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Convite a quem nos visita

sábado, 31 de março de 2012

Domingo de Ramos

Diz Jesus:
....
«Se alguém quiser seguir-me tome a sua cruz e siga-Me» (Lc 9,23)
........
Ferando Pessoa dirá algo semelhante nos célebres versos do poema «Navegar é preciso», escutemos:
....
... Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
Ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
Ainda que para isso tenha de a perder como minha...
.......
Nota: Com votos de um excelente Domingo de Ramos para todos....
(imagem Google)

sexta-feira, 30 de março de 2012

Fazemos falta a Deus

Nota: Texto de um famoso católico francês Charles Péguy. Serve para vivermos com muita esperança estes dias. Não nos rebaixemos diante do Mistério. Contemplemo-lo e coloquemos a nossa existência ao nível de Deus, porque é disso que se trata quando celebramos uma Páscoa que dizemos de Deus, mas é mais «a nossa» Páscoa, este tempo que sempre nos renova para a vida cheia de amor e de esperança...
..
É de nós que Deus aguarda
A coroação ou a descoroação de uma esperança sua.
Terrível amor, terrível caridade,
Terrível esperança, responsabilidade verdadeiramente terrível,
O Criador tem necessidade da sua criatura, pôs-se a ter necessidade da sua criatura.
Nada pode fazer sem ela.
É um rei que tivesse abdicado nas mãos de cada um dos seus súbditos.
Simplesmente o poder supremo.
Deus tem necessidade de nós, Deus tem necessidade da sua criatura.
Por assim dizer condenou-se assim, condenou-se a isso.
Fazemos-lhe falta, a sua criatura faz-lhe falta.
Aquele que tudo é tem necessidade de aquilo que nada é.
Aquele que tudo pode tem necessidade de aquilo que nada pode.
Ele entregou os seus plenos poderes.
Aquele que é tudo nada é sem aquele que nada é.
Aquele que pode tudo nada pode sem aquele que nada pode.
Assim a jovem esperança
Retoma, reverte, refaz.
Restaura todos os mistérios
Como restaura todas as virtudes.
Nós podemos fazer-lhe falta.
Não responder ao seu apelo.
Não responder à sua esperança. Ser-lhe um defeito. Faltar-lhe.
Não aparecer.
Terrível poder.
Os cálculos de Deus mediante nós podem não dar certo.
As previsões, as previdências, as providências de Deus
Mediante nós podem não dar certo,
Pela falta do homem pecador.
Os conselhos de Deus mediante nós podem faltar.
A sabedoria de Deus mediante nós pode falhar.
Terrível liberdade do homem.
Nós podemos fazer que tudo falte.
Podemos estar ausentes.
Não acudir no dia em que nos chamem.
Podemos não responder ao apelo
(Exceto no vale do Juízo)
Terrível favor.
Podemos fazer falta a Deus.
Eis a situação em que ele se pôs,
A má situação.
Pôs-se no caso de ter necessidade de nós.
Que imprudência! Que confiança!
Se bem se mal colocada, de nós depende.
Que esperança, que teimosia, que preconceito, que força incurável de esperança.
Em nós.
Que despojamento, de si, do seu poder.
Que imprudência.
Que imprevisão, que imprevidência,
Que improvidência de Deus.
Nós podemos faltar.
Nós podemos fazer falta.
Nós podemos falhar.
Terrível favor, terrível graça.
Aquele que tudo faz dirige-se àquele que nada pode fazer.
Aquele que tudo faz tem necessidade de aquele que nada faz.
E como nós dobramos os sinos com toda a força pela Páscoa,
A bom dobrar,
Nas nossas pobres, nas nossas triunfantes igrejas,
No sol e bom tempo do dia da Páscoa,
Assim Deus por cada alma que se salva
Dobra e redobra os sinos da Páscoa eterna.
..
Charles Péguy
In O pórtico do mistério da segunda virtude

(Imagem Google)

quinta-feira, 29 de março de 2012

Tornou-se semelhante à humanidade

Comentário à Missa do Próximo Domingo
Domingo de Ramos
Fil 2, 6-11
São do Apóstolo Paulo as palavras mais densas e fortes sobre Jesus Cristo. Estas palavras sobre a figura de Jesus são dirigidas à comunidade dos Cristãos de Filipos. A cidade de Filipos, era uma cidade importante no Império Romano por causa da sua localização geográfica na região montanhosa entre a Ásia e a Europa.
O Apóstolo Paulo visita Filipos pela primeira vez, por ocasião da sua Segunda viagem missionária, como é descrito em Actos 16. A visão que Paulo teve em Troas, era Deus convocando o apóstolo a passar ao continente europeu, dando-se ali, em Filipos, as primeiras conversões na Europa e, por isso, Filipos tem sido chamada o "berço do cristianismo europeu". A igreja em Filipos cresceu e fortaleceu-se e trouxe muitas alegrias ao coração do Apóstolo. Paulo escreve esta carta, muitos anos mais tarde quando, na prisão em Roma, em condições miseráveis, mas que não puderam tirar a sua alegria. A igreja de Filipos amava muito a seu pai na fé, e mostra-lhe muito afecto, enviando-lhe uma carta viva na pessoa do seu representante Epafrodito. Não esqueceu, também, de enviar-lhe algum dinheiro para alguma necessidade temporal.
Notamos três características principais nesta carta. Primeira, é uma carta bem pessoal, indicando a profundidade da amizade e fraternidade entre o Apóstolo e a comunidade. Outra marca desta carta é a centralidade da pessoa de Jesus Cristo e o Seu senhorio. Nesta carta temos um dos mais belos hinos sobre a humilhação e exaltação de Cristo como Senhor absoluto. Esta passagem a que nos referimos é bem sintomática desta visão.
Mas, sem dúvida, uma outra grande característica de Filipenses é o destaque que o apóstolo dá ao gozo reinante no seu coração, apesar de ele estar em circunstâncias humanas tão tristes na prisão. Só Deus pode, pelo Seu Espírito, colocar "alegria" no coração dos Seus servos em "qualquer tempo" e sob "quaisquer circunstâncias".
A nota dominante desta carta é que estamos perante a mais "alegre" carta do Novo Testamento. Do início ao final a alegria é a nota dominante.
O abismo da dor e da morte são realidades tão frequentes e tão duras nas nossas vidas, que muitas razões encontramos para não sermos alegres e até os mais desanimados de todos, mas se olharmos para Aquele que abdicou de tanto, para ser um como nós, encontramos, afinal, muitas razões para sermos os mais alegres e felizes de todos. A confiança no Pai que Jesus nos mostra, garante-nos uma outra força e libertação para vencer o escuro do abismo da desesperança e o sem sentido deste mundo.
José Luís Rodrigues

DEUS SEGUNDO SPINOZA

Nota: Polémico. Mas muito interessante para sabermos, quem sabe do essencial, face a tanto acessório que muita liturgia teima em impôr em nome de um Deus muito longe, mas mesmo muito longe do coração das mulheres e homens concretos deste tempo que é o nosso... Serve para reflexão e para oração também. Ajuda a purificar das imensas ideias erradas sobre Deus impostas pelo ambiente catequético que nos rodeia a religiosidade...
.........................
As palavras abaixo são de Baruch Espinoza - nascido em 1632 em Amesterdão e falecido, em Haia, em 21 de fevereiro de 1677. Foi um dos grandes racionalistas do século XVII, dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. Era de família judaica portuguesa e é considerado o fundador do criticismo bíblico moderno. Acredite, estas palavras foram ditas em pleno século XVII.
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“Pára de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho... Não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho? Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos,de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar,que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida, que teu o estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registo. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno. Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho. Vive como se não o houvesse. Como se esta fosse a tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado a oportunidade que te dei. E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste bem comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas a tua filhinha, quando acaricias o teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Pára de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Aborrece-Me que me louvem. Cansa-Me que agradeçam. Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, da tua saúde, das tuas relações, do mundo. Te sentes olhado, surpreendido?... Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.
Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para quê tantas explicações? Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti.
................
Einstein, quando lhe perguntaram se acreditava em Deus, respondeu: “Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos homens”.

