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Convite a quem nos visita

quarta-feira, 31 de julho de 2013

A comunicação da verdade é o que nos salva

A pergunta de Pilatos a Jesus é sintomática e a reacção de Jesus (ou a não reacção) é reveladora de como estamos perante uma dimensão inefável da comunicação. Pergunta o Político Pilatos: “O que é a verdade?” (Jo 18, 38).  A resposta de Jesus é profundamente esclarecedora. Isto é, Jesus remete-se ao mais profundo silêncio e deixa perceber que a verdade não tem outra definição senão o mais desconcertante silêncio. No entanto, não devemos esquecer que o mesmo Jesus já tinha ensinado que a verdade autêntica era a sua pessoa mesmo.
A verdade é fácil de contemplar, mas difícil de realizar. Os caminhos tortuosos que a vida nos oferece nem sempre permitem a realização da verdade como o valor mais procurado, defendido e vivido. As circunstâncias do quotidiano obrigam ao mais profundo desgaste da verdade e conduzem, por vezes, ao esquecimento daquilo que é autêntico para a identidade das pessoas e das coisas. Muito facilmente a vida empurra para a não verdade das situações e das atitudes.
Toda a vida de Jesus é um exemplo de como é viver na verdade e fazer a verdade: a palavra; os milagres; o perdão; a compaixão; a obediência; a oração; a sabedoria; a inteligência... Tudo o que é dito e feito em Jesus Cristo está empenhado no serviço da vida e no rumo certo da caminhada para a luz.
O nosso tempo apresenta aspectos difíceis de enquadrar na dimensão da verdade e a comunicação mais parece funcionar como mediação de negócio e de interesses pessoais ou colectivos. Mas, não pode esta constatação ser o último padrão da vida. Não se pode permitir que a visão redutora e medíocre das coisas da vida tenham a última palavra. Bem sabemos que os homens do nosso tempo, não parecem voltados para a procura de soluções através da comunicação verdadeira, porém, não podemos ver-nos vergados aos mecanismos da superficialidade, da desordem e da não relação. 

terça-feira, 30 de julho de 2013

O discípulo é enviado para as periferias existenciais

Última parte do discurso do Papa Francisco no encontro com o Comité de Coordenação do Celam no Centro de Estudos do Sumaré…

Nota: Clareza e fundamentação q. b. no «ver, julgar e agir». Obviamente que as referências circunstanciais são aplicadas à América Latina, mas depois de lermos serve como uma luva para a Igreja na Europa, no mundo, na Diocese, na Paróquia, no grupo ou movimento qualquer… Que estes desafios nos toquem a todos!
Algumas orientações eclesiológicas
1. O discipulado-missionário que Aparecida propôs às Igrejas da América Latina e do Caribe é o caminho que Deus quer para “hoje”. Toda a projeção utópica (para o futuro) ou restauracionista (para o passado) não é do espírito bom. Deus é real e se manifesta no “hoje”. A sua presença, no passado, se nos oferece como “memória” da saga de salvação realizada quer em seu povo quer em cada um de nós; no futuro, se nos oferece como “promessa” e esperança. No passado, Deus esteve lá e deixou sua marca: a memória nos ajuda encontrá-lo; no futuro, é apenas promessa... e não está nos mil e um “futuríveis”. O “hoje” é o que mais se parece com a eternidade; mais ainda: o “hoje” é uma centelha de eternidade. No “hoje”, se joga a vida eterna.
O discipulado missionário é vocação: chamada e convite. Acontece em um “hoje”, mas “em tensão”. Não existe o discipulado missionário estático. O discípulo missionário não pode possuir-se a si mesmo; a sua imanência está em tensão para a transcendência do discipulado e para a transcendência da missão. Não admite a autorreferencialidade: ou refere-se a Jesus Cristo ou refere-se às pessoas a quem deve levar o anúncio dele. Sujeito que se transcende. Sujeito projetado para o encontro: o encontro com o Mestre (que nos unge discípulos) e o encontro com os homens que esperam o anúncio.
Por isso, gosto de dizer que a posição do discípulo missionário não é uma posição de centro, mas de periferias: vive em tensão para as periferias... incluindo as da eternidade no encontro com Jesus Cristo. No anúncio evangélico, falar de “periferias existenciais” descentraliza e, habitualmente, temos medo de sair do centro. O discípulo-missionário é um descentrado: o centro é Jesus Cristo, que convoca e envia. O discípulo é enviado para as periferias existenciais.
2. A Igreja é instituição, mas, quando se erige em “centro”, se funcionaliza e, pouco a pouco, se transforma em uma ONG. Então, a Igreja pretende ter luz própria e deixa de ser aquele “mysterium lunae” de que nos falavam os Santos Padres.
Torna-se cada vez mais autorreferencial, e se enfraquece a sua necessidade de ser missionária. De “Instituição” se transforma em “Obra”. Deixa de ser Esposa, para acabar sendo Administradora; de Servidora se transforma em “Controladora”. Aparecida quer uma Igreja Esposa, Mãe, Servidora, facilitadora da fé e não controladora da fé.
3. Em Aparecida, verificam-se de forma relevante duas categorias pastorais, que surgem da própria originalidade do Evangelho e nos podem também servir de orientação para avaliar o modo como vivemos eclesialmente o discipulado missionário: a proximidade e o encontro. Nenhuma das duas é nova, antes configuram a maneira como Deus se revelou na história. É o “Deus próximo” do seu povo, proximidade que chega ao máximo quando Ele encarna. É o Deus que sai ao encontro do seu povo. Na América Latina e no Caribe, existem pastorais “distantes”, pastorais disciplinares que privilegiam os princípios, as condutas, os procedimentos organizacionais... obviamente sem proximidade, sem ternura, nem carinho.
Ignora-se a "revolução da ternura", que provocou a encarnação do Verbo. Há pastorais posicionadas com tal dose de distância que são incapazes de conseguir o encontro: encontro com Jesus Cristo, encontro com os irmãos. Este tipo de pastoral pode, no máximo, prometer uma dimensão de proselitismo, mas nunca chegam a conseguir inserção nem pertença eclesial. A proximidade cria comunhão e pertença, dá lugar ao encontro. A proximidade toma forma de diálogo e cria uma cultura do encontro. Uma pedra de toque para aferir a proximidade e a capacidade de encontro de uma pastoral é a homilia. A pastoral é, em última instância, o exercício de maternidade da Igreja. Como são as nossas homilias? Estão próximas do exemplo de Nosso Senhor, que “falava como quem tem autoridade”, ou são meramente prescritivas, distantes, abstratas?
4. Quem guia a pastoral, a Missão Continental (seja programática seja paradigmática), é o bispo. Ele deve guiar, que não é o mesmo que comandar. Além de assinalar as grandes figuras do episcopado latino-americano que todos nós conhecemos, gostaria de acrescentar aqui algumas linhas sobre o perfil do Bispo, que já disse aos Núncios na reunião que tivemos em Roma. Os bispos devem ser pastores, próximos das pessoas, pais e irmãos, com grande mansidão: pacientes e misericordiosos. Homens que amem a pobreza, quer a pobreza interior como liberdade diante do Senhor, quer a pobreza exterior como simplicidade e austeridade de vida. Homens que não tenham “psicologia de príncipes”. Homens que não sejam ambiciosos e que sejam esposos de uma Igreja sem viver na expectativa de outra. É o fenômeno dos bispos polígamos. Estão casados com uma, mas esperando ver quando terão a promoção. Homens capazes de vigiar sobre o rebanho que lhes foi confiado e cuidando de tudo aquilo que o mantém unido: vigiar sobre o seu povo, atento a eventuais perigos que o ameacem, mas sobretudo para cuidar da esperança: que haja sol e luz nos corações. Homens capazes de sustentar com amor e paciência os passos de Deus em seu povo. E o lugar onde o bispo pode estar com o seu povo é triplo: ou à frente para indicar o caminho, ou no meio para mantê-lo unido e neutralizar as debandadas, ou então atrás para evitar que alguém se desgarre mas também, e fundamentalmente, porque o próprio rebanho tem o seu olfato para encontrar novos caminhos.
Não quero juntar mais detalhes sobre a pessoa do bispo, mas simplesmente acrescentar, incluindo-me a mim mesmo nesta afirmação, que estamos um pouco atrasados no que a Conversão Pastoral indica. Convém que nos ajudemos um pouco mais a dar os passos que o Senhor quer que cumpramos neste 'hoje' da América Latina e do Caribe. E seria bom começar por aqui.
Agradeço-lhes a paciência de me ouvirem. Desculpem a desordem do discurso e lhes peço, por favor, para tomarmos a sério a nossa vocação de servidores do povo santo e fiel de Deus, porque é nisso que se exerce e mostra a autoridade: na capacidade de serviço. Muito obrigado!"

