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Convite a quem nos visita

sexta-feira, 31 de março de 2017

O mal do mundo

Para o nosso fim de semana. Sejam felizes sempre, nunca prejudicando ninguém...
Naquele momento sem oração nenhuma
alto os sinos soaram nos campanários. 

e sombria e vertiginosa uma neblina 
espessa veio fina
como uma cortina sobre o reflexo
transparente 
batendo inerte e descrente 
sobre o descampado vazio e pobre 
de um homem,
quando chora só 
a solidão do abandono frio incolor
como um moribundo agonizante 
na horizontalidade da perdição e da dor.

mesmo assim sabemos todos
do essencial que lhe falta naquela hora.

implora incansável para sempre
o remédio do mundo 
só pode ser seguramente 
o amor.
JLR

Ressuscitar é reconhecer todos os dias a beleza da vida

Comentário à missa do domingo V Quaresma...
“A Ressurreição de Lázaro” (1890), Vincent Van Gogh.
A ressurreição. Um mistério. Uma fé. Uma proposta de esperança para a vida. Porque resulta do amor vivido até ao extremo e de uma radical entrega a uma causa de salvação do mundo caído na desgraça do egoísmo e do ódio. Há muitos túmulos nesta vida que precisam que se remova a pedra, para que a palavra de Jesus faça acontecer a vida em abundância.
Um exemplo, Justine era uma prostituta apaixonada por um jovem advogado chamado Marcus. A sua vida foi uma caminhada de miséria e de muito sofrimento. Justine dirige um Cabaré (ou casa de prostituição), frequentemente apelidado de «antro de perdição» e de «postíbulo». Mal sabíamos nós que estava prestes a emergir deste lugar imundo um testemunho extraordinário de esperança. Após diversas peripécias Justine passa de uma vida sem amor, uma vida de trevas, para uma vida cheia de amor e morreu feliz por isso.
Deixemos a vida renascer à luz de Cristo vivo que em cada hora torna novas todas as coisas. A ressurreição é esta luz que ilumina as trevas e que nos orienta para o bem. Estar ressuscitado, é mostrar que se está apaixonado pela vida e que essa beleza se renova em cada dia deste mundo, mesmo que muitas vezes as circunstâncias sejam um duro confronto com a morte, com o sofrimento e com todas as injustiças que esta vida implica. Ser sinal de contradição diante do mundo da miséria mortal que nos rodeia, é um grande desafio do ser cristão.
Ressuscitar, é acreditar na vida sempre, mesmo que o crivo da morte nos guarde dentro do túmulo escuro da miséria. É isso que Jesus nos revela com a ressurreição de Lázaro. A pergunta é bem concreta: «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá. Acreditas nisto?».
A vida é muito mais que um corpo que se degrada, a existência é um dom misterioso, invisível, mas vida, vida em abundância porque Jesus venceu a Sua morte e a morte de todos nós para nos oferecer a plenitude e a eternidade. Este acreditar na vida sempre e para sempre, ajuda a transformar o mundo, porque isso consiste em viver com o pensamento na salvação (ideia positiva) desprezando toda a carga negativa que a finitude sempre implica como horizonte futuro. Guardo a ideia belíssima de Victor Hugo: «Morrer não é acabar, é a suprema manhã».  

quinta-feira, 30 de março de 2017

O busto do Cristiano Ronaldo no Aeroporto da Madeira

1. Nada contra que ao nome do "Aeroporto Internacional da Madeira" seja acrescentado o nome "Cristiano Ronaldo ou CR7". O que mais me interessa em qualquer aeroporto do mundo é que o avião onde esteja eu dentro aterre ou descole em segurança. O essencial é isso, tudo o resto é acessório e neste caso em particular, é conversa para entreter. Os responsáveis principais por este carnaval são alguns políticos que me recuso aqui referir porque não é necessário fazê-lo, está à vista de todos, basta estar atento.

2. A ditadura do futebol e o perigo da idolatria dos jogadores têm feito parte do nosso quotidiano nos últimos anos. Tantos esquecem que o futebol converteu-se na loucura dos milhões e que para nadar em milhões tem que produzir um oceano sem fim de pobreza e de miseráveis. Muitos esquecem que cada palma e cada grito que dão gera poucos muito ricos e multidões de empobrecidos. São será por isso que cada vez mais se ouve "vou andar atrás do futebol para eles levarem os milhões". Porém, face a isto estamos a viver um tempo muito esquisito. Discordar desta ditadura começa a ser uma aventura onde vai chover insultos, acusações de inveja, de soberba e quem o faz "está cheio de si", porque "opina sobre tudo o que mexe". Nao há-de ser isso que me vai toldar o cérebro. Nunca deixarei de  proclamar, não aceito nenhuma forma de ditadura e muito menos nenhuma forma de idolatria. Também não precisam de recorrer aos mesmos argumentos, sobejamente gastos, para menosprezarem ou humilharem quem discorde e quem eventualmente não embarque pela moda geral. O mundo e a vida fazem-se com muitas diferenças. Nunca devemos abdicar dessa riqueza que faz a vida e edifica a humanidade. Nenhuma forma de idolatria trouxe aos povos bons auspícios e não consta que alguma vez algum povo tenha progredido quando se deixou manipular pelo poder dos poderosos. Enquanto nos distraímos com tudo isto, mata-se pessoas à facada, moram tantos no olho da rua e falta medicamentos no hospital, coisa que começa a ser fatal, já se morre por causa disso... Engodo é bom mas só para ser usado na pescaria.

3. O discurso do Presidente da República alertou para o seguinte, o acrescento ao nome do Aeroporto da Madeira seria "arriscada". Concordo plenamente. Hoje o Ronaldo está no topo das bocas do mundo, mas é este mesmo mundo que várias vezes levanta pessoas ao nível do bestial mas que da noite para o dia as faz descerem ao baixo nível da besta. Por isso, o futuro o dirá. Mas, espero, sinceramente, que venham à luz do dia os maiores sucessos para todos os Ronaldos do mundo. 


4. O busto do CR7 do "escultor" Emanuel Santos, está tão feia que logo gerou uma enorme campanha pelo mundo inteiro sobre o assunto. Vieram a lume imagens associadas, cartoon's e um debate enorme nas redes sociais. Até podemos dizer que estragou a festa e deixa aos olhos de todos algum ridículo, que esteve presente desde aquela primeira hora quando o Presidente do Governo anunciou que pretendia acrescer ou mudar o nome do Aeroporto Internacional da Madeira para Cristiano Ronaldo. A partir daí foi um "vê se te avias" novelesco.