quarta-feira, 28 de março de 2012

A hospitalidade

Foi em Mambré que Deus em três pessoas
Visitou Abraão na sua casa.
Três medidas de pão serviu o anfitrião encantado
Por tão sublimes visitantes.
Não tanto à face do pai da fé conversaram
Mas acima dele para o proteger na paz.
Abraão escuta as palavras do amor
E sabe que distinta aparição não o humilha.
Logo depois faz sair da brasa não o vitelo duro
Mas o suculento vitelo tenro e gordo.
Entre a carne e o pão nasce a esperança
No banquete da casa da misericórdia e da vida toda.
Mais adiante o pão levedou a ação de graças
Que Abraão não sabia mas nós sabemos na Eucaristia.
O vitelo tenro e gordo o Pai imola na festa de uma pessoa
Onde a palavra nomeia de Filho Pródigo.
Mas, não fica na degustação apenas a hospitalidade
A água fervilha em cascata de amor para lhes lavar os pés.
Pois bem, neste ciclo viu Abraão Deus
Na Trindade da vida plena que só a fé longe do turbilhão
Pode revelar como alicerce seguro do sentido que busco
Na oferta inteira de uma Pessoa no alto da Cruz…
José Luís Rodrigues
Duas notas ainda:
- «Era peregrino e vós Me recolhestes» (Mt 25,35). «Não negligencieis, pois, os viajantes, não seja que vos recuseis a receber o próprio Deus» (São Cesário de Arles (470-543), monge e bispo).
- Mais ainda se descobre em Santo Inácio de Antioquia (Séc. II), que parece não precisar, para a sua fé, da mediação de nenhum texto. Para ele o Cristianismo não é uma religião do Livro como era o Judaísmo rabínico e o será, depois, o Islão. Diz assim: «Para mim, os meus arquivos são Jesus Cristo; os meus arquivos invioláveis são a sua cruz e a sua morte e a sua Ressurreição e a fé que D’Ele vem». Mais palavras para quê…
(imagem Google)

Passagem suprema: a Quaresma na cultura portuguesa

Falar do tempo religioso na cultura portuguesa é falar, a um tempo, dos místicos e dos artífices do diálogo humano de uma dramaturgia que tem em Gil Vicente o seu exemplo mais evidente.
Lembremo-nos de Frei Tomé de Jesus e de Frei Agostinho da Cruz que põem o diálogo com a transcendência como modo de conhecer e compreender o mundo das pessoas e a força do próximo e do amor. E, se bem lermos as palavras que nos legaram, fácil é o entendimento do diálogo riquíssimo do “Auto da Lusitânia” entre Todo-o-Mundo e Ninguém, complemento natural da poética que Paul Claudel designou como con-naissance – nascimento em comum, partilha, proximidade e amor.
Frei Agostinho da Cruz é claríssimo: “Claros sinais de amor, ah saudade! / Minha consolação, minha firmeza, / Chagas de meu Senhor, redenção minha”. Mas, o tempo da Quaresma é dinâmico envolve a provação e a alegria, a limitação e a emancipação, a esperança da passagem suprema que é a Páscoa. “Minha aldeia na Páscoa… / Infância, mês de abril! / Manhã primaveril! / A velha igreja. / Entre as árvores alveja, / Alegre e rumorosa / De povo, luzes, flores… / E, na penumbra dos altares cor-de-rosa. / Rasgados pelo sol os negros véus. / Parece até sorrir a Virgem-Mãe das Dores. /Ressurreição de Deus!”.
A Quaresma é, assim, na expressão poética de Teixeira de Pascoaes, o culminar de um tempo de plenitude que chega à “manhã primaveril” da Páscoa e à força sublime da Ressureição.
Guilherme d'Oliveira Martins
Presidente do Centro Nacional de Cultura
(Imagem Google)

terça-feira, 27 de março de 2012

Conversa de grãos... De gente

- Dizia um dos grãos de trigo para os outros em pleno inverno debaixo de uns centímetros de terra: vamos acabar podres aqui sob esta terra húmida e fria.
- Outro grão retorquia: tenho impressão que não. Se nos puseram aqui não é para acabar.
- Que ideia, foi mesmo para acabar. Não sentes a tua casca a desfazer-se e o miolo a inchar? E aqueles ali já estão apodrecidos, desfeitos, nem já dão por nós.
- Deixa lá, vais ver que não vai ser o nosso fim. Sinto cá por dentro uma vibraçãozinha como alguém a chamar-me baixinho!
- Estás mesmo a sonhar, ilusão; estás a delirar. Eu não sinto nada, só o frio e a terra húmida a esmagar-me. É uma tristeza acabar assim. Era tão boa a nossa vida, antes!
- Não estás a ver este grelinho a sair do meu interior por dentro da minha pele desfeita? Espera, espera…Já…
- O quê?
- Estou a subir de dentro do que estava podre. Vejo…
- Se não estou louco, parece que também está a acontecer comigo. Estou a mexer… Qualquer coisa a subir… Será que é mesmo agora o nosso fim?
- Eu vejo uma luzinha por cima, sinto algo a roçar quentinho pela minha folhinha… Sinto-me mais vivo… A renascer. Está a ser mais bonito que antes e que há pouco. Olha, ali, outros grelinhos a aparecer, a subir… Já não estamos a apodrecer debaixo da terra. E aquela luz grande a olhar para nós!
Ena, tanta luz! E tantos a acenar-nos para a festa. Hi! O que estamos a ver! Que bonito!
Funchal, Páscoa («Se o grão de trigo não morrer...») 2012
Aires Gameiro

segunda-feira, 26 de março de 2012

Da importância de um padre falar com uma mulher

Por Ana Vicente*
Recentemente nomeado para um grupo poderoso de homens celibatários, o colégio dos cardeais, cuja origem ou justificação não se vislumbram na mensagem evangélica, Manuel Monteiro de Barros veio ao pátio dos gentios tecer considerações sobre "a mulher" e sobre "a família". Usando do seu pleno direito de liberdade de expressão, propõe que seja dada mais apoio à "família" pois a "mulher deve poder ficar em casa, ou, se trabalhar fora, num horário reduzido, de maneira que possa aplicar-se naquilo em que a sua função é essencial, que é a educação dos filhos". Também afirmou que: "Mas se a mãe tem de trabalhar pela manhã e pela noite e depois chega a casa e o marido quer falar com ela e não tem com quem falar..." Tais afirmações devem preocupar-nos pelo seu simplismo, revelador de uma profunda desconexão com a vida quotidiana de milhões de famílias, em Portugal, na Europa e no mundo.
A realidade social das famílias é muito variável e complexa, haja ou não filhos (10% dos casais têm problemas de infertilidade). O modelo económico em que vivemos neste país exige, sem hipótese de qualquer escolha por parte de umas ou outros, que a maior parte das pessoas, mulheres ou homens, exerça um trabalho remunerado. E atira para o desemprego um número assustadoramente elevado de pessoas, mulheres ou homens. Por outro lado, temos uma grande percentagem de pessoas com mais de 65 anos, (entre as quais eu me incluo e o referido cardeal também), vivendo ou não "em família", que reflectem um aumento muito positivo da esperança de vida. Estes e estas continuam a trabalhar de forma remunerada sempre que podem, quer sejam mulheres ou homens, quando as suas pensões são diminutas ou quando nisso têm gosto. As mulheres, tal como os homens, não "trabalham" para se divertir, mas porque precisam dos rendimentos para custear o dia-a-dia, de si próprias e da sua família, nuclear, alargada, reconstituída, ou o que seja. E também porque o trabalho remunerado nos dignifica e, tantas vezes, nos gratifica. É essa uma mensagem importante da Doutrina Social da Igreja - o trabalho é um valor e deve ser realizado em condições dignas, de forma a satisfazer a dimensão humana e espiritual da trabalhadora ou do trabalhador. A experiência do trabalho remunerado, semelhante às condições vividas por qualquer cidadã ou cidadão, é uma que muito poucos sacerdotes jamais enfrentaram, até porque escolheram não "constituir família" (e estão inseridos numa instituição que lhes garante o suficiente para viver).
Torna-se quase fastidioso ter de repetir, mais uma vez, que todos os estudos demonstram que metade do trabalho remunerado e a esmagadora parte do não remunerado, realizado no mundo e também no nosso país, são realizados por mulheres - por razões culturais, por razões sociais, mas sobretudo porque as mulheres continuam a ser consideradas (mais uma vez demonstrado pelas palavras do sr. cardeal), e a considerarem-se, como grandes responsáveis do sustento e do bem-estar das suas famílias e, nomeadamente, dos seus filhos. Ou seja, este desequilíbrio tem as suas raízes na assimetria de poder, persistente, anticristã e desumana, que impera entre mulheres e homens. Contribui para e/ou explica, a título de exemplo, entre muitos outros possíveis, a violência doméstica, a prostituição, a pobreza (a maioria dos pobres é do sexo feminino), a diferença salarial existente entre mulheres e homens por trabalho de valor igual, a ausência ou diminuta presença das mulheres nos lugares de decisão política, económica, militar e, sobretudo, religiosa.
Parece-me, antes, sobejamente necessário chamar a atenção para a necessidade de os homens assumirem, de forma responsável, a sua função paterna, tão importante, obviamente, no desenvolvimento harmonioso da criança como é a função materna. É pena que o novo cardeal, empossado das suas novas funções, não tenha aproveitado a ocasião para fazer esta tão cristã chamada de atenção. Optou antes, pela sua linguagem, por perpetuar a nociva cultura de assimetria entre mulheres e homens.
* Membro do Movimento Internacional Nós Somos Igreja, in Público, 25 de Março de 2012.