segunda-feira, 29 de julho de 2013

E agora, senhores príncipes da Igreja Católica!

Excerto do discurso do Papa Francisco no encontro com o Comité de Coordenação do Celam no Centro de Estudos do Sumaré…

Clareza e fundamentação q. b. no «ver, julgar e agir». Obviamente que as referências circunstanciais são aplicadas à América Latina, mas depois de lermos serve como uma luva para a Igreja na Europa, no mundo, na Diocese, na Paróquia, no grupo ou movimento qualquer… A meu ver o mais importante discurso do Papa Francisco até agora. Marcadamente voltado para o interior da Igreja e com propostas de desafios à Igreja inteira para deixar a redoma e sair para a rua. Aqui na nossa Diocese, tínhamos um projecto de diálogo e de celebração da fé na capela do Corpo Santo, na Zona Velha da cidade do Funchal. Foi travado por quem prefere o poder quero, posso e mando… Mesmo à moda da «(ma)Madeira». Graças a Deus o Papa Francisco, veio dar a razão a quem a tinha. Foi pena que esta iniciativa tenha morrido à nascença por falta de esforço de compreensão. Bom, agora chega-nos uma belíssima reflexão de onde menos esperaríamos. Serve então, para ler, rezar e confrontarmo-nos a todos com esta leitura tão assertiva da realidade da Igreja, para que a mudança seja possível para o bem da fé na Pessoa de Jesus Cristo, que transforma o mundo e a vida para a felicidade, todo o bem e para justiça...
Diálogo com o mundo atual
Faz-nos bem lembrar estas palavras do Concílio Vaticano II: As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e atribulados, são também alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Cristo. Aqui reside o fundamento do diálogo com o mundo atual.
A resposta às questões existenciais do homem de hoje, especialmente das novas gerações, atendendo à sua linguagem, entranha uma mudança fecunda que devemos realizar com a ajuda do Evangelho, do Magistério e da Doutrina Social da Igreja. Os cenários e areópagos são os mais variados. Por exemplo, em uma mesma cidade, existem vários imaginários coletivos que configuram “diferentes cidades”. Se continuarmos apenas com os parâmetros da “cultura de sempre”, fundamentalmente uma cultura de base rural, o resultado acabará anulando a força do Espírito Santo. Deus está em toda a parte: há que saber descobri-lo para poder anunciá-lo no idioma dessa cultura; e cada realidade, cada idioma tem um ritmo diferente.


Algumas tentações contra o discipulado missionário
A opção pela missionariedade do discípulo sofrerá tentações. É importante saber por onde entra o espírito mau, para nos ajudar no discernimento. Não se trata de sair à caça de demônios, mas simplesmente de lucidez e prudência evangélicas. Limito-me a mencionar algumas atitudes que configuram uma Igreja “tentada”. Trata-se de conhecer determinadas propostas atuais que podem mimetizar-se em a dinâmica do discipulado missionário e deter, até fazê-lo fracassar, o processo de 
Conversão Pastoral.
1. A ideologização da mensagem evangélica. É uma tentação que se verificou na Igreja desde o início: procurar uma hermenêutica de interpretação evangélica fora da própria mensagem do Evangelho e fora da Igreja.
Um exemplo: a dado momento, Aparecida sofreu essa tentação sob a forma de assepsia. Foi usado, e está bem, o método de “ver, julgar, agir”. A tentação se encontraria em optar por um "ver" totalmente asséptico, um “ver” neutro, o que não é viável. O ver está sempre condicionado pelo olhar. Não há uma hermenêutica asséptica. Então a pergunta era: Com que olhar vamos ver a realidade? Aparecida respondeu: Com o olhar de discípulo. Assim se entendem os números 20 a 32. Existem outras maneiras de ideologização da mensagem e, atualmente, aparecem na América Latina e no Caribe propostas desta índole. Menciono apenas algumas:
a) O reducionismo socializante. É a ideologização mais fácil de descobrir. Em alguns momentos, foi muito forte. Trata-se de uma pretensão interpretativa com base em uma hermenêutica de acordo com as ciências sociais. Engloba os campos mais variados, desde o liberalismo de mercado até a categorização marxista.
b) A ideologização psicológica. Trata-se de uma hermenêutica elitista que, em última análise, reduz o “encontro com Jesus Cristo” e seu sucessivo desenvolvimento a uma dinâmica de autoconhecimento.
Costuma verificar-se principalmente em cursos de espiritualidade, retiros espirituais, etc. Acaba por resultar numa posição imanente autorreferencial. Não tem sabor de transcendência, nem portanto de missionariedade.
c) A proposta gnóstica. Muito ligada à tentação anterior. Costuma ocorrer em grupos de elites com uma proposta de espiritualidade superior, bastante desencarnada, que acaba por desembocar em posições pastorais de “quaestiones disputatae”. Foi o primeiro desvio da comunidade primitiva e reaparece, ao longo da história da Igreja, em edições corrigidas e renovadas. Vulgarmente são denominados “católicos iluminados” (por serem atualmente herdeiros do Iluminismo). Uma gnose a partir da qual se interpreta o Evangelho e a vida pastoral. Com o início do pontificado, chegam cartas, propostas, inquietudes de fiéis e católicos, com desejos: de que se casem os padres, que se ordenem as freiras, que se dê a comunhão dos divorciados. Não vão ao problema de fundo real, mas a estas pequenas posturas ilustradas que nascem precisamente deste tipo de hermenêutica. [trecho improvisado do discurso]
d) A proposta pelagiana. Aparece fundamentalmente sob a forma de restauracionismo. Perante os males da Igreja, busca-se uma solução apenas na disciplina, na restauração de condutas e formas superadas que, mesmo culturalmente, não possuem capacidade significativa. Na América Latina, costuma verificar-se em pequenos grupos, em algumas novas Congregações Religiosas, em tendências para a “segurança” doutrinal ou disciplinar. Fundamentalmente é estática, embora possa prometer uma dinâmica para dentro: regride. Procura “recuperar” o passado perdido.
2. O funcionalismo. A sua ação na Igreja é paralisante. Mais do que com a rota, se entusiasma com o “roteiro”. A concepção funcionalista não tolera o mistério, aposta na eficácia. Reduz a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG. O que vale é o resultado palpável e as estatísticas. A partir disso, chega-se a todas as modalidades empresariais de Igreja. Constitui uma espécie de “teologia da prosperidade” no organograma da pastoral.
3. O clericalismo é também uma tentação muito atual na América Latina. Curiosamente, na maioria dos casos, trata-se de uma cumplicidade viciosa: o sacerdote clericaliza e o leigo lhe pede por favor que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo. O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade adulta e de liberdade cristã em boa parte do laicato da América Latina: ou não cresce (a maioria), ou se abriga sob coberturas de ideologizações como as indicadas, ou ainda em pertenças parciais e limitadas. Em nossas terras, existe uma forma de liberdade laical através de experiências de povo: o católico como povo. Aqui vê-se uma maior autonomia, geralmente sadia, que se expressa fundamentalmente na piedade popular. O capítulo de Aparecida sobre a piedade popular descreve, em profundidade, essa dimensão. A proposta dos grupos bíblicos, das comunidades eclesiais de base e dos Conselhos pastorais está na linha de superação do clericalismo e de um crescimento da responsabilidade laical.
Poderíamos continuar descrevendo outras tentações contra o discipulado missionário, mas acho que estas são as mais importantes e com maior força neste momento da América Latina e do Caribe.
Amanhã publico a última parte do discurso…