5. Ai, como somos pequeninos! Está visto... O Ronaldo tem muita sorte a facturar milhões jogando à bola, mas não tem sorte nenhuma com estátuas e bustos. Alguns dizem que é arte. Certo. Mas quando se arrisca reproduzir a imagem de uma pessoa viva, há logo temos a possibilidade de compar, é inevitável.  As entidades que assumiram esta desgraça revelam mau gosto e falta de senso. Deviam ter visto antecipadamente o resultado da obra que assumiram, mas mesmo assim apresentaram este mau gosto à região e ao mundo. Daí que não admira nada o festim de chacota que esta "coisa" provocou. Lamento que a Madeira tenha oferecido de bandeja este argumento ao crivo do mundo mediatizado que temos hoje e que fique para a história um busto feio e ridículo que não promove a Madeira nem muito menos a pessoa a quem se refere.  A Madeira fica mal neste busto, graças a "namoradinhos" atabalhoados que andam por aí à solta, que pretendia agradar de qualquer maneira a sua "namoradinha". É com tristeza que escrevi este texto, é com profunda tristeza que se tenha oferecido ao mundo esta fealdade dispensável.

terça-feira, 28 de março de 2017

Deu e eu

«Deus e eu», esta semana com o nosso amigo Bernardo Trindade. Acompanho o Bernardo há muito tempo, quer ao nível da sua actividade política, quer no domínio empresarial (PortoBay Hotels&Resorts) e há alguns anos a esta parte o seu percurso religioso. Daí que a este nível, hoje ofereça-nos um escrito exclusivo para esta rubrica do Banquete e para que os leitores deste espaço possam saborear um pouco da sua surpreendente «biografia religiosa» (para utilizar uma expressão sua)... O seu testemunho sai para nós muito oportuno, em tempo de Quaresma, pois é ocasião propícia para sermos confrontados com a necessidade do perdão, para «sabermos que apesar de perdoados devemos continuar a sermos melhores. Melhores com o outro». Muito bonita a sua reflexão-testemunho. Um muito obrigado. Ah... Já me esquecia, é um fervoroso adepto do Sporting. 

Bernardo Trindade
Exortado pelo amigo Padre José Luís Rodrigues, aqui vai um pequeno testemunho sobre o meu relacionamento com Deus. Não pretende assumir qualquer carácter educativo ou dogmático mas tão só a partilha, neste metro quadrado, de uma visão, da minha visão sobre a minha relação com Deus.
Para isso importa que desvendemos um pouco a nossa “biografia”, a nossa biografia religiosa: fui batizado muito novo, como aliás a grande maioria de nós, mas, a partir daí, não cumpri mais nenhum sacramento, não cumpri, até aos 40 anos. Sim, aos 40 anos, por influência de um amigo especial e por estar a passar por uma fase diferente em termos profissionais, fui convocado a olhar para a vida de uma forma diferente. Como tão bem recorda Ortega & Gasset, nós somos nós e a nossa circunstância, e a minha circunstância determinou essa aproximação a Deus. Devo dizer, no entanto, que apesar do cumprimento dos sacramentos da comunhão e do crisma, a relação que tenho com Deus é tudo menos dogmática, é exigente, tem muitos altos e baixos, e é sobretudo assente na necessidade de me descentrar de mim próprio e olhar com cuidado para todos os que connosco se cruzam.
A minha relação com Deus, é uma relação liberal nos valores, é uma relação diria do séc. XXI, é uma relação que parte da nossa condição frágil de quem falha, falha tantas vezes, falha todos os dias. É uma relação com dúvidas, tantas, mas que no final é reforçada pela nossa condição de agir diferente. De agir olhando para o outro.
É uma relação que vive num ambiente confortável da misericórdia de Deus. Do perdão face à nossa condição terrena de pecadores, e de sabermos que apesar de perdoados devemos continuar a sermos melhores. Melhores com o outro.
Lembro-me todos os dias da personagem Kijiro do filme Silêncio de Martin Scorsese. Ele Kijiro que tantas vezes renunciou a Deus para se salvar, teve sempre a misericórdia de Deus. Não tendo sido obrigado a renunciar o que quer que fosse, sinto-me tantas vezes Kijiro. Uma condição frágil repleta de dúvidas, mas com o objetivo de atingir um dia o plasmado no salmo do evangelho:
“O Senhor é meu pastor, nada me faltará “
É nisso e por isso que quero continuar a caminhar.

Madeirense da bola

Associo-me à festa. O mundo da bola é contagiante...
Com as chuteiras pontiagudas pisa a relva
anda pelos campos do mundo determinado
o mais famoso emigrante da Madeira.
Ei-lo firme no chão de pé sempre pronto
para dar o pontapé seguro e certeiro na bola
é o CR7 feliz pelo clube, pelo país, pela região
mais ainda corre pelo gosto de ver feliz todo o povo
que vibra nos campos e fora deles
quando finta e quando dribla com os pés
que amassaram o destino e o génio da bola.
São tantos os olhos Cristiano Ronaldo aos teus pés
o teu saber desportivo pulsa cada alma fortemente
nele vai o sonho do mundo português do nascente ao poente
e por aqui sempre será ainda mais forte eternamente

se nos lembramos que és fruto do povo madeirense.
JLR

segunda-feira, 27 de março de 2017

Três Ave Marias pela conversão da Rússia

1. Tanto que rezei pela "conversão da Rússia"! Porém, à medida que os anos foram passando, crescendo em estatura e progredindo intelectualmente, descubro na verdade, que a conversão da Rússia aconteceu já no século X, mais exactamente em 988, quando Vladimir, o Grande (958-1015), príncipe dos Rus de Kiev, foi baptizado e obrigou ao baptismo toda a família e todos os seus súbditos. Os Rus de Kiev são, segundo a narrativa dominante, os antecedentes de russos, bielorrussos e ucranianos nossos contemporâneos. Foram estes eslavos vindos de Leste que, sob a dinastia Rurik, mais tarde viriam também a fundar o Ducado de Moscovo, e é também desta dinastia o 1º dos Czares.
O "Batismo de Kiev" sob o comando de Vladimir, o Grande
(Klavdiy Lebedev, 1852-1916)

2. Portanto, aquele absurdo de pôr a rezar, pequenos e graúdos, pela "conversão da Rússia" tinha em vista o quê concretamente? - Tantas vezes ouvi no final da reza do terço, aquele suplemento das três ave Marias pela conversão da Rússia". Não é que tal fosse necessário, mas fazia parte da construção à volta de Fátima, que naquele ambiente sombrio do medo contra os comunistas, que na altura comiam criancinhas ao pequeno almoço, tínhamos nós que rezar pela conversão daqueles malvados que na Rússia tinham o seu ninho. Um infantilismo que se dispensava, não fora tanta pieguice à volta de Fátima e tanta instrumentalização para que tal fenómeno se impusesse como se impôs. A baboseira teima em continuar, mas até penso que este caminho vai fazendo engrossando o número daqueles que olham Fátima com desconfiança e que recusam tudo o que este fenómeno implica. 