A sinceridade

Poema do grande matemático persa Omar Khayyãm, que viveu no século XI:
Toda a gente sabe que nunca murmurei a mínima oração.
Toda a gente sabe também que nunca tentei dissimular os meus
defeitos.
Ignoro se existe uma justiça e uma misericórdia.
Contudo, tenho confiança, porque sempre fui sincero.
(Imagem Google)

sábado, 24 de março de 2012

Apontamentos sobre Deus

Nota: Escutar o que se diz de Deus...
«Há uma história que Aristóteles narra sobre uma palavra do filósofo Heraclito a uns forasteiros que queriam chegar até ele. Aproximando-se, viram como se aquecia junto a um fogão. Detiveram-se surpreendidos, enquanto ele lhes dava ânimo: "Também aqui estão presentes os deuses."» «Pede-lhes que entrem: "Também aqui estão presentes os deuses." Também aqui, neste lugar corriqueiro, é o espaço para a presentificação de Deus».
Santa Teresa de Ávila: dizia que «Deus anda na cozinha no meio das panelas. Para sublinhar que quem julga encontrar Deus fora do mundo lida apenas com as suas ilusões».
Como escreveu o filósofo Henri Bergson, "a mística completa é acção"; o místico autêntico, "através de Deus, por Deus, ama a humanidade inteira com um amor divino". São João escreveu de modo forte e pregnante: "Se alguém possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor de Deus pode permanecer nele?"
São Tiago não é menos explícito: "De que aproveitará a alguém dizer que tem fé, se não tiver obras? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano e um de vós lhes disser: 'Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos', sem lhes dar o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se a fé não tiver obras, está completamente morta."
O místico Ruysbroek disse: "Se estiveres em êxtase e o teu irmão precisar de um remédio, deixa o êxtase e vai levar o remédio ao teu irmão; o Deus que deixas é menos seguro que o Deus que encontras."Também Buda, depois de ter lavado e tratado de um monge doente e abandonado, disse aos seus monges: "Quem quiser cuidar de mim cuide dos enfermos." São João da Cruz tem aquela expressão famosa: "Ao entardecer desta vida examinar-te-ão no amor."
Escreveu, com razão, J. Ratzinger: "A curiosa magia dos estupefacientes apresenta-se como o atalho para o Paraíso, aquele atalho que nos pouparia todo o 'penoso' caminho da ascética e da moral. A droga é a pseudomística de um mundo que não tem fé, mas que de modo algum pode prescindir da ânsia da alma pelo Paraíso. A droga é, por conseguinte, um sinal indicador de algo mais profundo. Não só descobre na nossa sociedade um vazio, que esta não é capaz de preencher com os seus próprios meios, como chama a atenção para uma exigência íntima do ser humano, que, se não encontrar a resposta acertada, se manifesta de forma pervertida."

sexta-feira, 23 de março de 2012

Ruas polidas

«Na cidade quem olha para o céu?» (Carlos Queiroz)
Sou solteiro, as ruas são livres,
Minhas mãos nuas
De anéis,
Os músculos festivos
E há missa sobre o mundo.
Carlos Drummond de Andrade,
Virgílio brasileiro,
Sobe comigo aos ciclos das palavras,
Desce comigo às pedras públicas
Da cidade, que
Passos humildes, anónimos,
Pacientemente
Poliram, ao ponto de nelas
Podermos por vezes, discretos,
Patinar
E ousar voos.
Há missa sobre o mundo
(Teilhard).
Um outro Carlos
- Queiroz esse, disse em Sete
Caprichos para Ela
(Setenta vezes sete para o meu capricho):
Bendito seja o sex-appeal.
Ruas pela humildade ou o anónimo
- Na cidade quem olha para o céu,
Se nas ruas polidas fulgem estrelas
E um murmúrio de cântico geral?
Sim, há ruas em que podemos patinar,
Prontos para o discreto voo
De quem, lúcido ou bêbedo, ou banal,
Deseja por momentos o alto ar...
E desliza.
Há missa sobre o mundo
E eu encontro partículas
Inúmeras de uno
(Desde o moreno de Estela até à brancura de Elisa)
E de eterno feminino
(Goethe),
Que impelem para o alto
Voo.
...

Cristovam Pavia

....

Nota: Também é deste poeta este par de versos, tão exagerados e ao mesmo tempo tão verdadeiros:

Ó Portugal minha pátria de meia-tigela

- Aqui para nós, passa-se tão bem sem ela!

.....

(Imagem do blogue «Quartos Escuros»)

quinta-feira, 22 de março de 2012

A salvação eterna

Comentário à Missa do Domingo V da Quaresma

25 de Março de 2012

O grão de trigo lançado à terra morre para depois rebentar cheio de vida nova, para dar muito fruto. Esta imagem do trigo que morre ao ser lançado na terra para nascer de novo, é uma alusão à morte de Jesus. O próprio Jesus anuncia a sua morte e que ela é necessário acontecer para que a glorificação seja depois uma realidade.
A glorificação é sinónima de ressurreição. Nos textos da missa deste Domingo, Jesus Cristo fala-nos do tipo de morte que vai sofrer. Embora se descubra que esta morte é inevitável, ela acontecerá para que do escuro do sem sentido da morte todos sejam atraídos para a vida nova (ressuscitada) que emerge do coração do Deus Pai/Mãe. Por isso, o autor do texto de Hebreus, afirma de forma categórica que Cristo "tornou-se para todos os que lhe obedecem causa de salvação eterna", pressupondo que, o contrário será incorrer na condenação eterna.
Mas, não nos fixemos apenas nas coisas da outra vida. Vamos tentar acolher que a ressurreição pode ser algo que se experimenta agora e não apenas depois da morte física. Uma vida dedicada ao serviço dos outros é já uma vida que participa na ressurreição. Outras vidas constantemente viradas para o egoísmo, o rancor e o ódio são vidas que não participam na ressurreição e enquanto não houver arrependimento e conversão nunca haverá lugar para a ressurreição ou glorificação. E dizer estas palavras (ressuscitar e glorificar) é o mesmo que dizer felicidade e alegria.
A não participação na ressurreição implica estar só e apenas voltado para os bens deste mundo ou sempre empenhado na recusa daquilo que edifica a felicidade para todos. Por isso, diria que a ressurreição é o encontro com a paz do coração que Deus concede a todos os seus filhos.
A ressurreição é a partilha do amor de forma desinteressada e com total disponibilidade para servir a causa do Evangelho de Cristo, que consiste em procurar sempre fazer deste mundo um lugar cheio de ética, de paz e de fraternidade.
Assim, glorificar-se é estar já na dinâmica do acontecer de Deus. No fundo, será essencial nunca recusar a possibilidade do amor como condição essencial da descoberta da vida partilhada para o bem de todos. Perante este valor da salvação eterna que Jesus nos oferece, porque será tanto o medo sobre a morte? - O medo da morte comanda ainda tanto o coração da humanidade porque falta acreditar profundamente neste mistério que Jesus veio trazer para junto de todos nós. A morte humana, é apenas uma passagem para a plenitude da vida ressuscitada. Somos levados a concluir que a morte cristã, é a passagem para a vida verdadeira. Nada nos deve fazer temer a morte. Se alimentamos a vida terrena com a fé na pessoa de Jesus, a morte não é uma derrota mas a vitória final que nos coloca nos braços misericordiosos de Deus Pai.
José Luís Rodrigues
(Imagem Google)

quarta-feira, 21 de março de 2012

Os poetas e a Primavera

Primavera e dia mundial da poesia…

....