sábado, 27 de julho de 2013

Um suspiro

Um poema para o fim de semana a pensar na vida...
É aquele momento como sinal que nada terminou
antes se refaz e recomeça em novo estado de alma
que antes estava abatido no vale escuro da solidão.
Mas de novo acorda sob uma réstia de luz.
Nesse despertar
o afecto fez-se a mais próxima presença
da ternura do calor dos dias do sol
ressuscitados para a plenitude.
Nesta forma de suspiro acordei para o centro
daquela festa que toda a acção pode fazer ver.
Nisto consiste o sentido da vida.
José Luís Rodrigues

sexta-feira, 26 de julho de 2013

O silêncio para combater o suicídio

O silêncio que se procura para fugir à azáfama do quotidiano deve ser sempre qualquer coisa de essencial para o equilíbrio psicológico da vida humana. O dia a dia está cheio de muitas contrariedades que nos maçam a vida e não servem para a descoberta do sentido da nossa origem, para que estamos aqui e para onde vamos.
Uma pessoa que perante os dissabores que a vida amorosa muitas vezes proporciona, pode cair no desespero e facilmente perde a noção da existência como valor, porque se vê sem forças para lutar e na mais pura inutilidade. O vazio interior é o pior inimigo de qualquer ser humano.
Por isso, os silêncios são a melhor força interior para vencer os obstáculos que se colocam diante de uma história pessoal. Como se encontra esse silêncio? Numa busca constante pelos lugares e pelas mediações que façam ecoar essa condição da alma. Com toda a certeza que não será no rebuliço de uma cidade movimentada com carros e muitas pessoas. Também não será na confusão diária das tarefas e das relações conturbadas com os colegas de trabalho. E não será na ocupação total do tempo com muitas actividades. Nem muito menos perante o vazio das propostas que alguns meios de comunicação social nos apresentam.
Só o recolhimento pode proporcionar a descoberta do silêncio, que se pode encontrar em qualquer lugar que cada um considere apropriado para fazer o desvelamento dessa realidade como possibilidade de encontro interior com o valor da vida e com a realização de todo o bem que conduz à felicidade.
Sobre o suicídio da Cândida Branca Flor em 2001, alguém escreveu o seguinte: «A Cândida Branca Flor sonhou ser popular e cedeu demais na qualidade»; «Não construiu uma família: condescendeu em não ter filhos»; «Como era filha única, também não tinha irmãos»; «Quando morreu, não tinha ninguém: nem pais, nem irmãos, nem filhos, nem sobrinhos – só uma mãe adoptiva»; «E, quando o declínio físico se tornou mais visível, ficou também sem agentes, sem amigos, sem contractos e sem dinheiro»; «A solidão de Cândida Branca Flor não foi, entretanto, um problema só dela: é um problema desta sociedade»... E pelos contornos de cada um dos suicídios que por estes dias acontecem entre nós bem revelam esse problema em que está mergulhada a sociedade. Em cada suicídio, é mais um pedaço de nós que se vai.
Só os silêncios libertam da ruína do desespero. Neles e por eles emerge no interior de cada um a descoberta do sentido absoluto da vida. 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Basta abrir os olhos para ver o mistério

O trem de alta velocidade Alvia descarrilou ontem à noite, pouco antes de chegar à estação de Santiago de Compostela. Segundo as últimas informações, 78 pessoas morreram e 178 ficaram feridas. As imagens que circulam na internet são impressionantes e testemunham a violência do descarrilamento que não podia de outra forma senão resultar em grande tragédia.
O maquinista já está com um processo judicial em cima. Creio que sempre resolve chamar a atenção para assunção das responsabilidades e para que não se repitam situação onde parece haver negligência quando estão em causa a dignidade e a vida humana.  
Mais uma vez somos tomados pelo assombro da fragilidade desta vida. Caminhamos sobre vasos de barro que nunca foi cozido e em qualquer curva deste mundo pode estar o que menos se espera. Invocamos nesta hora o acolhimento de todas as pessoas que foram entregues à violência da morte, que os feridos encontrem consolo e a devida atenção para curarem as suas feridas. Aos familiares, uma palavra de esperança e coragem. E que as suas lágrimas façam o luto e retempere forças para continuarem as suas vidas. Façamos silêncio e oração diante da perplexidade dos mistérios com que todos os dias somos confrontados. Basta abrir os olhos...

Para que serve a oração?