3. Tudo isto se passava nos ambientes mais profundamente religiosos, escolas de freiras e frades, seminários, paróquias, grupos, movimentos e famílias... Era quase todo um país tomado por uma causa enorme, rezava devotadamente pela conversão de um outro povo que andava nas trevas e que sob um milagre de Nossa Senhora Fátima logo veria a luz da salvação. E não é que já veio. Hoje ninguém reza pela "conversão da Rússia", os seus líderes já são iguais aos nossos e por aqueles lados deixou de existir opressão e não se fala nada de máfias e muito menos de corrupção. 

Não me levem a mal, a mas desde que descobri o quanto tinha de fraude aquele suplemento das três ave Marias pela "conversão da Rússia", fiquei um pouco furioso comigo mesmo, porque embarquei na ideia que aqueles pobres coitadinhos da Rússia andavam tão perdidos e desgraçados nos caminhos da perdição. 

4. Só quem tenha vivido neste ambiente é que pode perceber muitas das mensagens que andam a circular a propósito dos 100 das aparições de Nossa Senhora de Fátima na Cova da Iria e que associam as mudanças na Rússia à "conversão da Rússia" que os pastorinhas tanto falaram em nome de Nossa Senhora. Foram as palavras milagrosas da Glasnost e da Perestroika de Mikhail Gorbachev que trouxeram a luz. A Glasnost (transparência, em russo) e a Perestroika (reestruturação, em russo) foram medidas políticas e económicas adoptadas na ex-União Soviética, em meados da década de 1980, durante o governo de Mikhail Gorbachev. Tinham como principais objectivos modernizar e abrir a economia soviética, além de garantir maior abertura política. Estas medidas foram as principais responsáveis pelo fim da União Soviética e do seu sistema político económico (socialismo), que vigorava desde a Revolução Russa de 1917. Foram também de fundamental importância para o fim da Guerra Fria. 

5. Foi tão irónico ver o vídeo de Zita Seabra, uma antiga ferrenha comunista, agora assumidamente convicta ex-comunista, a fazer a apologia de que sim senhora, foi muito importante Nossa Senhora de Fátima para a "conversão da Rússia" e que teria acontecido nos anos 80 do século passado com a Perestroika de Gorbachev.

6. Seria bom que as comemorações dos 100 anos das aparições de Fátima tivessem alguma dignidade. Acho que Nossa Senhora e nós hoje dispensamos a infantilidade que desde sempre norteou - e aliás, coisa que parece continuar - muitas das acções à volta de Fátima.

sexta-feira, 24 de março de 2017

O deserto

Para o nosso fim de semana. Sejam felizes sem prejudicar ninguém...
Para um encontro contigo atravessei a luz
para vencermos como amigos todas as ameaças
para escutarmos unidos a palavra contra o medo
nunca dispenso o caminho feito na amizade

Por uma causa deixei tudo e fui sereno
a minha noite era um momento 
o meu encanto circular de onde venho
o meu despertar na água por um reflexo
extasiado por ti abandonei o ruído 

Nesse recanto do deserto sem palavras
o dia é longo parece que estava friorento
era eu que na brisa me tinha desnudado

Por fim a delicadeza do mistério me vestiu
e na queda aprendi a levantar-me com o vento
JLR

quinta-feira, 23 de março de 2017

As cegueiras que nos tomam a visão da alma

Comentário à missa do domingo IV da Quaresma. Pode servir a alguém...
La feliz ceguera (S. Bustamante)
Santo Agostinho diz o seguinte: «As obras do Senhor não são apenas factos: são também sinais. E, se são sinais, para além do facto de serem admiráveis, devem certamente significar algo. E encontrar o significado destes factos é por vezes bem mais trabalhoso do que lê-los ou escutá-los».
A cura do cego de nascença é um desses sinais. Este milagre revela que Jesus é a luz do mundo e vem libertar a humanidade de todo o género de cegueira. É óbvio que esta cura resulta da fé daquele homem. Só a fé conduz ao milagre do sentido da vida, à esperança na plenitude da luz.
Hoje precisamos deste horizonte no coração da humanidade como o pão para a boca. A crise de fé na dimensão da transcendência humana é muito grande e conduz à cegueira do desespero. Quanta infelicidade há por aí, que podia ser simplesmente convertida em felicidade se a justiça, a solidariedade e a amizade fossem os ingredientes da vida quotidiana de muita gente. Ainda não é, porque as escamas da cegueira estão bem impregnadas e não permitem a visão clara.
O simbolismo do gesto de Jesus radica no desejo que devemos sentir quando a cegueira interior nos persegue e nos faz mergulhar na escuridão do sem sentido da vida. O mundo que nos rodeia não enxerga o bem que Deus quer edificar a favor de todos. A humanidade cega-se com a ganância e o egoísmo que levam à injustiça, à falta de respeito pelos outros, em especial, os mais fracos. Daí que os espírito da vingança seja tão grande e vá ditando as regras da conduta humana.
Todo este ambiente traduz a ausência do respeito que é o abandono dos idosos, a violência doméstica, a exploração das crianças, o desemprego, a mentira, a calúnia, a vingança, o desgoverno das autoridades públicas e, numa frase, estamos com uma ausência de valores em todos os domínios da sociedade. Assim, falta-nos a todos olharmos Jesus de Nazaré, o verdadeiro libertador e dizermos: «Eu creio, Senhor» para que a libertação das nossas cegueiras seja uma realidade e todos possam convergir para um mundo mais fraterno e justo.
A violência das palavras e das atitudes, a insegurança perante o terrorismo, a desconfiança sobre os outros quer ao nível da sua religião e das duas opções políticas, estão a minar a boa convivência social e a fazer com que a humanidade se encegueire com o ódio, com o rancor e com o espírito de vinganças. Precisamos de descamar os olhos da alma para ver claro o essencial que está centrado na paz e na fraternidade.

Copos e mulheres

1. A onda de indignação no sul da Europa foi grande. Não podia ser de outra forma. Se fosse um qualquer de nós a dizê-lo até se podia considerar como bem visto e acertado. Porém, veio de um sr. com alguma relevância e importância nos destinos da Europa. O seu nome é Jeroen Dijsselbloem, o ministro das finanças holandês e presidente do Eurogrupo (a entidade que reúne os ministros das finanças da zona euro). Disse o homem: "durante a crise do euro, os países do Norte mostraram solidariedade com os países afectados pela crise. Como social-democrata, atribuo uma importância extraordinária à solidariedade. Mas também deve haver obrigações, não se pode gastar todo o dinheiro em copos e mulheres e depois pedir ajuda". Gasóleo para a fogueira, sexista e grau elevado de soberba. 