Tudo se renova nas palavras e no tempo
Que já disseram os amantes no beijo e no abraço.
As flores explodem e espalham o pólen no ar da manhã
Essa entrega feita qualquer mistério faz do sonho
A realidade em vida nova para todos.
Agora neste momento as palavras sentem
Uma ideia, um desejo, uma ternura…
E neste sol primaveril vibram os poetas
- Que não digo sempre!
Mas alguma vez se dizem no encanto do silêncio
Que a paisagem em flor desvenda o amor e a paz.
....
José Luís Rodrigues

Nascer de novo

Nascer: fincou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver sem
alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.
..
Sondamos, inquirimos
sem resposta:
Nada se ajusta, deste lado,
à placidez do outro?
É tudo guerra, dúvida
no exílio?
O incerto e suas lajes criptográficas?
Viver é torturar-se, consumir-se
à míngua de qualquer razão de vida?
..
Eis que um segundo nascimento,
não advinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta
de sentido no absurdo de existir.
O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances de silêncio.
..
A explicação rompe das nuvens,
das águas, das mais vagas circunstâncias:
Não sou Eu, sou o Outro
que em mim procurava seu destino.
Em outro alguém estou nascendo.
A minha festa,
o meu nascer poreja a cada instante
em cada gesto meu que se reduz
a ser retrato,
espelho,
semelhança de
gesto alheio aberto em rosa.
..
Carlos Drummond de Andrade
..
(Imagem Google - Cerejeiras em Flor no Jardim da Serra)

terça-feira, 20 de março de 2012

É talvez o último dia da minha vida.

Nota: Exactamente como me sinto hoje...
.....
É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o Sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.
Alberto Caeiro

Só para lembrar...

Título de notícia no Dnotícias de hoje (20 de Março de 2012): «Apoio Social faz-se através da Caritas». Ámen. Fantástico que assim seja. Só falta dizer que a Caritas Diocesana do Funchal é a legítima «dona» dos pobres da Madeira. Se denunciasse aqui tudo o que se conta sobre a acção desta organização da Igreja Católica da Madeira, provocava arrepios.
Adiante... Infelizes os pobres da Madeira se o apoio social se reduzisse à Caritas. Lembremos os vários grupos das Paróquias, por exemplo, as Conferências de São Vicente de Paulo (estruturas que a Caritas e algumas pessoas da Igreja não gostam), as famílias entre si e tantas e tantas pessoas que por sua livre iniciativa socorrem famílias inteiras... Isto sim, é ser Igreja concreta à luz do Evangelho que diz: «Tende cuidado em não praticar as boas obras diante dos homens, para serem vistas, pois, do contrário, não recebereis recompensa de vosso Pai que está nos céus. - Assim, quando derdes esmola, não trombeteeis, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Digo-vos, em verdade, que eles já receberam sua recompensa. - Quando derdes esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita; - a fim de que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará» (M 4, 1-4). Só para lembrar…
Muito bem. Qualquer suspiro que dê a Caritas do Funchal é badalado em altas parangonas…

segunda-feira, 19 de março de 2012

S. José, obtém-nos o silêncio

Quando as ferramentas são guardadas no seu lugar e o trabalho do dia termina,
Quando do Carmelo ao Jordão, Israel adormece no trigo e na noite,
Como antigamente quando ele era jovem e ficava muito escuro para ler,
José conversa com Deus com um grande suspiro.
..
Ele preferiu a Sabedoria e é ela que lhe é trazida para a desposar.
Ele é silencioso como a terra à hora do orvalho,
Ele está na abundância e na noite, ele está bem na alegria, ele está bem na verdade
Maria está na sua posse, e ele a rodeia de todos os lados.
..
Não foi num só dia que aprendeu a nunca mais estar só
Uma mulher conquistou cada parcela do seu coração agora prudente e paternal
Está de novo no Paraíso com Eva!
Este rosto de que todos os homens precisam, volta-se com amor e submissão para José.
..
Já não é a antiga prece e já não é a antiga espera depois de que ele sente subitamente um braço sem ódio,
o apoio deste ser profundo e inocente.
Já não é a fé nua na noite, é o amor que explica e opera.
José está com Maria e Maria está com o Pai.
..
E nós também, para que Deus finalmente seja permitido
Suas obras ultrapassam a nossa razão,
Para que a sua luz não se apague por outras luzes,
E as suas palavras pelo nosso ruído,
Para que cesse o homem
E para que venha o vosso reino,
E se cumpra a vossa vontade,
Para que reencontremos a origem com profundas delícias,
Para que o mar se acalme e Maria comece,
Ela que tem a melhor parte,
E que do antigo Israel abate a resistência,
José, Patriarca interior, obtém-nos o silêncio.
..
Paul Claudel (1868-1955)
..
Texto e imagem SNPC...

Para asssinalar o dia do pai - O velho e o seu neto

Nota: para que o dia não passe sem algo que seja de alerta e educativo. Porque estamos mais que cheios de palavras vazias e desenhos patéticos alusivos a estes dias...
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(Irmãos Grimm tradução de Ana Maria Machado)
Era uma vez um velho muito velho, quase cego e surdo, com os joelhos a tremerem. Quando se sentava à mesa para comer, mal conseguia segurar a colher. Derramava a sopa na toalha e, quando, afinal, acertava na boca, deixava sempre cair um bocado pelos cantos.
O filho e a nora dele achavam que era uma sujidade e ficavam com repugnância. Finalmente, acabaram por fazer que o velho se sentasse num canto atrás do fogão. Levavam-lhe a comida numa tigela de barro e – o que era pior – nem lhe davam o bastante. O velho olhava para a mesa com os olhos compridos, muitas vezes cheios de lágrimas.
Um dia, as suas mãos tremeram tanto que ele deixou cair no chão a tigela e ela quebrou-se. A mulher ralhou com ele, que não disse nada, só suspirou. Comprou depois uma gamela de madeira muito barata e era aí que ele tinha de comer. Um dia, quando estavam todos sentados na cozinha, o neto do velho, que era um menino de quatro anos, estava a brincar com uns pedaços de pau.
— O que é que estás a fazer? – Perguntou o pai.
O menino respondeu:
— Estou a fazer uma gamela, para o pai e a mãe poderem comer quando eu crescer.
O marido e a mulher olharam-se durante algum tempo e desataram a chorar. Depois disso, trouxeram o avô de volta para a mesa. Desde então passaram a comer todos juntos e, mesmo quando o velho derramava alguma coisa, ninguém dizia nada.
(Imagem Google)

domingo, 18 de março de 2012

Transfiguração

entremos mais dentro da espessura, façamos uma tenda, uma pausa breve que antecipe a Páscoa
e nos esclareça acerca do segredo e da glória de Deus inacessível na face do Cristo, ícone de Deus
..
vinde, escalemos a montanha do Senhor, o universo inteiro foi santificado pela luz que o resgatou da transfiguração: hoje o Cristo foi transformado na glória do Tabor
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que nos ilumine a luz do seu conhecimento nos carreiros da vida e nos purifique do que a sombra em nós escureceu
..
que a coluna de fogo que revelou a Moisés o Cristo transfigurado nos purifique desta sombra e deste escuro
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pratiquemos este lugar e esta hora porque este é o tempo da ficção do rosto, o tempo de repensar feridas e refigurar o chão das coisas, o seu uso e a sua banalidade
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vinde, conversai com o Espírito e a brisa ligeira vos refresque o rosto vinde, conversai com Maria, o paraíso místico ela nos ensine a beleza do canto e a beleza desta hora
..
Fr. José Augusto Morão

sábado, 17 de março de 2012

Entrevista de D. Teodoro de Faria

Acabo de ler a interessante entrevista de D. Teodoro de Faria, bispo Emérito do Funchal, ao Dnotícias da Madeira.