Mesa da Palavra:
Comentário à Missa do Próximo domingo 
XVII Tempo Comum, 28 Julho de 2013

Não serve para nada viver no egoísmo desenfreado e na loucura da ruptura em relação aos outros para conseguir muitos bens e muita riqueza. O importante é procurar para si e para os outros o «pão de cada dia». A sobrevivência não depende da procura louca, mediante o egoísmo e a inveja para ter muita fortuna, mas na vivência dos valores do reino de Deus, isto é, na procura diária pela subsistência sem prejudicar ninguém. E mesmo assim, se com tudo o que fazemos deve estar a principal preocupação que estamos edificar o mundo e a vida para o bem dos nossos semelhantes.
De que vale ter muita riqueza se isso muitas vezes custou a perda da saúde, a exploração dos outros, a falta de escrúpulos em relação à aptidão para o roubo, a mentira foi o outro pão de cada dia, a luta agressiva contra os outros foi o caminho mais assumido, a irresponsabilidade tornou-se a lógica mais vivida, a destruição crua dos bens da natureza que pertencem a todos, o viver sem pensar em valores e centrado apenas na dimensão material da existência... A oração liberta-nos de tudo isto com ajuda de Deus e faz-nos ter consciência que afinal o que precisamos para ser felizes basta «o pão nosso de cada dia».

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Os jovens de hoje na Jornada do Rio de Janeiro

Não podia ser de outra forma. Como católico e como admirador desde o primeiro momento do Papa Francisco, fico deveras satisfeito com o que se está a passar no Rio de Janeiro, Brasil, com o sucesso que está a ser a Jornada Mundial da Juventude. Tudo parece decorrer com a maior da normalidade e excedendo todas as expectativas quanto à participação das pessoas. São enormes as multidões que se concentram na passagem do Papa.
Tudo isto é muito bonito e reconcilia a Igreja Católica com o mundo. Muito melhor será que o mundo encare o Papa com simpatia e corra para ver o Papa do que ande contra a barafustar todo o género de vitupérios contra a Igreja e contra o Papa.
A esperança que nos fica é que estas grandes manifestações não sejam apenas para o momento nem muito menos que sejam propaganda muito querida e alimentada pelos meios de comunicação social dos nossos tempos. A Igreja Católica também às vezes embarca nisso.
As grandes manifestações podem ser importantes, mas não são a melhor ocasião para lançar sementes. Porque o ambiente é propício a festa, com os consequentes exageros. Nisto não queremos ficar com a ideia que as Jornadas com os jovens sejam apenas manifestação do bonito e do gozo que estes dias sempre provocam a quem tem o sangue na guelra, mas que passado o efeito volta tudo ao normal.
A juventude de agora, é muito instável e vive perdida. O desemprego e toda inquietação quanto ao futuro desorientam e lança os jovens em caminhos sem rumo. É preciso pensar que esta é geração diplomada que está em casa sem fazer nenhum a comer à conta dos pais que fizeram os maiores sacrifícios para os formarem. São Filhos de pais separados, filhos de mães solteiras ou de uniões de fac, realidade que a Igreja Católica ainda não aprendeu a acolher e a encontrar formas sacramentais para integrar esta vasta realidade e com tendência a crescer ainda mais. Esta juventude encarna as características paranóicas que um determinado desenvolvimento ofereceu. Estão a crescer em relações virtuais, não têm um grupo de referência, mas sim muitos grupos... Nas redes sociais da internet (Facebook, Twitter e outros).
Estes jovens, sentem-se sozinhos, desconfiam uns dos outros, são críticos com os outros, mas muito sensíveis quando são criticados, basta que os pais abram a boca para terem logo o ricochete como desmedida de troca, porque «comigo ninguém brinca», são formados e não toleram quem não está ao seu nível. Por isso passam com facilidade do amor ao ódio. Os dramas familiares às vezes são de bradar aos céus.
Não precisam de ídolos, porque eles é que se acham ídolos. Os pais começaram por lhes ensinar a ser mais do que são e a dar-lhes os melhores telemóveis e computadores. As dificuldades e sacrifícios é coisa de cotas ou para gente velha. A escola fez o resto. Não querem saber da escola, mas já nem por faltas reprovam. O Estado deve dar tudo para estudarem, mas eles não precisam de aprender nem muito menos de dar nada em troca, são "Special One's" e se ainda não o são para lá caminham porque o desporto vai fazer esse trabalho. Na escola se as más notas aparecem é porque os professores não gostam deles e os prejudicam, se não têm amigos (reais) e não têm namorado(a) é porque os outros são estúpidos e ninguém presta. Acham-se auto-suficientes e não perdoam, porque, são os maiores e o perdão é coisa banida do coração desta humanidade criada só e apenas para vencer. E como todos nós somos resultado da educação que recebemos, todos temos responsabilidades, afinal, eles são apenas o resultado da educação que todos nós lhes demos, mas poderá ser pior para a geração que venha seguir se não formos capazes de arrepiar caminho.
A festa das Jornadas no Rio, estão a ser muito interessantes em termos de impacto e enchem os olhos do mundo inteiro. As imagens que no chegam são impressionantes e algumas até nos levam a grande emoção. Mas, que não fique apenas isso, mais desejamos que a Igreja Católica venha depois encetar reflexão com consequentes medidas para que os jovens sejam tomados a sério e parte essencial na construção da Igreja. Para que os jovens não sejam apenas massa fácil de mobilizar porque são vivos, fazem ruído e os poderes precisam deles para mostrarem o que valem quanto à pujança do seu poder apenas. As políticas partidárias são exímias neste trabalho com a juventude. A Igreja não pode mostrar que assim é para si também.
Mais ainda que todas as questões que os afecta sejam tratadas com coragem por toda a Igreja e que as palavras do Papa venham ajudar a quebrar a tragédia do apego aos bens materiais explícito no alto índice de criminalidade, o escandaloso crescimento do tráfico e consumo de drogas, nos casos cada vez mais comuns de gravidez na adolescência e de abandono dos filhos, no crescente número de tráfico de pessoas, no grande aumento da prostituição e nos casos cada vez mais absurdos de corrupção. Não, o Papa não foi levar dinheiro ao Brasil nem vai fazer acabar com as dívidas dos Estados e a consequente austeridade contra os povos. O Papa Francisco veio e está para anunciar ao mundo que a transcendência faz parte de nós, o que já é bastante. 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