2. A frase aplica-se que nem uma luva a tanta gente que andou e anda por aí a gastar o seu e o dos outros em meandros etílicos e com "mulheres de má vida". Porém, não deve ser aplicada aos povos do sul, do norte, do leste e do oeste. Cada povo tem gente de toda a espécie. Gente do melhor que pode haver: trabalhadora, generosa, honesta, respeitadora e cumpridora dos seus deveres... Mas, também tem gente do pior que pode haver: assassinos, adúlteros, desonestos, fundamentalistas, terroristas, violadores das regras e da sã conduta nas palavras e nas atitudes. Um povo faz-se com todos e com tudo. E nenhum outro povo pode ou deve considerar-se superior em nada. As grandes barbaridades da humanidade começam assim. As Cruzadas, a Inquisição,  o Holocausto, os Gulag, o Estado Islâmico e tantos outros regimes em tantos lugares do mundo onde a prevalência do terror tem como princípio legitimador essa vanglória absurda de que nós somos os maiores e os melhores os outros carne para abater e queimar. 

3. As declarações do sr. Joroen são perigosas, sexistas e xenófobas como tantos dirigentes, especialmente, os do sul da Europa afirmaram. Mas alguns entre nós gostaram tanto do comentário que até andam a dizer que sim senhor o homem tem razão e até vão buscar exemplos para provar que assim foi e é. Mas, esquecem que nada daquilo que a Europa nos tem dado tem sido de não beijada. Tudo tem sido pago com suor e lágrimas e não com "copos e mulheres". Não fomos nós os do sul que tivemos e ainda estamos sufocados com uma austeridade desumana que fechou empresas lançando no desemprego, na emigração e na pobreza tantas famílias? - Sim, esta pergunta é sobre os últimos anos de vida dos povos que vivem no sul da Europa. E foram estes mesmodirigentes que apontaram tais medidas salvadoras em nome dos números dos deficits, agências de mercados financeiros e profundamente aliados às falcatruas dos bancos que foram aliciando os povos com a engenharia financeira do lucro fácil...

4. Neste sentido, concordo com a ideia de que este sr. não reúne condições para continuar no cargo. O ambiente de terrorismo e de violência em que andam mergulhadas as sociedades europeias, despensa dirigentes incendiários. É preciso serenidade e apelos que tenham em vista a compreensão e solidariedade entre os povos que levam à união dos povos. Requer-se uma solidariedade desinteressada que promova a dignidade dos povos e não uma caridadizinha qualquer que os inferioriza e que no causo até os humilha.

terça-feira, 21 de março de 2017

Deus e eu

Deus e eu
Isabel Cardoso, com texto exclusivo para o leitores do Banquete da Palavra. Obrigado Isabel, por esta viagem à sua interioridade. Valeu...
Antes de tudo, Tu estavas comigo. Sabia-Te comigo. Eramos um só. A Tua ternura guiava a menina que eu era. Não havia ruído, só o Teu silêncio. Não havia ruído, só a alegria e a Esperança. Quando os ruídos aumentaram, a Tua voz foi ficando distante, pelo menos, parecia-me que ecoava, cada vez, mais longe. Os ruídos fazem parte do crescer e no meio das coisas inúteis a que atribuímos tanta importância, esqueci-me, muitas vezes, de Te ouvir. Falávamos mas andava tão entretida a usar de soberba com a Vida que as nossas conversas caíam no esquecimento. Mas Tu ficaste sempre lá. Fazias-Te presença no riso dos meninos, na imensidão do céu, na profundidade do mar, nas palavras dos sábios e dos inocentes, no grito do próximo, à mesa com os aflitos. A Tua voz nunca se impõe e houve momentos em que escolhi não ouvi-La ainda que Te soubesse lá. Reconhecia-Te no sopro do vento, na música e na poesia, na lágrima que se partilha, na mão que se estende, no hálito do recém-nascido, nos sonhos que se comungam, no olhar dos que estão preparados para partir. Por tudo isso, queria ser participante na construção do Teu Reino e buscar a Tua Justiça mas fui mais a filha pródiga do que a comungante da Tua promessa. Agradecia-Te as dádivas distraidamente. Perdoa-me, afinal, não sabia verdadeiramente que conheces todos os caminhos e todas as necessidades e que a todos ofereces, sem condições, o Teu Amor. Cobardemente cheguei a zangar-me Contigo. Quando a amargura e a tristeza me visitaram, a Tua presença fez-se fraternidade. A Tua misericórdia trouxe-me de regresso a casa. Tu estás sempre aqui. Já não temo tanto as fraquezas e as falhas, sei que nos amas nas imperfeições. Tento abafar o ruído e ouvir-Te. Tento. Tento pela Fé, na Esperança, aceitando o Teu Amor. Tento.
Isabel Cardoso

A camarada Zita Seabra

Não fui eu que escrevi a frase seguinte, mas como concordo totalmente com ela aqui vai: "A camarada Zita Seabra aparece num vídeo da Igreja Católica celebrando o 13 de Maio, estabelecendo a relação entre o centenário das aparições e o da revolução russa, para declarar a vitória de Fátima sobre Lenine. Depois de ver um modelo de virtudes proletárias, a mais dura dos comunistas no tempo de Cunhal, convertida numa beata devota da Nossa Senhora de Fátima, sou capaz de acreditar que um dia destes Maria Cavaco Silva ainda se vai inscrever na JCP, fazendo o percurso inverso ao da camarada Zita".
Mas, acrescento o seguinte, que tal sugerir ao alto dos céus, que façam acontecer um "milagre" assim tão piedoso como o da camarada Zita, que veio da linha mais dura do PCP, suponho que ferrenha fiel do ateísmo, salta para o colo do PSD e agora já está como defensora piedosa de Nossa Senhora de Fátima e do milagre da conversão da Rússia.  Que tal, face a este exemplo tão luminoso, rezarmos todos para que a mesma entidade que trouxe a luz à Russia, que a camarada Zita agora admira tanto como admirava antes de se converter, ao tempo de Lenine, converta todos os hereges que ainda fazem peso sobre a terra, especialmente, aqueles camaradas que ainda não fizeram o mesmo percurso de piedade como fez a camarada Zita e que estão em ninhos de perdição, por ex. o seu antigo partido PCP, onde uma grande parte se confessa pouco ou nada adeptos de religiões e religiosidades tipo as da Cova da Iria. Eu ficava tão comovido como me comove, não a tão propalada conversão da Rússia, mas a conversão da camarada Zita e o seu esquisito percurso político, mas também o seu percurso de vida iluminado pela fé. Aprontem-se camaradas, Deus não dorme...
Podem ver o vídeo AQUI

