Publicidade

Convite a quem nos visita

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Carlos Pinto Coelho Morreu, e assim acontece

.
Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm idéias sobre o mundo?
..
Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas:
Só me obriga a ser consciente.
...
Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei.
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.
....
Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.
.....
Sei que a pedra é a real, e que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada.
......
Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,
.......
Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, "é uma pedra",
Digo da planta, "é uma planta",
Digo de mim, "sou eu".
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Nota: Morreu o sr. livros ou o sr. acontece. Adiante com esperança. Fica a memória de quem deu a ler e ensinou que há um universo imenso de leituras, contos, dramas, alegrias e tristezas. O tudo da vida na biblioteca da criatividade e do pensamento. Por isso, dedicamos este lindo poema de Alberto Caeiro a Carlos Pinto Coelho. Paz à sua alma.

5 comentários:

M. disse...

Uma morte lamenta-se sempre. A dele também.

Era um divulgador. A RTP enterrou-o antes de morrer...

José Luís Rodrigues disse...

É normal que a RTP tenha feito isso, é um tentáculo dos poderes. E os poderes não toleram a cultura e muito menos ainda quem não se verga à hegemonia dos poderes partidários quando governam este país. É pena que assim seja e que as pessoas não sejam aceites pelo seu valor, mas antes pela submissão que assumem perante o poder. Este homem foi vítima dessa pobre forma de pensar que acompanha este povo português.

M Teresa Góis disse...

Um homem culto, sem medo, profundamente profissional. O País volta a empobrecer. E, mais uma coisa: morreu no seu posto! Oxalá tenha uma boa biblioteca no sítio para onde foi, em paz!

M. disse...

Acho que ainda gostei mais do commntário que do post...

Ainda me vais converter...lol

José Luís Rodrigues disse...

Impossível converter quem já está convertido. A verdadeira conversão é ser feliz, nisso consiste o Deus que eu acredito.