O problema que virou solução num ápice

Há poucos dias precisávamos de um «acordo de salvação nacional» porque os partidos políticos há dois anos no governo de Portugal não foram capazes de encontrar soluções para lançar o país na prosperidade. Gorado esse famigerado acordo, voltamos à realidade, o que era problema vira da noite para o dia solução e já não precisamos de nenhum «acordo de salvação nacional». Eis o seu melhor no país da «Alice maravilhosa».
Chegados ao fim do bailarico, está confirmado, é possível apagar dois anos de desgraça governativa, sem que tenha sido possível por causa da maior incompetência acertar em nenhum valor sobre economia e finanças, agravar o desemprego até valores inconcebíveis e deveras preocupantes, provocar uma sangria para o exterior do melhor que o nosso povo tem, os seus jovens qualificados que tanta falta nos vai fazer nos próximos anos.
É possível apagar as discórdias de uma coligação que nunca se assumiu como tal, porque cada qual andava cego à procura de poder e de brilho mesmo que para tal se prejudicasse o país. A ribalta e a salvação de cada qual são o que mais interessa. Para tudo isto este desgoverno teve anuência de um Presidente da República que faz uma viagem de dois dias a umas ilhotas chamadas de Selvagens e enterra 160 mil euros, só para dizer que aquelas ilhas são nossas…
Pelo amor de Deus, preocupamo-nos com as Selvagens lançando o que interessa salvar numa selva. A história tem que fazer justiça contra esta gente que desbarata a preço de nada o nosso país.
Assim, apagado os últimos dois anos e quiçá outros mais ainda com gente irresponsável que foi hipotecando o nosso país e o povo português, vamos continuar por mais uns tempos neste ambiente de austeridade, de sacrifícios, de subida horrível do desemprego, a pagar impostos altíssimos, taxas absurdas para usufruirmos dos bens do Estado e tantas outras situações por demais conhecidas de todos nós.
Eleições, o melhor que a Democracia concede ao povo, para escolher quem deve levar adiante os seus destinos não importa nada, porque os sábios democratas que nos desgovernam não querem ouvir falar. Lá estamos nós entregues a esta gente que sabe tudo, que pode tudo e que não respeita o seu povo, a nossa Constituição e as leis elementares que nos fazem como nação livre e independente.
Mais ainda temos que suportar mais algumas doideiras de alguns que andam para aí a dizer que sabem tudo, que avisaram sobre tudo depois de acontecer, que apontam caminhos que não estão dentro da Lei Fundamental. Não é normal que se tenham convencido que não sabemos das suas falcatruas, das chorudas dívidas escondidas para nós todos agora termos que pagar com impostos elevadíssimos e no caso da Madeira em duplicado. Já não há paciência para suportar tamanho desplante e tanta insensibilidade mostrando à saciedade que se faz tudo certo e os outros é que são os malvados que nada sabem fazer e que fazem tudo errado. Que alguém nos livre deste manicómio em que se tornou o nosso país. 

domingo, 21 de julho de 2013

A Diocese da capital e as outras

O novo Patriarca de Lisboa D. Manuel Clemente, explicou muito bem na entrevista que concedeu ao Jornal I, que a Diocese de Lisboa e o Patriarca representam «um peso diferente, porque se está na capital e há muitas coisas, do Estado ou da própria sociedade, que acontecem aqui. Por isso, serei talvez o interlocutor mais à mão. Mas eu não posso falar pela Igreja. Nós, bispos, temos tentado explicar isto: a Igreja não tem uma organização nacional, mas sim internacional, à volta do bispo de Roma. Cada diocese tem a sua autonomia. Há uma Conferência Episcopal, que reúne todos os bispos, mas que também não é um órgão de cúpula. Não se sobrepõe à autonomia das dioceses. É só um órgão de cooperação entre as dioceses» (Jornal I, 20 de Julho de 2013).
Só esperamos que a prática não seja precisamente ao invés desta mensagem. A doutrina está feita, a prática, obviamente, tem muito que se lhe diga e não só por culpa de Lisboa que se faz «chefe» do «resto de Israel», mas também porque esse «resto» se presta à subserviência e alimenta a ideia dos superiores e dos inferiores/subalternos.
Gostei muito da entrevista, menos da frase que responde à última pergunta, feita no contexto da não apresentação de contas do Santuário de Fátima há vários anos: «Então a transparência não é importante? - É importante, mas tem de se jogar com a conveniência». Depois de falar tanto de abertura, de mudança, de simpatia e colaboração com a comunicação social, de participação dos cidadãos na vida pública e dos cristãos na vida da Igreja, denunciando muito bem que o maior dos nossos problemas é termos uma opinião pública pouco interventiva e participativa, esta resposta corresponde à ideia que no melhor pano cai a pior nódoa. De facto, a questão da transparência de contas na Igreja é um grande busílis, que quando confrontados os nossos bispos com esta questão, venha de onde vier, sempre se enterram com a resposta que dão.
Assim, esperamos sem grandes entusiasmos para ver como se vai fazer em Lisboa esse «jogo» da transparência com a conveniência. As coisas não começam bem... Aguardemos pelos próximos capítulos.

sábado, 20 de julho de 2013

Embora seja tanta a noite

Ensaio poético para o fim de semana...
I.
Ó que vontade de ver-te neste presente terrível
Onde anseio o sol embora seja noite.
Mas fico-me numa espera palpitante como nunca
E sei que virá o teu brilho embora a distância esconda.

II.
Já vejo o caminho a fazer-se no andar solene do gesto
Quando te vi no recanto luminoso embora seja tarde.
Vamos então ambos passo a passo ao cimo do monte
Onde se transfigura a fé embora se vá o ar da manhã.

III.
Agora penso em arco a totalidade de uma casa
Onde as mulheres se alegram embora a fadiga nos mate.
Mas não desisto do encanto e da ternura de um toque
Mesmo que em mistério não cresça o que desejo.

IV.
O que falas sem dizer a palavra escorre no sangue
E faz porto no coração embora seja mais o que não sei.
Embora sempre soube do impossível que se faz neste chão
Antes a morte embora pese firme o dom da esperança.

V.
Na brisa que bate no rosto como eco vindo de longe  
Eis esta certeza magnífica de mais uma manhã
Na paz do teu rosto feliz embora venha a noite.
E fiquei aqui na luz interior na fonte do pensamento.
José Luís Rodrigues

“Hoje a nossa religião é o dinheiro”

Entrevista ao médico José Eduardo Pinto da Costa, hoje no DNotícias, 20 de Julho de 2013. Todo o diálogo é muito enriquecedor, vale a pena ser lido para que a reflexão sobre esta temática nos acompanhe. Apresento-vos a parte da entrevista que mais me tocou e chamou a atenção… Obrigatório ler. Está cheia de denúncias certeiras e aponta caminhos para a mudança que deve ser feita nesta área, a nossa saúde, para que tenhamos uma sociedade mais humana e mais de acordo com a felicidade…


Tem a noção do peso do suicídio em Portugal e como tem evoluído?
Eu acho que está a aumentar, vamos estimar cinco suicídios por dia, em média. São muitos mais casos e com tendência a aumentar.

A Saúde Mental está ao nível?
A Saúde Mental é fundamental. O problema com todas as deficiências que existem hoje para muitas famílias, nós não podemos falar em saúde mental, porque a saúde mental traduz logo um complexo de bem-estar físico, mental, social e espiritual. Ora, se o indivíduo não tem de comer, tem sede e não tem água para beber, se precisa de determinadas necessidades primárias e não tem e foi preparado nesse sentido, aquelas carências todas não podem promover a higiene mental. E a minha higiene mental depende da sua e assim por diante. Depende de todos que vivemos em cadeia. É uma questão de reagir emocionalmente. Nós não somos Robinson Crusoé, não vivemos sozinhos. Nós somos necessariamente socializáveis.

