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sexta-feira, 4 de maio de 2012

Carta a Deus

Deus,
Bem avisaste que eras um Deus invejoso e vingativo. Também sei que Job era um caso-limite: uma ameaça do que eras capaz. Nem eu nem a Maria João temos um milésimo da obediência e da resignação de Job. E castigaste-nos menos. Mas foi de mais.
De certeza absoluta que nos amamos mais um ao outro do que te amamos a Ti. Sabemos que isto não está certo. Mas foste Tu que nos fizeste assim. Admite: deste-nos liberdade de mais. Foste presunçoso: pensaste que Te escolheríamos sempre primeiro. Enganaste-Te. Quando inventaste o amor, esqueceste-Te de que seria mais popular entre os seres humanos do que entre os seres humanos e Tu. Por uma questão de tangibilidade. E, desculpa lá, de feitio. Tu, Deus, tens o pior das arrogâncias feminina e masculina. Achas que só existes Tu. Como Deus, até é capaz de ser verdade. Mas, para quereres ser um Deus real e humanamente amado, tens de aprender a ser um amor secundário. Sabemos que és Tu que mandas e acreditamos que há uma razão para tudo o que fazes, mesmo quando toda a gente se lixa, porque não nos deste cabeça para Te compreender. Esta deficiência foi uma decisão tua: não quiseste dar-nos a inteligência necessária.
Mas deste-nos cabeça suficiente para Te dizer, cara a cara, que nos preocupamos mais com os entes amados do que contigo.
Ajuda a Maria João, se puderes. Se não puderes, não dificultes a vida a quem pode ajudar. Faz o que só um Deus pode fazer: reduz-te à tua significância. Que é tão grande.
Miguel Esteves Cardoso, in Público 3 de Maio de 2012

Nota do autor do blogue: Uma carta interessante e triste. Interessante pelo que revela de construção pessoal sobre Deus ao abrigo de uma intelectualidade lavrada com total ausência de Deus (ainda ontem alguém me dizia, os médicos, homens de ciência não podem acreditar em Deus. Obviamente, que recusei tal ideia, tenho experiências totalmente ao contrário). Também é triste esta carta porque resulta de uma situação difícil na vida pessoal do Miguel Esteves Cardoso. A Maria João, sua esposa, foi operada. Contudo, considero esta carta uma bela oração aflita, que seguramente Deus atenderá. Mais palavras para quê.

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