Um bispo mais solto, longe, muito longe da imagem que tínhamos quando era bispo titular da Diocese do Funchal. As amarras do poder são terríveis. Aqui temos uma prova bem evidente de quanto esta constatação é bem verdadeira.
Muitos acharão que poderei não estar a ser sério quanto a estes destaques e a louvar esta entrevista. Foram muitas as minhas posições críticas quanto a pronunciamentos e atitudes pastorais de D. Teodoro de Faria. Hoje, muitas delas estão mais que reconhecidas que foram relevantes e até em diálogo com D. Teodoro de Faria após a sua saída, deu para constatar que em muitas existia razão de serem no sentido que foram. Bom, passado é passado. Vamos ao que importa hoje…
Destaco cinco momentos da entrevista que para mim são de elementar importância.
Primeiro momento. Faz referência à vinda do Banco Alimentar para a Madeira e como será uma mais-valia para ajudar a minorar as dificuldades que as famílias madeirenses vão atravessar. Muito importante esta posição face às investidas horríveis que alguns têm intentado levar a cabo contra esta iniciativa.
Segundo momento. A necessidade de revitalizar-se ou criar de novo a «Comissão Diocesana Justiça e Paz». Ideia que já vinculei ao D. António Carrilho, actual bispo diocesano. Até agora nada e prevejo que não se fará nada, zero neste sentido. Bem-haja o D. Teodoro de Faria por ter feito referência a esta necessidade. Precisamos como pão para a boca de espaços que reflectiram sem medos e sem qualquer amarra todas as questões que nos inquietam sobremaneira. Esta comissão seria muito importante para fazer pensar a nossa terra e prestar um serviço importante à Igreja da Madeira. Mas enquanto falar mais alto o preconceito, as amarras do poder, a intriga palaciana e outras sombras que abafam a nossa Igreja Diocesana pouco ou nada se consiguirá neste sentido. Porém, resta a esperança de que o Espírito Santo nos guie a todos para o caminho do bem...
Terceiro momento é sobre o Jubileu dos 500 anos da Diocese do Funchal em 2014. Cito a passagem sobre o programa que está a ser cumprido: «às vezes como diz o povo ‘quem muito agarra pouco apanha’…». Ora, ora, ora… O perigo do activismo para encher o olho faz muito mal e pouco ou nada deixa para o futuro.
Quarto momento é sobre o fim dos dois primeiros anos de Teologia para os Seminaristas do Funchal (este momento é deveras importante, porque imperou muita ignorância e um economicismo preocupante que prejudica em muito a reflexão na Diocese): «Havia um equilíbrio. Acharam por bem que fosse tudo para Lisboa. O Seminário do Funchal ficou infantilizado. Ter alguém que está um pouco mais elevado ajuda a subir. Uma Diocese nunca deve nivelar por baixo». Digo, posição de luxo.
Quinto momento. Face aos rumores que dizem que andam alguns padres muito empenhados na venda do Seminário da Encarnação, vulgo Seminário verde, D. Teodoro coloca o dedo na ferida e desmonta por completo tais propósitos absurdos. Repare-se: «Não sei como está. Só falo até há cinco anos atrás. Quando me perguntaram da Secretaria da Educação se era para vender, olhei para a porta e há uma placa de mármore que diz Seminário da Encarnação. Aquela colina foi um lugar de combate, que começou em 1640. Aquele Seminário formou gente que tornou a Madeira ilustre e conhecida. Aqueles que são responsáveis pela solução que peçam ao Espírito Santo para os iluminar que lhe dêem uma solução segundo a vocação originária». - Aqui está o que deve ser dito e tomado em linha de conta. Ninguém na Diocese é dono de nada. Os padres não são donos dos bens da Diocese. O seu património é de todos os madeirenses e isso deve ser muito bem ponderado.
Uma última palavra sobre o Jornal da Madeira. Diz D. Teodoro: «Agradeço a Deus por não ter esse problema». Porém, foi o sr. D. Teodoro juntamente com ilustre Cónego Tomé Velosa (já falecido) os «pais» deste bicudo problema. Só para lembrar. No entanto, havendo vontade e coragem penso que será um problema que se resolve numa frase e que pode ser a seguinte: «Meus senhores do Partido político que sustenta o Governo Regional da Madeira, fiquem com o Jornal da Madeira por completo, não queremos pactuar com esta política, vamos fazer um órgão de informação à nossa medida e de acordo com as nossas possibilidades financeiras. O nosso órgão servirá para anunciar o Evangelho de Nazaré, será para ajudar na Evangelização da nossa terra e não será a voz de ninguém deste mundo» (esta frase é minha, porém, se quiserem podem utilizá-la para resolver o «problema monstruoso» que dizem ser o Jornal da Madeira).
José Luís Rodrigues
(Imagem Dnotícias...)

Timor: algo vai avançando…devagar

Hoje, 17 de Março de 2012, há eleições em Timor.
Junto um apontamento do Padre Aires Gameiro da recente visita ao país e uma foto do autor. Crianças a caminho da escola.
Em 4 anos algo mudou em Timor. É certo em que 15 dias não dá para observar tudo, mas como foram percorridos os mesmos caminhos e mais outros tantos novos sempre foi possível fazer algumas observações objectivas. Menos cenas de destruição, não se observam já campos de deslocados, mais casas de alvenaria feitas ou em construção em Dili, e menos noutras cidades. Há mais barcos na baía.
Em Hera uma grande central eléctrica construída por empresa chinesa, já a funciona; pelos cerca de 800kms de estradas e caminhos percorridos observa-se a instalação de linhas novas de alta, média e baixa tensão; melhoram as ligações telefónicas; encontram-se agora aqui e além escavadoras, pás mecânicas, camiões pesados para transporte de terras a abrir novos caminhos ou a remover terras de barreiras caídas.
Há restauração, limpeza e pintura de edifícios: a Catedral, a escadaria de Cristo-Rei, a Igreja de Motael… e Igrejas novas como a de S. Sebastião de Bidau, Becóra… É mais fácil comunicar em português com mais gente, como aconteceu ao autor, apesar de muitas deficiências no ensino por falta de professores fluentes em lusofonia e por falta de livros em português. Em Dili as modestas livrarias visitadas não os têm.
Impressiona também ver por todo o Timor grupos de crianças com uniformes a percorrer impensáveis distâncias para chegarem a escolas agrupadas mas longe das suas casas. Muitas delas não levam mais que um pequeno caderno para escrever. A escola já será para todas as crianças? Possivelmente não.
Há também situações e deficiências semelhantes às de quatro anos antes. As péssimas condições das estradas e caminhos, por onde circulam as “angunas” mais ou menos abertas ou com toldo com passageiros em cacho humano, os autocarros e muitos outros transportes como jipes de caixa aberta, camiões com gente, motocicletas com duas e três pessoas… Todos vão fazendo piruetas para fugir de um buraco ou lodaçal para se meter noutro e fazer 80kms em 5 horas! Continuam as dificuldades de acesso à internet fora de Dili, a intermitência de água e luz, são frequentes; a falta de pontes em ribeiras de algumas estradas de longo curso obrigam a desistir ou a maiores distâncias.
Continuam os “biscatos” de sobrevivência de recolha e venda de molhos de lenha à beira da estrada, de montículos de pedra, de areia nas ribeiras, de cachos de bananas e bancadas de venda directa de produtos de cultivo próprio a preços tão baixos que chocam o europeu. Em zonas à beira mar e à beira do lagoa Ira Lalaro o recurso à pesca artesanal permite levar peixe para casa ou vendê-lo pelos caminhos adjacentes em enfiadas de dúzias penduradas no pau à frente e atrás.
Quase um folclore cultural é as cenas de manadas de búfalos a “lavrar” os terrenos inundados para a plantação de arroz, andando de cá para lá ao toque da vara do pastor. Pelos caminhos e ruas de cidades continuam à solta os cães, galinhas, porcos, cabras que se atravessam continuamente à frente dos carros; e mais para as encostas por toda a parte pastam búfalos e cavalos de raça timorense. As pessoas percorrem como se fosse uma distracção longas distâncias de três e mais horas para irem vender ou comprar algum artigo aos mercados, muitas vezes o “vinho” ou aguardente artesanal. Os sukos ou aldeias com frequência tem apenas um quiosque onde vendem utilidades, quase sempre de fabrico chinês ou indonésio. Um bicho ameaça Timor: a corrupção de que se fala bastante.
Timor, Fevereiro 2012
Aires Gameiro

sexta-feira, 16 de março de 2012

Citação do dia

«Talvez todos os dragões desta vida sejam princesas à espera de ver-nos, belos e bravos. Talvez o horror seja apenas, no mais fundo do seu ser, algo que precisa do nosso amor».
Rainer Maria Rilke
(imagem Google)