segunda-feira, 20 de março de 2017

Caminhando pela vida de Conceição Pereira

1. Andam para aí a dizer que hoje é o dia da felicidade. Como se pudéssemos intervalar a felicidade e remetê-la para celebrá-la apenas num dia só do ano. A felicidade é para sempre, com altos e baixos, é certo, mas existe sempre e até na solidão, em algum sofrimento pode transparecer a felicidade. Os lugares da oração quotidiana e da provável infelicidade, segundo crê a lógica deste mundo, têm sido desconcertantemente as maiores ofertas de felicidade. Os dias da felicidade só podem ser todos os dias.
2. Tenho em mãos um livro magnífico, «Caminhando pela vida», de Maria Conceição Pereira. Um enorme surpresa que tem sido uma felicidade enorme estar a ler. Mais ainda, é uma felicidade, se  vos testemunhar que chegou às minhas mãos pela mão generosa da autora, com uma simpática e bonita dedicatória. Gostaria de alinhavar aqui algumas ideias em jeito de comentário para que muitos mais madeirenses desfrutem do prazer desta leitura. Para facilitar a minha vida e dar-vos a possibilidade de percorrerem comigo o livro, estruturo o que pretendo dizer desta forma: a) a infância da autora e o apego à sua terra, o Seixal; b) a descoberta da cidade (Funchal) - e a vida que a cidade implica; c) A emigração; d) a intervenção política; e) estamos, seguramente, perante uma mulher de causas...
3. Caminhando pela vida, Conceição Pereira, conduz-nos pela mão aos cantos do Seixal, calcorreando veredas, as casas, os poios, as pessoas, a igreja, a catequese, a escola e a vida toda da sua freguesia onde ela viu a luz do dia. O cenário deste quadro bucólico está bem delimitado pelo mar e pela imponente montanha que a norte do Seixal se impõe. Dessa infância e juventude retém tudo o que o Seixal oferecia, os usos e costumes, a ruralidade sem que nada venha proibir o inconformismo e a vontade de progredir, vindo futuramente a construir o futuro da sua vida que as páginas do livro nos revelará.
4. A descoberta da cidade do Funchal, apresenta-se como  o segundo passo na história da sua vida. Abrem-se novas possibilidades. Embora as limitações do «Estado Novo» fossem tão cerceadoras, particularmente, para as mulheres,  na cidade pode aprender mais e permitiu-lhe a experiência do emprego. Mesmo face ao ambiente repressivo e à marginalização geral das mulheres da vida cívica, dá os primeiros passos na política e na mundo sindical, na acção Católica, Oposição Democrática e no Sindicato de Empregadores de Escritório e Caixeiros. Esta acção é já bem reveladora da mulher de causas em favor dos outros, especialmente, naquilo que se vai revelar depois, na lutadora intransigente pelos direitos e dignidade das mulheres.
5. Nos anos 60 e 70, a perseguição da ditadura, a pobreza generalizada, determinaram que uma porção enorme de portugueses emigrassem. Conceição Pereira foi para França, Paris. Aqui ainda mais sentiu a necessidade de aprender, porque confrontada com as condições miseráveis das mulheres emigrantes, especialmente, as empregadas domésticas, viu-se tomada pela sua veia de lutadora inconformada com a injustiça.  Movida pelo entusiasmo da Revolução do 25 de Abril, regressou à Ilha da Madeira, onde vai continuar os seus estudos para que possa vir depois a assumir o ensino como professora. Mesmo assim, nunca deixou de estar presente no mundo da política partidária e sindical, a causa da luta pelos direitos dos trabalhadores e a dignidade das mulheres foram o seu horizonte, pois nunca deixou de ter como elementos inspiradores essa causa na sua acção e nas suas opções, quer pessoais quer partidárias.
6. No prefácio o professor Nelson Veríssimo, traça o essencial da sua intervenção política: «sempre encontramos Conceição Pereira em manifestações, comícios, debates e acções cívicas, a distribuir propaganda e a colaborar na imprensa». Sempre contra as diatribes do Jardinismo, contra ao regime da colonia, pelas mulheres e trabalhadores, no Sindicato dos Professores,  foi militante da UDP e hoje do Bloco de Esquerda, foi deputada à Assembleia Regional da Madeira. Sempre sem parar de lutar, é uma mulher empenhada nas lutas pelo bem comum, a igualdade, a inclusão e por todos os direitos que sempre são coarctados pelos poderosos às classes mais frágeis, especialmente, os trabalhadores e as mulheres. Mais claro é impossível: «Cada um coloca-se do lado que quer, mas um Bispo pôr-se ao lado daqueles facínoras era coisa que não cabia na minha cabeça» (p. 96). Refere-se ao Bispo Saraiva que puxou as orelhas aos movimentos da Acção Católica, por causa do posicionamento político que assumiram nas eleições de 1969 para a Assembleia Nacional, aos tempos da Primavera Marcelista.
7. O livro é apenas uma parte da vida intensa e grande de uma figura que nos revela uma vontade sempre maior que a sua terra natal, mais vasta que o segundo lugar onde chegou, a cidade do Funchal. E até a cidade de Paris, parece não caber a inquietação de Conceição Pereira. Feliz a hora em que regressa para a ilha, para que entre nós ponha em acção toda a sua vontade e o seu saber em prol do bem comum e da justiça. Conceição Pereira, certamente, ficará na história do povo da Madeira, como uma  mulher guerreira e como um exemplo a nunca ser descorado por todos/todas as pessoas que implementem a luta pelos direitos dos mais fracos, particularmente, quando confrontados com a violência que consume o mundo feminino. No âmbito do clero, faz uma pequena referência à obra incontornável do Padre Marques na Paróquia de Fátima e na Lombada da Ponta de Sol. Um prazer enorme estar a passar algum tempo na leitura deste livro.

