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segunda-feira, 19 de abril de 2010

A vã glória de mandar

Essa vontade de mandar vem de longe e quando o seu exercício é destorcido e se reduz a impulsos puramente pessoais, resulta na pior das tragédias para quem o exerce e sobre quem ele é exercido. Gil Vicente no Auto da Índia já o referiu nos seguintes versos: «La vos digo que ha fadigas, / Tantas mortes, tantas brigas, / E perigos descompassados, / Que assi vimos destroçados, / Pelados como formigas» O grande poeta Luís de Camões também cantou «a glória» do poder do pulso de cada um quando manda por mandar, só porque essa actividade lhe aquece a alma. Em todos os cantos da vida estão esses pequenos ditadores do mandar por mandar. Diz o poeta: «Ó glória de mandar! Ó vã cobiça / Desta vaidade a que chamamos fama!». Que pena quando o poder é isso «glória vã», acção vazia, sem pensamento e sem doutrina. Talvez o maior cineasta da actualidade, o português Manuel de Oliveira, realizou um filme onde faz o retrato de Portugal, quando pelo mundo se deixou enredar pela violência, só porque o gosto de mandar por mandar estava bem patente no intuito dos que se aventuraram pelo mundo. Obviamente, que não pretendemos obscurecer o grande feito da nação portuguesa, quando se aventurou mar adentro à procura de novos mundos. O filme de que falamos é a «'Non', ou A Vã Glória de Mandar», é um filme do (nosso) centenário Manoel de Oliveira, que faz a crónica da derrocada do velho sonho imperial português. Quatro militares numa viatura de combate em patrulha atrás do inimigo – os africanos que lutam pela independência – num momento de descanso, discutem a guerra. Não só nesta, onde estão lutando, mas todas as guerras em que Portugal se envolveu ao longo dos séculos, desde o início da sua história. A vã glória de mandar, está instalada nas nossas casas, nas igrejas, nas escolas, nos partidos políticos e em todos os lugares onde a vida em sociedade implica chefes, directores e subdirectores e outros afins. O poder, converte as pessoas em «tijolos» - como vamos ver na citação de José Saramago - o que não devia, mas maior responsabilidade, devia tomar o coração das pessoas para o serviço do bem-comum. Por isso, magoa ver pais de família converterem a paternidade e a maternidade em domínio, em berros e na mania do tudo sei e tudo posso porque «sou dono de pessoas» e o mesmo se diga para pequenas responsabilidades de todos os lugares da sociedade. O poder de uma simples chave converte uns «pequenos» seres em altivos senhores do vazio e do ópio que o poder confere. E findo com um pequeno texto de José Saramago, que está no «Memorial do Convento». Diz assim, «Juntam-se os homens que entraram hoje, dormem onde calhar, amanhã serão escolhidos. Como os tijolos. Os que não prestarem, se foi de tijolos a carga, ficam por aí, acabarão por servir a obras de menos calado, não faltará quem os aproveite, mas, se foram homens, mandam-nos embora, em hora boa ou hora má. Não serves, volta para a tua terra, e eles vão, por caminhos que não conhecem, perdem-se, fazem-se vadios, morrem na estrada, às vezes roubam, às vezes matam, às vezes chegam». E quando os galos brigam e ferram-se porque o poder lhes escapa... Para quê mais palavras sobre essa coisa que chamamos poder!

3 comentários:

M Teresa Góis disse...

Cito:"Faz gosto ver como um bando de homens sabe impor e dominar, sem ter necessidade, sequer,de manejar o trapo vermelho que encandeie a vista aos bichos trementes, sem manejar o chicote e a forquilha com que os domadores metem em ordem os felinos opiados. Não há mister de tanto.A multidão dos covardes que povoam os montes férteis e os vales ubérrimos do nosso famoso rincão ornado de mar e beijado de luz, têm o ópio no próprio sangue dessorado e basta que um atrevidote vulgar,armado em valente,berre insultos,cuspa insolências e mostre,de quando em vez,o bengalão de moderno secreta da Liberdade, para os conduzir mais tímidos que bandos de ovelhas gafadas...." Fialho D'Almeida
Na falta de grandes analistas contemporâneos, usufruo do legado escrito com séculos e sempre actual.

Autor do blog disse...

Uma achega importante. Obrigado...

José Ângelo Gonçalves de Paulos disse...

Padre José Luís, outro texto que deveria ser lido nos areópagos que ainda dispomos e que, apesar de tudo, mantêm um certo humanismo. Refiro-me à igreja, como é óbvio. No meio desta "apagada e vil tristeza" é preciso sair disto. Como? E no tempo de Jesus? Ele veio a mando do PAI/MÃE e trouxe ainda,por cima, uma espada para construir uma Humanidade nova,ressuscitada, amiga dos homens e das mulheres, das crianças e dos desprovidos da sorte e da própria Natureza. Todos os escritores escreveram coisas lindas , os poetas cantaram, mas segundo Eça de Queiroz o melhor foi no naufrágio e o pior ficou dentro da barca liderada por um alcoólico chamado Noé. Vem aí as alegrias do "25 de Abril" a minha Páscoa que ressuscitou-nos a Liberdade, Fraternidade e Igualdade. Cantemos todos as hossanas da "Grândola Vila Morena" Isto é Evangelho. E deixemos de cantar as avé-marias tristes só as Shubert e de Gunout (não sei se os nomes estão correctos) e o grande e celestial MAGNIFICT.