A mentira

Estranho escrever sobre este tema. Assim me deixei levar pelas teclas do computador e permiti que os pensamentos fossem palpitando sobre este tema estranho. Porém, confesso que me sinto perplexo pelas muitas coisas que me vieram ao pensamento sobre este assunto.
Mentir e mentira, o que serão? Porque se criou esta palavra e porque teve ela de entrar no léxico? - Mentir é normal. E segundo o dicionário mentir é «afirmar como verdade o que se sabe ser falso; enganar»; sobre a mentira, rezam as crónicas, que é uma «afirmação contrária à verdade; embuste». Todos metem e até a realidade muitas vezes engana-nos com as mais descaradas mentiras. Será que Heraclito defeniu com o seu «tudo é devir» a lei que nos permite a justificação para que nada seja seguro nesta vida? - No entanto, que nos livre Deus que alguns valores não permaneçam até ao infinito, até ao descanso da eternidade...
A mentira está ao mesmo nível da necessidade de comer. Muitos acharão que exagero e que não tenho a noção de que toda a vida está marcada irremediavelmente pela limpidez e pela transparência. Uma verdade crua e cruel que temos de admitir é que toda a gente não foge, não pode fugir mesmo – é uma sina que a natureza marcou – a essa condição da mentira. Então seremos todos uns mentecaptos? – Não, somos todos fruto de um ambiente e se não nos fazemos a ele é muito difícil sobreviver. É preciso muito desprendimento e muita ousadia para não se deixar alienar pelas investidas da mentira. Basta olhar à volta e ver a sociedade que somos, amarrada a um sistema de dependências constantes que obrigam a fugir da verdade e deixar entrar a lógica da mentira como tábua de salvação. Muito estranho que assim seja, mas nada mais cruel que esta dura verdade.
José Luís Rodrigues
(Imagem Google)

quinta-feira, 15 de março de 2012

Citação do dia

«O homem é uma realidade religiosa. O problema é que essa referência possa aparecer como objecto, como se Deus fosse manipulador ou manipulável. Uma espécie de ser mágico de que todas as coisas dependem. Outra coisa é ser algo de que o homem se serve para dominar. A maioria das religiões são máscaras dessa vontade de poder, de dominar os outros, de os subordinar, de os humilhar. Aquilo que é o seu impulso mais puro, libertador, transforma-se no seu contrário. O que o cristianismo trouxe foi que Deus não é poder. É o não-poder. Mas não foi assim que a coisa foi traduzida».
Eduardo Lourenço, Expresso, 23.12.2011

Jesus o grande amor pela humanidade

Comentário à Missa do Próximo domingo

18 de Março de 2012

Domingo IV Quaresma

O amor de Jesus consagrou-nos para a vida ressuscitada e gloriosa. Nisso está a descoberta do sentido da vida, não só para o "já" da existência, mas também para o "ainda não". Para o presente e para o futuro.
As nossas teimosias, o egoísmo, a soberba e a constante tendência para os rancores muitas vezes por coisas de nada do quotidiano, podem ser trevas terríveis, que cada um deve saber identificar para melhor ultrapassar e não molestar o sentido da vida nem pôr em causa a relação fraterna com os outros. Tem razão Shakespeare quando diz: «o rancor é como tomar veneno e esperar que o outro morra». Este caminho pode ser causa de infelicidade e de morte para tanta gente à nossa volta.
A descoberta do "grande amor de Deus por nós", deve levar cada um a acabar com a prática das "más acções". Porque Jesus pretende aplicar uma verdadeira ruptura com todo o sistema que oprime e mantém o mundo coberto de trevas, isto é, envolvido na injustiça, na fome, nas doenças e todo o género de calamidades que ferem a dignidade humana.
Os fariseus actuais, ditos muito crentes em Deus, mas envolvidos em instituições carregadas de poder, alienam e marginalizam, porque se fecham à verdadeira acção de Deus, manifestada pela mão misericordiosa de Jesus. Não sabem o que é o amor incondicional. Porque não sabem, continuam a condenar e a não saber fazer a verdadeira destrinça do bem e do mal. Tornam-se, por isso, contrários ao Reino do amor e continuam teimosamente no sem sentido da vida de modo que a própria acção de Jesus e o testemunho de todos os seus discípulos (os que viveram e vivem o «modo» de Jesus de forma totalmente desinteressada) não conseguirão demovê-los dos seus doentios preceitos e regras desumanas.
Muitos são os caminhos contra a vida que Jesus destemidamente enfrenta. A sua acção desmascara totalmente todos os que se acham mais do que os outros e mostra que o acesso à vida plena passa pela radical entrega humilde e sincera à causa do amor manifestada pela Sua Acção e aqui, de modo especial, pelo grande Apóstolo São Paulo. As trevas deste mundo e a alienação nunca podem levar a melhor diante do mais elevado testemunho sobre Aquele que diz ser: o caminho, a verdade e a vida. Por isso, deixemos o nosso coração ser digno para dizer: "a luz veio ao mundo e foi muito o nosso amor por ela".
José Luís Rodrigues

quarta-feira, 14 de março de 2012

O que, em breve, verei pela primeira vez

«Estou ainda _ na terra árida do mundo _ intuindo _
Claramente _ o ditoso encontro que me espera _
Gostaria de deixar _ sem mais _ as cinzas desta terra _
E contemplar _ face a face _ os Jardins de Maravilha _
Por vezes _ ao sonhar com a alegria que terei _ só
De vê-los _ o exílio, de súbito, _ se desvanece _
A verdade é que em breve _ à Pátria voltarei
Pela primeira vez _ voltarei à Pátria que deixei.
..........
Jesus _ meu amigo _ dá-me asas _brancas asas _
Quero lançar-me _ nos teus braços _ num voo alado _
Quero voar _ até às perguntas da eternidade _
Onde, finalmente _ te verei _ ó meu tesouro mudo _
Quero abandonar-me _ nos braços de Maria _
Descansar _ nesse regaço de eleição _
E _ pela primeira vez _ sentir-me beijada
Como filha _ por uma Mãe tão desejada.
..........
Não te demores _ meu Amor amado _ dá-me
A ver _ depressa, os primeiros traços do teu rosto _
E deixa-me _ no meu delírio apaixonado _ esconder-me
No coração com que _ desde sempre _ me tens amado _
Não quero pensar _ não consigo imaginar _ o instante
Em que _ pela primeira vez _ ouvirei o som da tua voz _
E _ logo _ reconhecendo-a _ o teu rosto de adoração.
Não quero imaginar sequer _ o fulgor do teu olhar.
..........
Como se não soubesses que _ o meu único martírio _
É o teu amor Jesus _ o do Coração sagrado _
Não quero ir para o céu _ por nada _ mas p’ra te amar _
Amar-te _ amar-te num crescendo inabalável _
Aspiro a esse Jardim _ como respiro _ inebriada
De ternura e de desejo _ amar-te desmedidamente
Fora de qualquer lei _ Não haverá vez segunda _
Sentirei que te amo _ sempre num começo.
..........
Santa Teresa de Lisieux
Trad: Maria Gabriela Llansol