sábado, 18 de março de 2017

Diálogo improvável sobre a água viva

Comentário à missa do próximo domingo III da Quaresma...   
Neste domingo, somos confrontados com um encontro, entre uma mulher e um homem. Jesus e a Samaritana. É o resultado de duas pessoas que procuram o mais delicado e profundo da existência. Jesus encontra fé onde ninguém espera que tal aconteça, no coração de uma Samaritana (uma estrangeira repudiada pela religião e cultura judaicas). Lembro que os samaritanos eram considerados de «cachorros» pelos judeus ao tempo de Jesus.
A mulher, que no desenrolar do diálogo, descobre-se a si mesma, se sente livre, restaurada e encontra o Messias esperado há tantos séculos. Este encontro fura todas as regras. Jesus nunca poderia fazer diálogo fora de casa com uma mulher. Uma ousadia. Os samaritanos eram considerados impuros. Qualquer aproximação entre os povos desavindos seria considerada uma ousadia criminosa. Porém, o mais importante é que Jesus entra em diálogo com uma pessoa de quem não se espera nada de relevante e pede ajuda material, para logo depois conceder o mais importante para vida, alimento espiritual. Jesus argumenta que todo aquele que beber da água do poço de Jacob, voltará a ter sede, mas qualquer um que beber da água que Ele lhe der, nunca mais terá sede.
O caminho que a mulher samaritana percorre é o nosso caminho de cristãos em busca de Deus. Face à tentativa constante da samaritana que regressa ao passado, Jesus faz olhar para o futuro e tomar consciência de que ao mundo chegou uma novidade e que esta renova toda a vida. A experiência desta mulher revela que cada um pode ter a sua experiência pessoal com Jesus, basta acolher a água viva do amor que Jesus nos oferece.
Para que a nossa vida não se consuma na depressão dos dias e para que tenhamos horizontes largos que nos façam ir mais longe daquilo que nos rodeia apresento-vos a seguinte parábola: um homem sentia-se continuamente oprimido pelas dificuldades da vida. Foi lamentar-se com um mestre espiritual e disse-lhe: — Não posso mais! Esta vida é-me insuportável! O mestre pegou então numa mão-cheia de cinzas e deixou-as cair num copo de água límpida que tinha sobre a mesa, dizendo: — Estes são os teus sofrimentos. Toda a água ficou turva e suja. O mestre entornou-a. Em seguida, pegou numa outra mão-cheia de cinza, e mostrou-a ao homem. Depois, aproximou-se da janela e atirou-as ao mar. As cinzas dispersaram-se imediatamente e o mar continuou exactamente como era antes. O mestre perguntou-lhe: — Entendeste o significado do que eu fiz? Ele respondeu: — Não. O mestre explicou: — Todos os dias deves decidir ser um copo de água no mar.
Os nossos dias reservam-nos alegrias, tristezas, desafios e dificuldades de toda a ordem. A questão está em saber gerir as dificuldades, de modo a não nos deixarmos perturbar por elas. Deixemos que o tempo seja como o mar onde elas se vão diluindo. Chico Xavier soube dizer isso de forma interessante e completa: «A gente pode morar numa casa mais ou menos, numa rua mais ou menos, numa cidade mais ou menos, e até ter um governo mais ou menos.
A gente pode dormir numa cama mais ou menos, comer um feijão mais ou menos, ter um transporte mais ou menos, e até ser obrigado a acreditar mais ou menos no futuro.
A gente pode olhar em volta e sentir que tudo está mais ou menos... Tudo bem!
O que a gente não pode mesmo, nunca, de jeito nenhum... É amar mais ou menos, sonhar mais ou menos, ser amigo mais ou menos, namorar mais ou menos, ter fé mais ou menos, e acreditar mais ou menos. Senão a gente corre o risco de se tornar uma pessoa mais ou menos». 
A mensagem que Jesus dirige à Samaritana tem muito que ver com isto, a água da mulher, é água deste mundo, que mata a sede humana e física - importante também - mas a água viva que Jesus oferece preenche o sentido da vida e faz-nos voar até ao alto da plenitude da existência, a eternidade que Jesus nos oferece. Sejamos lúcidos, acolhendo esta realidade como sentido para a nossa vida enquanto estamos neste mundo para que sejamos sempre muito felizes e com isso ajudemos os outros a serem também felizes como nós.

sexta-feira, 17 de março de 2017

A mensagem

Para o nosso fim de semana. Sejam felizes sempre, nunca prejudicando ninguém...
Os meus sentimentos agarraram a palavra 
que em silêncio foi conjugada por dentro
e como se eu fosse Deus recriei-a 
dando-lhe som e luz para que falasse

Ela é parte de um livro segurado pelas minhas mãos
que trazia todas as histórias do mundo
mais ainda o sentido 
de uma mensagem luminosa
que por momentos me fazia descansar o olhar
pela tarde no crepúsculo secular em cima da água

Nunca foi pretensiosa como tantas outras palavras
que reduzem a escombros as casas
por isso devemos ao seu autor 
letra a letra a sua reabilitação colocando-a devagar
no sentido original do som

Tantas vezes foge-me a palavra 
nos momentos da infelicidade
porém como caçador que remexe a mata toda
para levantar a lebre 
eu sou esse persistente homem que procura por ela
para a saborear inteira na mensagem 
JLR

quarta-feira, 15 de março de 2017

Quatro anos de Papa Francisco

1. Celebramos no dia 13 de março de 2017, 4 anos da eleição do Papa Francisco. Um pontificado excelente. Porém, melhor do que ninguém, o Papa Francisco, sabe que não é fácil enfrentar uma instituição cimentada em alicerces seculares.

2. Eles são uma plêiade de religiosos que vivem confortavelmente em comunidades ricas e luxuosas. Eles são o clero aburguesado que não estuda e que não sai da catequese mais corriqueira, devocionista e infantil. Eles são as mulheres poderem receber todos os Sacramentos, que são sete, menos o Sacramento da Ordem. Eles são o estigma contra os casais que falharam no casamento, o drama das mães solteiras, as famílias monoparentais, que são cada vez mais e os recasados ou unidos de facto em segunda relação ou mais.

3. Mas eles são também, os leigos que vivem num infantilismo confrangedor a sua fé e a base mais visível da pastoral está exclusivamente no devocionismo. Eles são preconceitos graves contra a homossexualidade e receio que em muitas franjas da Igreja Católica exista uma homofobia horrível, que exclui sob a batuta do desprezo doentio, embora albergue tantos clérigos com tendências homossexuais bem evidentes e tantos «pecados» (escândalos insuportáveis) relacionados com a pedofilia.

4. E ainda, eles são o facto de reinar uma insensibilidade enorme perante aquilo que se designa hoje «os pecados sociais»: a injustiça, a corrupção, a desigualdade, a pobreza, a ecologia, as migrações (refugiados) e todas as situações/desafios deste nosso tempo que deviam ser a principal preocupação de toda a Igreja para que se fizesse jus à magnífica expressão do Concílio Vaticano II quando fala dos «Sinais dos Tempos».

5. Por fim, eles são a nível político, aquilo abala sobremaneira as democracias, os desafios dos populismos que varrem o mundo todo, que levanta muros contra os estrangeiros e os deslocados da guerra, do terrorismo e do fundamentalismo religioso. A par de tudo isto impõe-se ferozmente a «economia que mata», com a austeridade para os mais frágeis, geradora de corrupção desenfreada e mentiras atrozes que prejudicam a vida de todos.