O facto de haver poucos médicos psiquiatras pelo menos aqui na Madeira, acha que isso afecta o domínio do suicídio?
Eu acho que a Saúde Mental, mais do que a psiquiatria, depende de uma prevenção. O psiquiatra é o bombeiro para resolver a situação, não deveria ser necessário haver psiquiatras, era importante que houvesse psicólogos. A estabilidade emocional de todos nós não levaria em termos de probabilidade a que descompensássemos. Se não descompensássemos, poderíamos ter um psicólogo a ajudar-nos, mas não era a ajudar-nos agora. Era quando saímos da barriga da mãe, quando éramos crianças, quando íamos para a escola, com todos os nossos problemas, a nossa evolução. A crise na adolescência que não é crise nenhuma.
Não há uma informação adequada e atempada que se acontecer isso, é porque há um acerto hormonal devido ao desenvolvimento da adolescência, mas passado um ano ou dois vai ficar igual, mas não há uma pedagogia nesse sentido.

E em relação aos médicos?
Depende. O problema dos médicos não é aquele mar de rosas que se diz por aí. No século passado, quando o médico com a sua caneta de prata receitava em casa do paciente, a família toda observava em silêncio enquanto o senhor doutor religiosamente estava a cumprir aquele ritual. Era assim. Por outro lado, as dependências económicas do médico, as suas necessidades não eram tão avultadas como são agora. Não tinham necessidade de alimentar o seu Ferrari, nem o seu iate, nem as suas quintas, nem as suas viagens, não havia essa necessidade porque o médico era o ‘João Semana’. Era o indivíduo que ia atendendo as populações, não raras vezes tinha assistido ao parto da mãe e ao das filhas e assim sucessivamente e muitas vezes era remunerado por presentes ingénuos: davam-lhes umas galinhas, uns frangos, coisa do género.
Hoje não é. A própria actividade médica perdeu muita da humanização e hoje é uma profissão como outra qualquer, porque o médico paga impostos que não é brincadeira, como paga outra profissão qualquer e, portanto, essa profissionalização afastou digamos daquela entrega e relação médico-doente pura um pouco utópica em termos teóricos em que a vida humana era valorizada de uma maneira extraordinariamente grande, quando hoje a vida humana não presta para nada. O que interessa hoje é o dinheiro. Hoje a nossa religião é o nosso dinheiro. Agora o que vale a vida humana? Não vale nada. Não tem interesse nenhum!

Faz falta o tal doutor ‘João Semana’ na Saúde em Portugal?
É reconhecido que faz falta porque a política actual está a querer transformar o médico profissional em ‘João Semana’, ou seja, a capacidade de resolver todos os problemas do seu semelhante em termos de cidadania.
Hoje, as pessoas tendem muito a não querer tratar os outros, porque um número significativo não se interessa com os outros. Interessa-lhes muito mais estar a olhar para o microscópio, olhar para uns aparelhos sofisticados que lhes dê muito mais dinheiro do que estar a aturar os queixumes do outro, porque quem vai procurar um médico não é para lhe dizer: ah estou cheio de saúde! Não.
A vida mudou radicalmente. Mas há alguns que ainda têm uma vocação extraordinariamente grande para continuar a tratar do próximo. Mas veja o absurdo que há em Portugal: a selecção para as faculdades de medicina como é que se faz? Pelas notas. São os indivíduos com 18, 19 valores e mais do que isso que têm predilecção para ser admitidos. Serão esses aqueles que se interessam mais pelas deficiências do próximo?

Acha que deveria haver critérios de avaliação?
Obviamente.

Por exemplo?
Por exemplo, o interesse pelo sofrimento do próprio, pela capacidade de compreensão dos diversos problemas, fosse sofrimento ou não. O prazer que o próprio teria em dialogar com outra pessoa, entrando na sua esfera de preocupações, mas não. Hoje o que se quer é que haja na realidade uma nota muito grande. Depois o que é que acontece na prática? Não vão para clínicos porque não estão para aturar os doentes. Vão para investigação científica. Metem-se nos laboratórios.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Seguir as palavras de Cristo para chegar a Deus

Deus, o que é?
Vejamos António Alçada Baptista no livro a «Cor dos Dias». À pergunta «Deus, o que é?», o autor responde: «A mensagem cristã assegura que Cristo está em nós e como isso é necessário fazer outro mundo que nada tem a ver com este que estamos a viver. Na estrutura deste mundo quem acha possível amar os inimigos, dar a outra face quando foi esbofeteado, pensar ser como as aves do céu e os lírios do campo, a olhar para a vida com um olhar inocente e tudo o mais que Cristo nos propõe? Não me parece que haja uma quantidade significativa de pessoas que estejam dispostas a esta proposta de despojamento. Mas as palavras de Cristo permanecerão à espera de quem as quiser seguir. Às vezes penso que tudo isso é impossível e que as leis do mundo permanecerão inabaláveis contra as propostas de compreensão e amor que Cristo nos propôs. Mas, por outro lado, sinto uma grande insatisfação nas pessoas que de uma maneira ou de outra tentam pôr em questão as leis do mundo e arranjar uma maneira de sair fora desta armadilha em que todos vamos caindo. Eu sei que uma religião tem de ter uma base institucional que assegure as formas e os ritos que, pelo menos por enquanto, regule uma relação com os mistérios de Deus. E também essas instituições, como todos nós, estão afectadas pelo mundo em que estamos emersos. Noto que os males do mundo aparecem como inevitáveis. Como é possível a gente conformar-se e achar que fazem parte da vida coisas como as guerras, as fomes, a violência e tudo o mais que são os comportamentos dos homens?
Seguir as palavras de Cristo é meter Cristo em nós e, se não sabemos onde está Deus, Cristo ensina-nos que pode estar dentro de nós. No meio das coisas do mundo seria bom, para nós e para o mundo, se cada cristão fosse outro Cristo».

