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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Nos dias do luto pela morte de Eusébio

Nos tempos da morte de um rei, que este ano coincidiu com o Dia exaltante dos Reis vindos do Oriente, os Magos, que sempre trazem alegria, mas este ano trouxeram também morte de um ser humano igual a todos os outros, destinado como todos os outros a passar pelo crivo da morte. Mas parecia que não. Aliás se pensarmos bem, a visita dos Magos são também uma premonição da morte. O Sanguinário Herodes deseja também entregar presentes e adorar o Menino, mas com o desejo de sanar pela morte aquele que lhe faz sombra ao poder.
Os que elegemos heróis não deviam morrer, foram tantos a dizer isto nestes dias de luto. Facilmente, esquecemos que morremos todos, mas queremos que alguns não tivessem que morrer, mas que não sabendo muito o porquê, teria de ser assim, para não nos sentirmos tão órfãos e tão solitário na solidão do cemitério. Muito mal andamos quando esta irracionalidade nos persegue, muito mal estamos se queremos exigir de alguns o que não é possível face aos desígnios da vida e da natureza. Morrer é tão normal como nascer. Não podemos por isso exigir injustamente que alguns por serem considerados heróis não morram. Isso é egoísmo. Mais ainda se sabemos logo à partida que esses ditos heróis são exemplares na preparação da sua finitude. O Eusébio da Silva Ferreira provou isso mesmo, tinha preparado a sua morte. Aquela volta ao relvado do Benfica é bem evidente disto que se diz.
A vida fica mais saborosa sem heróis e quando os pequeninos e os simples, que somos afinal todos nós, são os primeiros a escutar o poeta que grita:
«Vem, pecado, ó belo pecado?
Que os teus esbraseantes beijos
vermelhos derramem ardente vinho tinto no nosso sangue!
Faz soar a trompa do mal imperioso
E atravessa a nossa fronte a coroa da exaltante ilegalidade!
Ó deusa da Profanação
Mancha sem vergonha o nosso peito
Com a mais negra lama do descrédito!»
O som das palavras deste poema vai bater certo no coração dos sem voz e vez. Dos infelizes e dos humildes. Como todos aqueles que nas nossas encostas fixaram o lugar da sua existência. Aqueles mesmos que sem acesso à internet, jornais e telemóveis ou outras técnicas que pululam por aí, cujo único fim é apenas queimar o nosso tempo e dinheiro. Ou então, servem para alimento dos desejos e vícios desmedidos da mentalidade hedonista e consumista da nossa sociedade. Com um isso, se fazem os heróis, os maiores, os grandes, os imortais… Pobre irracionalidade a nossa.
Ninguém se indigna perante tamanha violência. Todos se sujeitam benevolentes a esse espírito dos tempos novos, onde é normal o esquecimento, a cegueira, a arrogância, a irracionalidade e a falsidade. O luto quando morrem os considerados heróis está justificado precisamente aqui neste inebriamento do que nos é imposto, mesmo que seja absurdo tantas vezes. Por isso, destoar neste ambiente, é tremendamente perigoso. 
Deixem os caminhos do povo simples como estão. Deixem-nos encontrar para si o que desejam. Deixem que eles sejam o que são. Isso mesmo, autênticos poetas. Gente sábia que aprendeu tudo na escola da vida. Onde os mestres nunca souberam impor nada com a arrogância de mestres porque nunca souberam que eram mestres sábios. Apenas gente sem se contaminar pelo estrelato da heroicidade.
Do fundo dos abismos, diz São Paulo que emerge a luz. «Em tudo nós somos oprimidos, mas não esmagados, andamos hesitantes, mas não abandonados, perseguidos, mas não desamparados, abatidos, mas não aniquilados» (2 Cor 4, 10). Perante tudo isto, não me contamino com a irracionalidade de dizer barbaridades anacrónicas, o meu caminho continua seguro, quero encontrar a luz da esperança e as razões que justificam o meu sonho.
Por exemplo, aquela de que se o Eusébio tivesse hoje 20 anos seria ainda muito melhor do que aquilo que foi... Será legítimo pensar isto sobre uma pessoa, mesmo que tenha sido um herói? – Quem sabe se pudemos dizer que o Afonso Henriques se vivesse hoje, que Portugal não faria, Portugal seria a Europa toda? – Vamos lá serenar, que cada pessoa é o que é no seu tempo, na sua época. Não ouvi ninguém dizer que se o Eusébio vivesse hoje podia ser um nabo a jogar à bola. É pena que a plêiade de heróis que já povoou o nosso mundo não esteja entre nós para reagirem com a sabedoria que lhe reconhecemos a esta nossa irracionalidade.
Melhor será descobrir mais uma vez, que haverá sempre um silêncio capaz de mostrar que vale a pena viver e que na consciência de cada um de nós, mais ou menos com heroicidade, esse silêncio fala como a voz do sábio que explica a ciência do motor do viver. Deixemos também esse silêncio falar connosco.

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