6. Por conseguinte, em termos religiosos, mais voltados para dentro das Igrejas Católicas, devemos dizer honestamente que a continuarmos assim, vai continuar a aumentar em todo o mundo a ideia de que aquilo que Roma prega não é praticado pela maioria dos fiéis, como está bem claro no caso da doutrina sobre a sexualidade, as questões sobre a vida em geral, a opção pela pobreza e a teologia do encontro, temas mais que badalados pelo Papa Francisco. Em todo o caso nada está perdido, se existir coragem e muitos seguirem os passos do Papa Francisco, que procura responder a todas as situações com a Palavra de Jesus e com a mais pura naturalidade faz como Jesus faria se estivesse em carne e osso no meio de nós neste século.

terça-feira, 14 de março de 2017

Deus e eu

Esta semana com Miguel L. Castro Fonseca Henriques...



Se falo de mim e de Deus, tenho de falar do outro que me revela Deus em mim. Deus e eu é uma relação que deriva da relação que tenho com o outro, onde vejo a presença ou a ausência de Deus. Se o inferno são os outros, o inverso também é verdade, Deus vê-se nos outros. Mas quer a presença, quer a ausência de Deus nos outros, pode derivar não dos outros, mas da ausência de Deus em mim, que não o faço presente na vida dos outros, e, sobretudo, me abstenho de tornar presente Deus na vida das outros quanto e quando mais pressinto que Deus está ausente da sua vida. Os outros são os que gravitam na periferia do eu, e, como cada eu tem a sua periferia, eu sou também os outros e os outros fazem parte de mim. Se nos retirarmos, Deus está ausente. Retiramo-nos quando ignoramos o outro nas suas necessidades corporais e espirituais: Deus está ausente se há fome, sede, frio, no corpo e na alma, falta de tecto ou de palavra, ignorância, horizonte, alegria, perdão, paciência, perda de memória. Mas logo o coração se abre ao outro e eis que Deus está de volta. Ou seja, as ausências de Deus são as nossas ausências. É a mim que me cabe trazê-lo de volta. Deus é essa realidade imanente que deriva das nossas ações. É aqui e não lá que se quebra essa linha que, epistemologicamente, separa os que creem na transcendência, pois que ele vive ou não vive, aqui e agora, por exclusiva decisão e responsabilidade nossa. Mesmo se o devirmos em valores universais, seja a liberdade, o amor, a caridade, enfim, a transcendência, que, como abóboda, não se sustenta se não assentar em pilares de base, fuste e capital erguidos sobre as nossas ações. É legítimo dar-lhe um perfil antropomórfico, cada um de nós, com a ideia de Vítor Hugo de que, se o Universo é infinito, tinha de ter um eu, senão não seria infinito. Podemos até lhe darmos um rosto à medida dos nossos conhecimentos. Jesus é o ser amável que conheço para ser o rosto de Deus. Através de Jesus, posso me relacionar com Deus, mas devo aceitar que cada um estabelecerá esse diálogo como bem entender, desde que os valores universais superem a linha que me dilacera e que divide os designados, pela sua forma de relação com os valores, em crentes e ateus, e todos compreendam que esses valores universais partem da imanência de cada ato. Cada ser realiza-se em unidade com os outros, o que se pode traduzir na oração que une habitantes de todo o universo, Pai Nosso e assim na terra como no céu. Somos todos filhos do universo. 

Domingo passado foi dia de indignações com graça

1. Entre todas as notícias que nos chegaram no domingo passado, a mais engraçada de todas foi a que nos presenteou o JM-Madeira: «Estrangeiros não querem galos a cantar no Jardim do Mar». Aprendi que os barulhos altos e mudanças nos níveis das luzes, tudo isso é tido em conta pelo galo como uma ameaça e ele não deixa por menos, canta para mostrar quem é que manda. Nesse caso, a função é bradar mais alto frente ao inimigo. E isso não acontece apenas nas primeiras horas do dia, mas sim em qualquer hora em que o animal considerar que está correndo perigo. Por isso, quanto mais reclamarem, mais cantarão os galos do Jardim do Mar e do mundo inteiro.   

2. Pelo meio também se leu uma Carta do Leitor, que está a provocar um aluvião de indignação na Madeira comparável ao aluvião de 20 de fevereiro de 2010. Não ligo a este tipo de descrição anónimo, porque o signatário da dita carta, é tão turista de Coimbra, que veio à Madeira passar férias de três semanas pendurado nas asas dos pais à conta de amigos da ilha, como eu vir a ser natural de Marrocos.
Paulo Pereira, só pode ser nome falso, sabe muito da Madeira, para falar tanto e mostrar-se tão conhecedor de tantas coisas madeirenses que não se aperceberia apenas em três semanas, a não ser que tenha visto o mais recente filme sobre o Feiticeiro da Calheta e tenha aprendido algumas técnicas da feitiçaria. Muito exagerado nalguns aspectos, é claro, mas cheio de razão em tanta coisa que diz. Quanto à indignação que veio por aí abaixo, ficamos também conversados, porque há tanta coisa que merece a mesma indignação e vejo que deixam passar em branco sem tugir nem mugir. Este madeirismo exaltado vale tanto como aquele que se vê quando as equipas grandes do futebol português (Benfica, Porto e Sporting) jogam na casa das equipas madeirenses, alguns adeptos regionais das equipas grandes lascam-se se estas perdem face às equipas da região. 
Tiro o chapéu ao escriba coimbrã ao engenho de se ter tomado como turista que veio de Coimbra na companhia dos pais à boleia dos amigos ilhéus dos pais. O embrulho foi bem embalado e serviu bem para que muitos caíssem que nem patos, melhor, galos, já que este texto pretende fazer dos galos protagonistas.

3. Vamos então aos galos. Os estrangeiros não querem galos a cantar à sua porta no Jardim do Mar. No Arquivo de Fernando Pessoa, com o pseudónimo de Bernardo Soares, num texto inédito com este título: «Eu nunca fiz senão sonhar», destaca-se esta passagem que transcrevo e alguém, se quiser, que se encarregue de fazer chegar aos galos, desculpem, aos novos habitantes do Jardim do Mar, que vieram ajudar a compor a nossa tão debilitada e minguante natalidade…
Diz assim, o poeta do «Livro do Desassossego»: «Ah, não ter tudo isto um sentido em Deus, uma realização conforme o espírito de nossos desejos, não sei onde, por um tempo vertical, consubstanciado com a direcção das minhas saudades e dos meus devaneios! Não haver, pelo menos só para mim, um paraíso feito disto! Não poder eu encontrar os amigos que sonhei, passear pelas ruas que criei, acordar, entre o ruído dos galos e das galinhas e o rumorejar matutino da casa, na casa de campo em que eu me supus... e tudo isto mais perfeitamente arranjado por Deus, posto naquela perfeita ordem para existir, na precisa forma para eu o ter que nem os meus próprios sonhos atingem senão na falta de uma dimensão do espaço íntimo que entretém essas pobres realidades...». Alguém que enfie o barrete!
O que queriam afinal os estrangeiros quando escolheram uma casa de campo no Jardim do Mar? E o que devem dizer quanto aos outros prováveis barulhos do Jardim do Mar, por exemplo, os cães, os grilos, o bater das ondas, o vento nas encostas, os passos das pessoas que sempre viveram ali e sei lá todo o ruído que envolver qualquer lugar onde se esteja? – Bom, é melhor não ligar mais a isto… Salientei pela graça que me provocou e queria partilhar com os leitores do Banquete esta passagem de Bernardo Soares, onde ele fala do «ruído dos galos e das galinhas e o rumorejar matutino da casa, na casa de campo em que eu me supus...». 

