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quinta-feira, 19 de julho de 2012

Um acordar nas cinzas


Quantos anos estaremos à espera para recompor todo o estrago de mais esta tragédia? – Imensos anos. Alguns apontam trinta anos em cada parcela de floresta que é votada às cinzas… Como se deduz alguns de nós já não verão o esplendor do verde que antes das chamas tivemos a alegria de contemplar naquele maravilhoso espaço que era toda a zona do Palheiro Ferreiro, Ribeira Brava, Calheta e outros sítios da nossa terra, porque pelo que oiço isto está tudo a arder.
Acordamos com a alma no meio das cinzas. Incrédulos perante a barbárie infligida à natureza. Incrédulos perante a violência das chamas que não se compadecem só em consumir mata, mas também as casas, secam as lágrimas, aumentam a tristeza, ardem todos os bens que se desvelam no seu caminho. Tudo uma tragédia que se amontoa em cinzas, um negro horrível que expressa o nosso luto, a nossa tristeza, a nossa impotência, a nossa perdição, a nossa fragilidade, o nosso espanto…
Nesta hora, choro, sem chorar o que perdi, o que todos nós perdemos de presente e de futuro. Não creio em nenhum fogo que não seja resultado de incúria, de irresponsabilidade e de insensibilidade perante o bem comum. Uma falta de vergonha que nos envergonha. Porque destrói-se a nossa própria casa e a casa dos outros como se de lixo se tratasse. Onde paira a responsabilidade que nos foi cedida pelos nossos antepassados? Onde paira a responsabilidade pelo futuro? Que deixaremos para os madeirenses vindouros? Um penhasco chamado Madeira sem paisagem verde como era antes? Uma tenebrosa visão escarpada, árida, sem vida nenhuma?... Ai, tantas questões que nos assalta nesta manhã tão descontente que me foi dado viver.
Lá no fundo das cinzas faço a minha oração de amizade e solidariedade a todos os desalojados, os que nesta noite se recostaram sobre a enxerga do medo, os que viram reduzido a cinzas em segundos o trabalho, o suor e lágrimas de uma vida, os que ficaram feridos, os que se entristeceram porque sabem o que custa a vida quando construímos, os que se entristeceram porque amam a casa comum que é a nossa amada Madeira, os que se inquietam com as questões ecológicas, os que sabem que isto nos trará consequências horríveis, os que diante da calamidade choram e com ela ficaram desamparados, sem nada.
Por fim, uma palavra aos soldados da paz, os bombeiros, que devem ter passado uma noite terrível, sob o calor voraz que consumia sem licença tudo ante os seus olhos fatigados e tristes porque não conseguiam dominar o seu/nosso pior inimigo. Quando alguns os desvalorizam, os olham de soslaio, os dispensam, nós somos estes, bombeiros, porque sabemos da sua utilidade, sabemos da sua importância, do seu valor nestes momentos de tragédia. Bem hajam!
Nesta hora, não será hora de apontar dedos a ninguém, caçar as bruxas, mas qualquer momento deve ser ocasião de chamar à responsabilidade quem não a assume quotidianamente e que nos momentos da desgraça aparece para lamentar, dizer o indizível e simplesmente estar, aparecer… Volto também à carga, para dizer que não creio em nenhum incêndio que não seja posto, que não resulte de vinganças absurdas, que não seja consequência de irresponsabilidade e incúria descarada… Por isso, acção, autoridades competentes para o efeito, investigação total para que sejam chamados à responsabilidade quem a tinha e não a assumiu como lhe competia.
Nós, sociedade o exigimos, porque mais uma vez irresponsavelmente destruímos o melhor de nós e comprometemos seriamente o futuro da nossa terra. E não venham dizer que o principal culpado é Deus, a natureza, o fogo… Não, por favor, contenção! E contudo, que a fénix renasça mais uma vez das cinzas para glória do futuro. 
José Luís Rodrigues     

1 comentário:

José Leite disse...

O grande «incêndio» foi a dantesca dívida que grassou infrene, sem controlo, hipotecando o futuro das gerações futuras, perante o olhar conivente e tolerante das entidades de supervisão a todos os níveis!
Honra seja feita a alguns «bravos do pelotão» que ousaram por o dedo nessa ferida cancerígena...