quinta-feira, 18 de julho de 2013

A melhor parte é sempre o essencial

Mesa da Palavra
Comentário à Missa do Domingo XVI Tempo Comum (21 Julho de 2013)
Este domingo, no Evangelho, os que participarem na Missa, irão ouvir um belíssimo relato de São Lucas, onde nos dá conta de um encontro de Jesus numa aldeia em casa de duas irmãs, Marta e Maria. Esta proximidade de Jesus com as mulheres é sintomática e reveladora do que pretendia mesmo Jesus, que ninguém ficasse de fora do Seu Reino, por isso, torna-se cada vez mais difícil de contornar o machismo norteia as acções do nosso mundo e da nossa Igreja. O diálogo comovente em casa de ambas, se nos deixamos tomar pela sensibilidade, as lágrimas não se contêm. Vejamos então.
Marta queria apenas mostrar a exterioridade, uma mesa cheia de bons alimentos, queria apresentar a casa bem recheada, uma casa com coisas muito bonitas e com a maior das limpezas, porém, Jesus, desconcerta Marta e prova-lhe que o essencial da vida não está na naquilo que se apresenta ou se mostra para impressionar, mas naquilo que nos enriquece por dentro. Para Jesus, a melhor parte está na escuta da Sua Palavra e na contemplação da Sua Pessoa. Nada é melhor para o nosso bem e para a autenticidade da vida cristã.
A melhor parte não é o activismo, mas o silêncio interior que nos concentra na escuta da mensagem que o Mestre transmite. Preferimos estar ocupados, num vai e vem constante que não serve para nada. Porque, raras vezes sabemos onde está a melhor parte. Jesus ensina-nos neste magnífico texto, que a melhor parte serve para nos sentirmos bem e nada nem ninguém nos tira essa parte que escolhemos. Muitas vezes, sentimos que nos escapa a entrega ao projecto do Reino que Jesus nos ensina, porque temos muito trabalho, queremos ganhar muito dinheiro e a nossa vida já sobra para nos cansarmos ou nos atormentarmos, por isso, não nos macem com essa coisa de escutar a Palavra e de contemplar Jesus. Isso não serve para nada, porque não rende dinheiro nem serve para resolver os problemas que a vida de cada um acarreta.
Algumas vezes, para tristeza nossa, ouvimos as pessoas dizerem coisas deste género, «a participação na missa, é uma perda de tempo», Jesus, ensina-nos neste episódio que vale sempre a pena escutá-lo. Porque a melhor parte da vida não está nas contas recheadas que possuímos no banco, nos muitos bens materiais que nos calhou na vida e nas bonitas coisas que apresentamos ao mundo. A nossa aposta deverá consistir em centrar o nosso interior naquilo que nos torna nobres não diante dos homens mas perante Deus. Poderão dizer-me que então vamos deixar os nossos afazes de casa para dedicarmos todo o tempo à oração e contemplação da pessoa de Jesus e da sua palavra e que devemos abdicar de todos os bens que nós temos. Não! Não é isso que está no Evangelho. 
O que nos ensina este episódio do Evangelho, é que sejamos capazes de organizar o nosso tempo e que saibamos distinguir as situações. Que aproveitemos com serenidade e com medida, os bens deste mundo, lutando por eles sem ferir ninguém e fora da ganância, do egoísmo. Mas, sempre devemos ter presente que a vida tem muitos momentos e que diante da Pessoa de Jesus, nada nos deve desviar a atenção do essencial. O Mestre não quer que deixemos de cumprir o nosso dever e de realizar as tarefas que temos de fazer, porém, cada coisa requer o seu lugar e o seu tempo próprio.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O assombro da mudança começou

A Drª Catalina Pestana escreveu ontem (16 Julho de 2013) no Facebook esta frase que me chamou à atenção: «O que está a acontecer é único. Um bispo, ainda por cima o de Roma, tem todos os dias uma mensagem para os humanos.
Os bispos portugueses, não têm internet? Parece que os Sinais de mudança vão chegando a milhões, mas "os senhores do templo" continuam incapazes de os entender».
Não é para menos esta inquietação. O silêncio geral é inquietante. Todos os dias chega-nos uma mensagem do Papa Francisco que vai falando ao mundo e desafiando à sobriedade, à ética na vida pública para que o bem comum e a justiça sejam uma realidade na construção do mundo. A sua acutilante denúncia contra «a globalização da indiferença» tem sido uma constante, porque não pode o mundo continuar a viver impávido diante da fome e da morte de tantos seres humanos indefesos, quando o único crime que cometeram foi desejar melhores condições de vida, calou fundo a sua viagem a Lampedusa, ilhota no Mediterrâneo símbolo dessa mortandade. Mais ainda disse o seguinte o Papa Francisco neste tweet: «São essenciais, na vida cristã, a oração, a humildade, a caridade para com todos: este é o caminho para a santidade». Desafiante, por sinal… Quando mais habituados a menosprezar e a marginalizar por razões que as razões deste tempo não compreendem.
A acção deste Papa tem sido marcada quotidianamente por desafios à Igreja toda, aos chefes das nações e a todos os cristãos. A sua simplicidade e desprendimento têm sido desconcertantes. As notícias que vão surgindo sobre indulgências, são acidentes que não devem perturbam o essencial. A meu ver surgem de serviços do Vaticano que preferem esse caminho do devocionismo anacrónico a favor do desprendimento e da pobreza que vai ao encontro da salvação das pessoas agora neste mundo e não em outro mundo com «depósitos» com o «negócio» das indulgências.   
Neste contexto serão inevitáveis os reparos como este da Drª Catalina Pestana. Uma grande porção do clero no nosso país e quiçá no mundo inteiro está perplexo e em silêncio. Não se percebe que as mudanças estão a acontecer em catadupa e que a viragem começou de onde menos se esperava, no Papa e no seu ministério. Por isso, faz pena que não se perceba que os meios modernos de comunicação são os púlpitos incontornáveis dos nossos dias, a tão falada «nova evangelização», que anda na boca de todos os bispos especialmente, não se faz sem a utilização da internet, onde está toda a gente. É mais fácil andar dedicado às devoções, à superstição que floresce nestes tempos de crise como cogumelos e que dá lucros exorbitantes. Sim, também é mais fácil andar a anunciar regras e mais regras, seguir dogmas e mais dogmas anacrónicos que não levam a nada. Este voltar ao negócio das indulgências é grave e senão acarreta libertação espiritual digna deve se repudiado.
Acordemos, a verdadeira mudança e transformação do tempo e do templo não se fará por este caminho velho. Nem leva a nada a teimosia em não querer abdicar do poder pelo poder, o Papa Francisco tem insistido tanto que o poder só pode ser serviço ou então não serve para nada. Mais ainda se pensarmos que não leva a nada continuar a ostentar riquezas na liturgia, para que tal não seja um insulto a quem passa fome porque não tem um rendimento condigno para sustentar a sua casa. As entronizações de bispos e de padres em novos serviços não devem ser uma manifestação de poder e domínio sobre nada nem ninguém nem muito menos uma glorificação de iluminados, preferidos de Deus, mas simples encontros de riqueza espiritual para o serviço de todos. Não há volta a dar. Esta mudança é essencial para que a simpatia do mundo de hoje aconteça de verdade e a sua adesão ao projecto da salvação anunciado pela Igreja Católica encontre autoridade e seja de verdade aliciante porque provoca para a fé e para a esperança.
Mais ainda falta irmos percebendo que as mudanças da Igreja começaram e não começaram por onde cada um de nós às vezes mais anseia, mas sim por onde deseja e determina o Espírito Santo. Nesta mudança acredito piamente. Mais ainda creio que o Espírito Santo determinará mudanças importantes que marcarão a Igreja e que a colocará mais de acordo com a fraternidade fortemente radicada no Evangelho de Jesus de Nazaré. Não perceber estes sinais dos tempos, será fatal para nos vermos ultrapassados pela realidade que Deus vai fazendo aparecer diante dos nossos olhos e que teimosamente podemos ter a tentação de recusar ver e de acolher com amor. Que este despertar nos tome de assombro. 

