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sábado, 8 de maio de 2010

Sobre o avô

O meu avô era um figurão de homem. Sempre me lembro dele.
O seu carinho. O Seu afecto. A sua paz interior. O seu sorriso. A sua bondade. Nada nele escapava à ternura e ao amor por todos.
Um homem completo. Diríamos que era um «homem dos sete ofícios». Sabia tirar dentes. Sabia cortar os cabelos. Sabia esterilizar (capar) os porcos e os cabritos. Um agricultor de primeira. Um tratador de animais como poucos. Pois, então, uma só palavra, um artista.
As solicitações não paravam a todas as horas do dia e da noite. E estava o avô José ou o de «cima» - era a sua alcunha, o José de Cima ou o tio de cima, como toda a gente sabia pronunciar com todo o respeito – mas, de cima, porquê? - Porque um pouco em baixo residia outro familiar do meu avô (um irmão) chamado de «baixo» ou tio de baixo, como toda a gente o tratava nas redondezas. Estamos perante duas famílias, os de cima e os de baixo. Nada mau, para trato num ambiente rural, onde podiam surgir as alcunhas muito graves. E assim se faziam os sítios da nossa terra, as figuras emblemáticas existiam e todos nutriam por elas um respeito sagrado.
Mas, aparte estes considerandos. Gostaria mais de destacar a figura sublime do avô. Um homem lindo de morrer. O seu rosto enrugado aqui e ali, uma barba branca da cor da neve, os cabelos, já muito poucos por sinal, mas reflectiam uma brancura transcendente. O seu estilo na forma como sugava o cigarrinho Santa Maria, aproveitado até à exaustão, elevava para a admiração. O seu acto de fumar era um cerimonial, um acto feito de prazer e alegria pela vida. Então era vê-lo nas tardes de Domingo, na entrada da casa, bordão na mão direita e o cigarrinho Santa Maria na outra, a ser gostosamente fumado com o delírio da festa, que eram as tardes de Domingo nos recantos dos caminhos.
Por isto tudo, o meu avô fica na memória e nunca mais deixará de ser uma figura da minha infância. Nos momentos de maior cansaço, tristeza ou desânimo, regresso a ele e nele e por ele encontro outra luz e outra vontade para caminhar. Desta forma, acredito na eternidade. Mais acredito que a ternura, os simples gestos dos avós marcam para sempre as novas gerações. Só assim se percebe que o amor é eterno. Esta é a melhor herança que os avós poderão deixar.
José Luís Rodrigues

3 comentários:

M Teresa Góis disse...

A figura do "Avô" hoje aqui evocada, é um poço de ternura. Tal como o sr. José, ainda encontramos "avôs" e "avós" analfabetos no ler mas sábios na escola da Vida.
É esta riqueza que os velhinhos encerram, este saber, que hoje é desaproveitado pelas famílias, pela sociedade em geral. Gente chã, digna, simples, amistosa. Felizmente onde vivo, mesmo sendo postiços, ainda tenho avôs e avós...
Parabéns aos netos que sabem reconhecer, lembrar e imitar o seu Avô.

José Ângelo Gonçalves de Paulos disse...

Belíssimos texto.

José Ângelo Gonçalves de Paulos disse...

Padre José Luís, os avôs e avós dos tempos actuais já não têm capoeiras com galinhas e ovos saudáveis para fritar; nem palheiros para ver ordenhar o leite; nem os porquinhos, nem cabrinhas, nem ovelhas; nem cães nem gatos. Tudo, com o desenvolvimento, foi alterado. Os nossos campos agrícolas já não existem. Elas já sobem as àrvores para ir buscar uma maçã ou pêra As crianças vêem os seus avós ou pais colocar nas suas mesas frango assado, um bife com ovo, mas não sabem eles donde vieram ou estavam e como cresceram, pastaram etc. Ainda outro fenómeno, já não temos avós ou avôs para -e só eles- contar estórias/histórias.