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quarta-feira, 18 de maio de 2016

Viver na rivalidade

Quanto melhor seria o mundo se nas artérias da vida escorresse também o sangue do respeito uns pelos outros...
Muita gente não sabe viver na rivalidade: com os rivais do seu grupo desportivo, com os atletas competidores, com colegas que trabalham na mesma empresa, com estudantes da mesma escola, etc. É gente que não sabe perder: que não tem a humildade de aceitar a derrota e reconhecer o valor dos outros, e que recorre a atitudes agressivas por palavras ou actos, como nos tem mostrado a televisão tantas vezes.
O exemplo que vou apresentar é uma lição extraordinária de humildade e de convivência na rivalidade. Muita gente conhece – talvez mesmo sem os ter ouvido – os dois magníficos tenores espanhóis Plácido Domingo e José Carreras. Plácido é madrileno e Carreras é catalão. Por razões políticas, tornaram-se inimigos. Contratados para cantarem em todo o mundo, exigiam sempre que o seu adversário não fosse contratado para a mesma actuação.
Em 1987, Carreras foi atingido por um inimigo terrível: uma leucemia. Foi horrível a luta que o obrigou a diversos tratamentos e a um transplante de medula. Teve de ir aos Estados Unidos da América mensalmente. A sua fortuna, embora elevada, esbateu-se rapidamente. Nesta fase de dificuldades financeiras, soube que havia sido criada em Madrid uma Fundação para amparar os doentes com leucemia. Com a ajuda dessa Fundação, Carreras venceu e voltou a cantar. Com o produto que começou a ganhar fez-se sócio da referida Fundação. Ao ler os estatutos, descobriu que o fundador e presidente dessa Fundação era Plácido Domingo. Soube também que o seu adversário criara a Fundação para ajudá-lo. Plácido manteve-se no anonimato para não humilhar o cantor rival.
Foi profundamente comovente o encontro dos dois. Carreras surpreendeu Plácido Domingo num concerto em Madrid e interrompeu a actuação. Subiu ao palco, ajoelhou-se a seus pés, pediu-lhe desculpas e agradeceu-lhe publicamente. Plácido ajudou-o a levantar-se e, num forte abraço, selaram o início de uma grande amizade, que permitiu que cantassem no mesmo concerto juntamente.
Mais tarde, uma jornalista perguntou a Plácido a razão por que criara aquela Fundação para um adversário. Plácido respondeu: “Porque uma voz como aquela não podia perder-se”.
Bela história de nobreza exemplar para todos aqueles que não reconhecem o valor dos adversários e não procuram a reconciliação.
Mário Salgueirinho  

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