terça-feira, 13 de março de 2012

O Orçamento da Região que já foi autónoma da Madeira

Em tudo tem que haver culpados. Ei-los, o acordo entre o Governo Regional e do Governo da República Portuguesa, a Troika também tem a sua quota-parte de culpa, para que o Orçamento do Governo Regional 2012 seja tão duro para todos nós.
Mas, será que são mesmo estas entidades as verdadeiras responsáveis por um Orçamento Regional tão duro para o povo da Madeira? Não serão antes todas as estratégias delineadas a favor de alguns e contra a generalidade do nosso povo? Não terão sido todas as obras desnecessárias? Os avales concedidos aos fidelíssimos? Os subsídios a rodos para tudo o que mexesse nesta terra? Os eleitores que só souberam ver num sentido único? As festanças a pretexto de tudo e de nada? Os passeios e comezainas de borla para os idosos e não só? - Ora um circo interminável que implicava gastos intermináveis de dinheiro que não tínhamos…
Agora chegou a conta. Um Orçamento que nalguns aspectos continua com algum o festim, milhões para o Jornal da Madeira a pretexto do «pluralismo informativo» (expressão feia para se utilizar numa terra que não tolera o contraditório nem muito menos o diferente) e para se pavonearem os chefes das instituições regionais, começando pelos das intuições públicas e acabando na Diocese do Funchal. Esta gente, que nos custa os olhos da cara.
Não vamos esquecer a vergonha dos milhões concedidos aos partidos representados na Assembleia Regional da Madeira (o famoso Jackpot). Uma situação que indigna toda gente e a par dos milhões para o JM, podemos dizê-lo claramente, estamos perante a maior ofensa aos pobres da nossa terra.
Entretanto, agravam-se os impostos que sobrecarregarão as famílias em aflição com a conta do supermercado, a conta da luz, da água e as prestações bancárias... As escolas estão na penúria, falta-lhes tudo, só a generosidade dos professores e dos pais dos alunos é que vai minorando esta desgraça. Já cansa ouvir-se falar da falta de comida nas escolas, alunos a chegarem à escola com fome entre outras misérias que por aí vão tomando conta do que é verdadeiramente importante para o nosso futuro colectivo.
O nosso hospital não tem medicamentos e os bens essenciais para funcionar com os cuidados fundamentais para os doentes e todo o pessoal que ali trabalha. Porém, espaço e tempo não falta para realizar-se abortos a torto e direito. Os tempos são de dificuldades, todo o mundo diz, para quê salvar crianças ou colocá-las no mundo para sofrerem? Para onde vamos com esta mentalidade necrófila e com este descalabro sobre a banalidade da vida? Onde andam as políticas para a família e o dinheiro para salvar crianças? Onde estão as políticas da natalidade para que a desgraça do aborto indiscriminado tenha um fim?
Face a este panorama vislumbram-se tempos sombrios, cheios de dificuldades para todos nós. A pobreza agrava-se cada dia. O desemprego uma fatalidade para tantos. A solidão dos idosos uma tragédia. A fome será uma realidade quotidiana (basta passar um dia à noite a trás do Mercado dos Lavradores para aferimos da quantidade de gente que por ali recolhe a tão esperada refeição e penso que não se achegam mais por vergonha ou desconhecimento).
Assim, esperávamos por um Orçamento preocupado com a justiça social, com o bem comum e apostado em promover a dignidade das pessoas. Até lá, aguardemos que a discussão na Assembleia seja frutífera e todos os quadrantes partidários apresentem propostas que vão ao encontro do bem-estar para todos. Se se centrarem nos interesses partidários e na lógica guerreira típica dos partidos políticos, então estaremos perante mais uma oportunidade perdida e veremos afinal que os sacrifícios penalizam sempre os mesmos e uma minoria tudo faz para se safar passando entre os pingos da chuva.
José Luís Rodrigues
(Imagem google)

segunda-feira, 12 de março de 2012

Sombras de um dia

«Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão» - Confúcio
Sabe amargo um vazio que diz tudo da morte
Uma solidão feita dor na tristeza da perdição
Em cada dia que ontem pensava ser céu.
Visto aqui e agora proclamam da dor sombria
Que bate na janela da falta de esperança.
Mas o que vislumbro neste tempo seco
Que fez insalubre a terra interior da paz
Pois faz do sorriso um meio insonso
E falso nas sombras que reflectem as palavras
Que nenhuma letra diz senão da inverdade
Do escuro que uma noite pode converter
Na mais dura certeza do desencanto.
Mas, na sombra de um dia Deus levantou um espírito solene
Que inspira a coragem para passar forte
Diante das sombras que os homens querem.
Como vertem nos poros da alma
Uma tenebrosa dor
Mas teimosamente não me ficarei
Senão na luz que revela o descampado
E aí se produz o gosto do brilho
Não da sombra
Sim… - Dos raios do sol da vida.
No final digo convicto
Não são as sombras que fazem a luz
Mas de toda a luz emergem as sombras de um dia.
......
José Luís Rodrigues
......
Imagem Google

domingo, 11 de março de 2012

O verdadeiro jejum

Deixemo-nos de fantasias patéticas de um pseudo-jejum tipo aspirina espiritual - (destaque do Dnoticias)
....
Agora que estamos no ritmo anual da vida das comunidades cristãs no Tempo da Quaresma, ocasião de penitência, oração e silêncio de quarenta dias que antecedem a celebração da Páscoa vem sempre ao debate o tema do jejum. Sobre este assunto pairam alguns medos e uma fixação rubricista anacrónica.
Vejamos então. A Igreja hoje prevê apenas dois dias no ano o jejum, a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira Santa. Nada de especial. Cada fiel procura da melhor forma viver essa prescrição. O mais importante é saber-se qual o verdadeiro jejum que agrada a Deus e ao saudável convívio entre as pessoas. Penso que nos falta fazer esta pregação e a conversão consequente devia chegar aos crentes.
O verdadeiro jejum proclama-o o profeta Isaías quando diz o seguinte: «Acaso não é este o jejum que escolhi? que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo? E que deixes ir livres os oprimidos, e despedaces todo jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desamparados? Que vendo o nu, o cubras?» (Is 58,6-7).
No capítulo quarto do Evangelho de S. Mateus Jesus desmascara as tentações satânicas de uma religião utilizada para proveito pessoal, uma religião onde se procura honras e poder entre os homens, sobretudo, entre os poderosos deste mundo. Por isso, guardo com muito carinho uma frase de Santo Afonso de Ligório: «É uma grande injustiça impor às consciências normas e leis se não pudermos provar claramente que elas são queridas por Deus». Muita da intriga palaciana que se passa dentro da Igreja Católica que, escandalosamente, a comunicação social de todo o mundo nos vai dando conta, reclama um forte jejum para que todos os gananciosos de poder e de mordomias se convertam à missão-serviço em nome de Jesus de Nazaré. Este sim para a Igreja que se reclama herdeira do Evangelho de Jesus, o modelo autêntico do poder-serviço dos sem lugar e vez neste mundo dos poderosos.
Não podemos aceitar que se anuncie o desprendimento, a caridade e a radicalidade da entrega à causa do Evangelho, mas depois assumem-se sem pudor as púrpuras envernizadas, o luxo principesco e a avidez pelos bens materiais como principal razão de ser do «serviço» da causa que se abraçou.
O Papa João XXIII dizia inspirando-se no Evangelho: «Eu saltei da barca e caminho sobre as ondas ao encontro de Cristo que me chama. A Igreja deve renunciar às suas certezas. Deve abandonar a segurança da barca e caminhar sobre as ondas. Chegará a noite, a tempestade, o medo. Mas não há que retroceder. A Igreja é chamada a ir ao encontro do mundo».
Vivemos séculos de doutrina doce e continuamos a mascar a pastilha elástica insonsa de uma mensagem no sentido de um moralismo mole que não pode eliminar a força da mensagem daquele que veio «lançar fogo à terra» (Lc 12, 49). «Julgam que vim trazer a paz ao mundo?! De modo nenhum: o que eu vim trazer foi a divisão» (Lc 12, 51). Porque, creio no Jesus libertador de todas as amarras, da injustiça, um Jesus que diz não à pobreza, à guerra, ao assalto à natureza em nome da cobiça, ao racismo, à violência brutal contra as mulheres, crianças e velhos à qual nenhuma sociedade escapa, na qual nenhuma tem as mãos limpas. Creio no Jesus da esperança dos sem esperança. O Jesus do abraço sem fronteiras.
Deixemo-nos de fantasias patéticas de um pseudo-jejum tipo aspirina espiritual que não transforma nada e vamos proclamar um Jesus que desprende de um ser cristão anestesiado com rubricas à margem da vontade de Deus.
José Luís Rodrigues, texto de opinião publicado no Dnoticias de 11 de Março de 2012 na Secção Sinais dos Tempos.

sábado, 10 de março de 2012

Vai-se o 1 de novembro, fica o 15 de agosto?