terça-feira, 16 de julho de 2013

Equívocos da Igreja Católica com os poderes

Muito bem visto...
Opinião no Jornal de Notícias de Rui Osório (14-07-13) com o seguinte texto de opinião. Faltava este esclarecimento e vem colocar os pontos nos is em relação à forma como se vê a Diocese de Lisboa. Toma-se o bispo de Lisboa (Patriarca) como o chefe da Igreja Portuguesa. Tal acontece pelos diocesanos de Lisboa, especialmente, o clero, e as outras dioceses do país também se tomam como subalternas de Lisboa. A comunicação social é o principal veículo onde se impõe este equívoco…
Notas marginais sobre a primeira missa do novo patriarca de Lisboa, na igreja dos Jerónimos.
Com menos pompa, bastaria a circunstância da beleza para que a simplicidade fosse verdadeiramente pedagógica e catequética.
Se a RTP tem obrigações de serviço público, então deve cuidar a sua agenda, não vá falhar na cobertura em direto quando outro bispo, noutra qualquer das 20 dioceses portuguesas, celebrar a sua primeira missa, para se apresentar aos seus diocesanos.
A que título participaram, em Lisboa, os presidentes da República e do Parlamento, o primeiro-ministro e outros ministros?
Nunca é demais dizer que não há uma Igreja Católica portuguesa e o patriarca de Lisboa nunca foi nem é o “chefe” da Igreja em Portugal.
Se os titulares dos poderes temporais desconhecem a natureza da Igreja Católica, bem como a sua imagem e a sua mensagem, então cabe à própria Igreja recusar, com bons modos, cumplicidades e equívocos.Notas marginais sobre a primeira missa do novo patriarca de Lisboa, na igreja dos Jerónimos.

Quando a lógica do egoísmo é regra

A vida numa história. Esta história retrata bem o quanto o egoísmo comanda a vida da humanidade. Já dizia Jesus e com toda a razão: «Os filhos deste mundo são mais astutos no trato uns com os outros do que os filhos da luz» (Lc 16, 8). Até quando poderá a humanidade resistir a esta forte tendência para o desprezo pelo bem comum e pela justiça com base na ganância e nos egoísmo desenfreado? E como seria tão bom estar bem patente no coração de todos a seguinte consciência: «A única forma de multiplicar a felicidade é partilhá-la» (Paul Scherrer).

Reparemos:
O senhor de um castelo deu uma grande festa, para a qual convidou todos os habitantes da aldeia. Mas as pipas do nobre, embora fossem muitas, não chegariam para satisfazer a previsível e grande sede da multidão de convidados. O senhor pediu então um favor a todos os habitantes da aldeia: - meteremos ao centro da praça onde terá lugar o banquete uma imensa pipa. Cada qual trará o vinho que puder, que deitará na pipa. Será cheia com a colaboração de todos e haverá vinho para toda a gente.
Um homem da aldeia, antes de partir para o castelo, procurou uma bilha e encheu-a de água, pensando: «um pouco de água na pipa, ninguém dará por ela». Ao chegar o dia da festa, deitou o conteúdo da sua bilha na pipa comum e sentou-se à mesa. Quando os primeiros serventes foram para tirar o vinho, da torneira saía apenas água. Todos tinham pensado da mesma maneira.
Para fazer pensar:
* Todos pensaram da mesma forma. O interesse pessoal e o egoísmo foram colocados acima de tudo. O resultado redundou num desastre, porque faltando o vinho na festa, faltou também a alegria, porque o vinho é símbolo de alegria.
* Somos todos convidados a dar o melhor para que a festa da humanidade aconteça de verdade. Falta cada um dar o melhor de si, caridade, alegria de viver, amor e paz.
* Como dás as tuas ofertas? Que sentimentos te acompanham quando fazes ofertas? Preferes a quantidade ou a qualidade nas tuas dádivas?

segunda-feira, 15 de julho de 2013

A inclusão contra todas as formas de exclusão

Mesmo que silenciosamente, ou se quisermos, timidamente, está a emergir uma Igreja católica inquieta quanto à inclusão contra os intuitos exclusivistas que alimentam o coração de muitos católicos. O sonho de uma Igreja da inclusão é muito forte. Não queremos uma Igreja sectária e reduzida a grupecos de iluminados e purpurados. O sonho do Evangelho é muito mais abrangente. 
O Papa Francisco está a fazer esse caminho de forma muito interessante e desafiadora para todos nós. Obviamente, que inquieta que continue a bater o eco de gestos que excluem contra a ideia forte de inclusão que os sinais do Papa está corajosamente a levar a cabo. No rol imenso dos sinais dos tempos, este sinal do Papa, está a ser o mais interessante e aquele que pode subverter muita coisa cimentada na rocha firme da nomenclatura secular do poder do Vaticano e de uma I. C. que sempre se alimentou do exclusivismo.  E assim, fico seguro que o mundo pode também nem que se seja por arrasto converter-se ao desenvolvimento e progresso que não exclui ninguém. 
O que falamos quando dizemos uma Igreja da inclusão contra uma Igreja da exclusão? – Falamos de uma I. C., que seja mesmo universalista na verdadeira acepção da palavra. Uma Igreja que emerge do Espírito do Pentecostes. Nada e ninguém a trava no que diz respeito ao serviço. Nada nem ninguém a trava quanto à sua incansável procura dos pobres e desprezados deste mundo. A primeira viagem do Papa fora de Roma, a Lampedusa, foi bem reveladora dessa ideia que paira nos intentos papais. Para que veio o Papa? - «Chorar os mortos por quem ninguém chora». Está tudo dito…
A Igreja da inclusão alimenta o sonho de um despojamento do poder à maneira humana. O poder é serviço à luz do Evangelho. O poder é uma mediação misericordiosa para acolher, perdoar e aceitar. O poder é a visibilidade histórica do rosto paterno e materno do Deus revelado por Cristo. A Igreja tem de ser absolutamente uma fraternidade.
Os nossos tempos precisam de uma I. C., que vá ao encontro dos pobres, especialmente, as multidões que enfermam sob a violência das armas, da fome e da doença. A I. C., não pode nem deve ficar só e unicamente voltada para si mesma, deve olhar para o mundo todo e ser sinal de esperança para todos os homens e mulheres. Para que a Igreja não se torne numa seita exclusivista de pretensos iluminados. Entre nós anda algo perigoso a quantidade de grupos, ditos de carismáticos, completamente divididos, com as suas capelinhas e os seus padres de «estimação». A coisa está preocupante e grave.