, mas publicara já antes vários volumes de poesia - como "Os Deuses de Pedra" (1983) ou "As Pequenas Palavras" (1987). O essencial da sua poesia está reunido no volume "Poemas Escolhidos e Dispersos" (1997). Em 1999, na ASA, publica "A Gaveta de Baixo", um longo poema inédito acompanhado por aguarelas do pintor Oliveira Tavares.Como romancista publicou ainda "Os Pássaros de Seda" (1996), "Os Três Casamentos de Camilla S." (1997), "Romance de Cordélia" (1998), "O Prenúncio das Águas" (1999, que foi Prémio Máxima de Literatura em 2000) e "A Trança de Inês" (2001). Escreveu também "O Sétimo Véu" (2003), "OsLinhos da Avó" (2004), "A Flor do Sal" (2005), "A Alma Trocada" (2007) e "A Estrela de GonçaloEnes" (2007), além de ter assinado vários livros infantis. Os dois primeiros romances tiveram tradução na Alemanha e "O Prenúncio das Águas" foi publicado em França pelas Éditions Métailié. O seu último livro, "As Esquinas do Tempo", foi publicado em 2008 pela Porto Editora.
Nota: Condolências a toda a família, amigos e todos os que beneficiaram da sua obra. Paz à sua alma, que descanse em paz para toda a eternidade...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Quem foi o Padre Abel Varzim?

Em Ano Sacerdotal
Abel Varzim da Cunha e Silva nasceu em Cristelo, a 29 de Abril de 1902. Ordenado sacerdote em Braga, a 29 de Junho de 1925, com 23 anos apenas, aceitou ser enviado para o Alentejo. Começou aí a sua vida paroquial. Leccionou no Seminário de Serpa e fundou aí o primeiro grupo de Escuteiros daquela província.
Para melhor habilitação na defesa da justiça, frequentou entre 1930 e 1934, a Universidade de Lovaina, na Bélgica, conseguindo o grau de Doutor em Ciências Políticas e Sociais, com tese editada em França sobre a Liga dos Agricultores Belgas.
Regressado a Portugal, dedicou-se em pleno, dentro dos condicionalismos existentes, à defesa dos trabalhadores e de todos os desprotegidos.Dirigiu, de 1939 a 1948, o Secretariado Económico-Social da Acção Católica Portuguesa, onde, durante horas seguidas, atendia e procurava resolver casos de desemprego e de falta de realização humana.
Foi deputado à Assembleia Nacional, em representação da Igreja, na legislatura de 1938 a 1942. Não voltou ao lugar nas legislaturas seguintes, porque as suas principais intervenções beneficiaram da hostilidade governamental.
O seu amor à classe trabalhadora e o conhecimento que possuía dos seus problemas e aspirações fizeram dele fundador e inesquecível assistente da Liga Operária Católica, cuja actividade veio também a ser reprimida.
Abel Varzim sentiu-se obrigado, em 1948, a deixar o lugar de professor do Instituto de Serviço Social, que ocupava desde 1938, sob a ameaça de a escola cessar de receber o subsídio do Governo, caso ele não saísse.Nomeado pároco da Encarnação, no Chiado, em Lisboa, em 1951, também aí o seu trabalho de recuperação das prostitutas do Bairro Alto, suas paroquianas, teve má sina, não obstante a criação de um centro de reintegração na Amadora e no Porto e da fundação da Liga Nacional Contra a Prostituição.
Cansado e doente, foi aconselhado, em 1957, a retornar à sua terra natal, onde ainda se lançou na constituição e colocação em funcionamento, juntamente com alguns conterrâneos, da Sociedade Avícola do Minho, para desenvolvimento da região.Vigiado pela PIDE, durou seis anos e meio o seu cativeiro. Faleceu a 20 de Agosto de 1964, em actividade.
Autora: Fátima Vilaça

Dois traços sintomáticos para caracterizar o padre Abel Varzim:
Dava tudo o que tinha aos outros. Dava até a própria roupa pessoal, conforme afirmava há poucos anos alguém que foi responsável por serviços domésticos numa casa comunitária onde o padre Abel Varzim residiu, durante um período da sua vida. "Não há um dia de sossego, meu Deus! Sempre a miséria a rondar-me a porta... e eu sem lhes poder valer!". São palavras de Abel Varzim, recolhidas das páginas do seu "Diário".
Diz Abel Varzim: "Não gostei da procissão! (...) A Procissão dos Passos é de todos os dias mas não tem andores, nem música, nem anjinhos. Tem dores, angústias, desesperos, lágrimas, lamentos, e chagas. São os ódios de raças, as lutas fratricidas, os colonialismos, os campos de concentração, a opressão das consciências, as limitações da personalidade e da liberdade humanas, a fome, o desemprego, os bairros de lata, os acidentes de trabalho e de estrada, as prepotências e desmandos do capital, a exploração de menores, a escravatura da mulher, os compadrios, as injustiças, os egoísmos (...) Tudo isto flagela, dilacera, crucifica o Corpo de Cristo, como nunca talvez na História da Humanidade". In Abel Varzim, Procissão dos Passos - Editora Multinova- colecção Palavra e Testemunho.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O texto de Mário Crespo que não foi publicado

Nota do autor do blog: ao estado em que chegou o Estado... Afunilou no pensamento único... E assim vai o país, deprimido quanto baste! Ou então, que «perigoso sentido de estado, que perigosa palhaçada» nos oferecem os nossos políticos. Vejamos o texto seguinte do jornalista da Sic Mário Crespo.
O Fim da Linha
Mário Crespo
Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento.
O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro Silva Pereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurante de um hotel em Lisboa.
Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de (“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissional impreparado”. Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. A defunta alma mater de tanto saber em Portugal. Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”. Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feito chegar um registo. É fidedigno. Confirmei-o.
Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito): “(…) o PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (…)”. É banal um jornalista cair no desagrado do poder. Há um grau de adversariedade que é essencial para fazer funcionar o sistema de colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado. Sem essa dialéctica só há monólogos.
Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes do momento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamados a validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, no meio das realidades construídas pelos bajuladores pagos. Isto é mau para qualquer sociedade. Em sociedades saudáveis os contraditórios são tidos em conta. Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dos executores acríticos venerandos e obrigados.
Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes os contraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos de demência. Os críticos passam a ser “um problema” que exige “solução”. Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com o executivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedade insalubre.
Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos media como tinha em 2009. O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu.
O problema José Eduardo Moniz foi “solucionado”.
O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira e deixou de ser “um problema”. Foi-se o “problema” que era o Director do Público.
Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a ser resolvido na RTP, o Primeiro Ministro de Portugal, o Ministro de Estado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela da comunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em dia de Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu.
Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.
Nota: Artigo originalmente redigido para ser publicado hoje (1/2/2010) na imprensa.