Afinal, parece que o Vaticano não quer que se acabe com o feriado de 15 de agosto (Assunção de Nossa Senhora). Prefere pôr fim ao 1 de novembro (Todos os Santos), disse ontem a notícia no "Público" e na Ecclesia.
Já em muitas circunstâncias tenho exprimido uma opinião coincidente com o Vaticano. Neste sentido acho muito bem que se acabe com o feriado do Corpo de Deus e com o 1 de Novembro. Podem perfeitamente serem celebrados no domingo seguinte.
Quando ao feriado de 15 de Agosto, acho que não deve acabar e tenho expressado alguns motivos que me parecem importantes. O mês de Agosto é tempo de férias, os imigrantes visitam as suas terras e muitos até o fazem a pretexto das festas em honra de Nossa Senhora (entre nós a Senhora do monte e as várias invocações a Nossa Senhora não devem ser esquecidas).
O critério para o fim dos feriados religiosos, deve ser este a meu ver e que não teve qualquer atenção da hierarquia da Igreja Católica portuguesa que lançou para o ar datas arbitrariamente (o Cardeal Patriarca de Lisboa foi um deles). As datas que são significativas especialmente para as populações concretas e onde se realizam festas bastante concorridas, exactamente, como é feriado de 15 de Agosto, nunca devem ser postas em causa. Porém, outras datas, mais de carácter universal, como é o caso do 1 de Novembro (Todos os Santos) e o dia do Corpo de Deus, que não implicam uma simbologia específica para comunidades concretas, podem, perfeitamente acabar e as suas respectivas invocações serem celebradas no domingo seguinte.
Se não estiveram em cima da mesa estes critérios para que o Vaticano viesse apresentar a sua opção neste sentido, pouco importa... Mas, sejam quais forem os critérios seguidos pelo Vaticano, considero que a sua opção faz prevalecer maior equilíbrio em relação à posição inicial apresentada por alguma igreja portuguesa.
José Luís Rodrigues
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sexta-feira, 9 de março de 2012

O Sermão da Montanha (versão para Professores)

Naquele tempo, Jesus subiu a um monte seguido pela multidão e, sentado sobre uma grandepedra, deixou que os seus discípulos e seguidores se aproximassem. Ele preparava-os para serem os educadores capazes de transmitir a Boa Nova a todosos homens. Tomando a palavra, disse-lhes:
- Em verdade, em verdade vos digo:
- Felizes os pobres, porque deles é o reino dos céus.
-Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
- Felizes os misericordiosos, porque eles...?
Pedro interrompeu-o: - Mestre, vamos ter que saber isso de cor?
André perguntou: - É pra copiar?
Filipe lamentou-se: - Esqueci o meu papiro!
Bartolomeu quis saber: - Vai sair no teste?
João levantou a mão: - Posso ir à casa de banho?
Judas Iscariotes resmungou: - O que é que a gente vai ganhar com isso?
Judas Tadeu defendeu-se: - Foi o outro Judas que perguntou!
Tomé questionou: - Tem uma fórmula pra provar que isso tá certo?
Tiago Maior indagou: - Vai contar pra nota?
Tiago Menor reclamou: - Não ouvi nada, com esse grandalhão à minha frente!
Simão Zelote gritou, nervoso: - Mas porque é que não dá logo a resposta e pronto!?
Mateus queixou-se: - Eu não percebi nada, ninguém percebeu nada!
Um dos fariseus, que nunca tinha estado diante de uma multidão nem ensinado nada a ninguém, tomou a palavra e dirigiu-se a Jesus, dizendo: - Isso que o senhor está fazendo é uma aula? - Onde está a sua planificação e a avaliação diagnóstica? - Quais são os objetivos gerais e específicos? - Quais são as suas estratégias para recuperação dos conhecimentos prévios?
Caifás emendou: - Fez uma planificação que inclua os temas transversais e as actividades integradoras com outras disciplinas?- E os espaços para incluir os parâmetros curriculares gerais? - Elaborou os conteúdos conceituais, processuais e atitudinais?
Pilatos, sentado lá no fundo, disse a Jesus: - Quero ver as avaliações da primeira, segunda e terceira etapas e reservo-me o direito de, no final, aumentar as notas dos seus discípulos para que se cumpram as promessas do Imperador de um ensino de qualidade. - Nem pensar em números e estatísticas que coloquem em dúvida a eficácia do nosso projeto. - E veja lá se não vai reprovar alguém!
E foi nesse momento que Jesus disse: "Pai, por que me abandonastes..."
Nota: humor interessante e revelador... Porque daria imensa vontade de rir se não tivesse nada que ver com o tipo de educação que anda por aí nas nossas escolas. Deliciem-se... Recebi por mail.
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quinta-feira, 8 de março de 2012

O que é a loucura de Deus?

Comentário à Missa do Próximo Domingo
Domingo III da Quaresma
11 de Março de 2012
Quem é Jesus? - São Paulo responde assim: "pregamos Cristo crucificado, escândalo para os Judeus e loucura para os Gentios, mas, para aqueles que são chamados, tanto Judeus como Gregos, força de Deus e sabedoria de Deus" (1Cor. 1, 23-24). Extraordinária esta formulação do Apóstolo dos Gentios. Jesus como "escândalo" e como "loucura". Como encarar estes atributos aplicados a Jesus, quando todos nós a maior parte das vezes acreditamos e pregamos um Jesus longe da vida, muito das orações intimistas e do comodismo da consciência?
A história da Igreja está muito marcada por uma catequese acerca de Jesus, totalmente desencarnado, apenas divino, sem história e sem este mundo, onde nós habitamos.
A catequese forjou um Jesus pacato, muitas vezes somente tristonho e afeminado como se pode constatar nalgumas pagelas. São Paulo destrona essa realidade e mostra que Jesus, é o Cristo do alto da Cruz, que acolheu esse destino para ser escândalo e loucura. Não esteve com ponderáveis tolos, quanto às suas opções. O Evangelho deste domingo, mostra que, afinal, este Jesus, está bem dentro da história do mundo e da vida. A purificação do Templo de Jerusalém é prova de que estamos diante de um Cristo activo e bem empenhado na construção do mundo e da História. Jesus não é apenas o reformador do Templo mas Aquele que o substitui. Jesus é o Templo novo. A nova religião que convida à libertação e à eternidade, é a religião Cristã. Desta feita não temos um Jesus inactivo, pacato ou submisso, mas um Jesus que intervém na História, para a transformar em realidade libertadora para todos.
Para nós seria mais fácil um Jesus apenas remetido à sua divindade, lá das alturas, que legitimasse os poderes deste mundo e que autorizasse alguma igreja ser patética com as excomunhões anacrónicas e com as condenações de alguns dos seus membros, porque ousaram pensar de modo diferente do institucional.
Somos levados a procurar diariamente a verdade sobre a nossa vida espiritual. Porque também diariamente somos confrontados com as raivas absurdas que nos descontrolam o pensamento e as palavras. As teimosias nas nossas ideias fixas e manias pessoais, são frequentemente uma propensão que nos ataca e que requerem uma dose elevada de limpeza ou de arrependimento. Diante das brigas inúteis entre vizinhos, colegas e companheiros de trabalho, o arrependimento deve estar sempre presente para que a reconciliação da amizade seja também uma constante na vida de cada pessoa e, sobretudo, se são pessoas que acreditam na pessoa de Jesus. Nisto, Jesus Cristo em nós será "escândalo e loucura" para muitos. Porque a lógica de Jesus nada tem a ver com a lógica guerreira e concorrencial que este nosso mundo apresenta. Por isso, deixemos que o verdadeiro sinal da libertação se faça realidade no nosso coração, para que a vida toda se torne o verdadeiro «sacrário» onde o amor de Deus habita eternamente.
José Luís Rodrigues
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