segunda-feira, 13 de março de 2017

O filme Feiticeiro da Calheta - um hino à miséria e à beleza da Madeira

Desde que começou a ser notícia o filme: O Feiticeiro da Calheta, não dei muita importância e até nos últimos tempos, depois de estrear, estava decidido não ver o filme. Porém, num daqueles repentes que às vezes me dá, peguei em mim e lá fui ver o filme na sessão de ontem na sala do Casino da Madeira. A película é da autoria do realizador madeirense Luís Miguel Jardim e situa-se nos anos 40 e 50 do século passado.

É um filme datado e vai servir para deixar um registo de um feiticeiro e ou feiticeiras que o atraso cultural do povo da Madeira foi elegendo ao longo da sua história. São várias as freguesias na Madeira que têm o seu Feiticeiro ou feiticeira. Quem não nunca ouviu falar no Feiticeiro do Norte... 

O filme é a história de alguns dados biográfica do Feiticeiro da Calheta (poeta popular madeirense João Gomes de Sousa), que descreve as características essenciais de todos os feiticeiros e ou feiticeiras madeirenses. É alguém, sempre pobre e analfabeto, mas tem sabedoria oral e manifesta uma capacidade extraordinária para rimar quadras sobre a vida popular, é um contador de histórias nato, declama ou canta as quadras nas conversas e nos despiques nos arraiais típicos da Madeira, porque o feiticeiro é um cantor nato dos seus versos, toca um instrumento (o Machete), vai à cidade frequentemente, é sonhador, ajuda os outros pobres e faz premonições.

O filme pretende essencialmente homenagear o criador do «bailinho da Madeira», porque descobriram que afinal o pai dessa tão popular canção madeirense é o Feiticeiro da Calheta.  Segue-se estas quadras como exemplo, do seu génio criativo:

«Ainda há uma coisinha d'arroz
Porque vem de fora em saco
É guloso de comer
mas é um pouco mais fraco

Agora está a oito patacas
Quando em tempos era barato
Há muita falta de azeite
e o bacalhau de quarto».

O filme Feiticeiro da Calheta, de acordo com o meu singelo observar, tem quatro elementos que merecem devido destaque: 1. o falar (sotaque) madeirense, 2. a denúncia certeira do regime da colonia, 3. a pobreza miserável, 4. a intriga (a "bilhardice") quotidiana à sombra da religião.

Um à parte. A Igreja Católica da Madeira, no filme até fica bem representada com alusão à obra magnífica do padre Laurindo Leal Pestana (1883-1951), que era Diocesano, padre da Diocese do Funchal, e pároco de Santa Maria Maior, Socorro. É o Fundador da escola de Artes e Ofícios, que futuramente será entregue aos Salesianos, ao contrário do que é referido no filme que já nessa altura já estaria sob espírito da pedagogia dos salesianos.
O Padre Laurindo, é uma figura, que merecia um filme sobre a sua vida e obra. Fica aqui o desafio ao realizador do filme Feiticeiro da Calheta, Luís Miguel Jardim.

Vamos agora aos elementos que me permitem fazer a leitura do filme.
1. O falar (sotaque). Está muito bem apanhado, está cheio de expressões típicas do nosso falar, mas que se vai perdendo à medida que o tempo passa e as novas gerações vão recebendo as influências da sociedade massificadas, o poder da comunicação social fez o seu caminho. Ri com vontade quando os diálogos entre os autores se fazem recorrendo a expressões do género: «levei uma malha, que esmigalhou-me o corpo todo»; «vou partir-lhe as ventas»; «1 kl de açucre para marcar no role»; «vais pagá-las todas nem que seja a arder no inferno»; «raio da peste»; «maldito»; «cruzes, credo abrenuncia»... Entre tantas outras.    

2. O mais importante do filme é a denúncia do regime da colonia. Os senhorios têm uma interpretação brilhante e retratam claramente como era o proceder dos «senhores donos disto tudo» da Madeira velha, que exploravam as famílias a todos os níveis, a terra pertencia-lhes e pagavam com pobreza, exploração e promiscuidade aos seus colonos. O melhor pertencia-lhes. Até o «direito» de abusarem sexualmente das filhas das pobres famílias trabalhadoras das terras colonizadas. Um regime terrível que merecia ser melhor estudado nas nossas escolas, para que mais nenhuma forma de exploração viesse acontecer ao nosso povo, até porque hoje temos outras formas de exploração que os poderosos inventaram para usarem e abusarem da dignidade dos mais frágeis, como era o caso, da «maldita» colonia.  

3. A pobreza roça a miséria. As crianças passam fome, andam descalças e o pormenor dos pés descalços das crianças é das cenas mais tocantes do filme. Neste domínio deve-se destacar o papel das filhas  do senhorio, porque percebem que a pobreza radica aí e quando se aproximam das crianças dos seus benfeitores (as filhas dos colonos) tiram os sapatos, roubam pão das suas mesas fartas e levam às crianças esfomeadas.


É muito interessante que são as crianças, filhas dos senhorios, que fazem a leitura clara da injustiça e que fazem sentir aos seus pais e avô que há fome e miséria nas casas das famílias que eles exploram, os seus colonos.

4. A juntar a tudo isto o povo entretém-se com intriga (a «bilhardice») uns contra os outros. O único que nos parece ter um comportamento irrepreensível é o feiticeiro. O merceeiro, o leiteiro, roubam «à má cara», um na balança e o outro junta água ao leite que vende porta à porta. Entretanto, divertem-se com as suas amantes («amigas») nos palheiros ou nas casas sem maridos emigrados ou viúvas.


A imagem que passa do povo em geral é negativa. São roubados, explorados, mas também à sua medida fazem o mesmo, uns contra outros. A honestidade e a manhosice do povo madeirense saem bem escarrapachadas sobre a tela. Tudo isto a coberto de uma sombra religiosa, que se manifesta nos diálogos, através das várias expressões que são invocadas para exorcizar a maldade, a intriga e as malfeitorias que acompanham o quotidiano do povo. 

São confrangedores alguns papéis. Por exemplo, o de Alberto João Jardim (o pastor) e de João Carlos Abreu (o barbeiro). Compreende-se a necessidade do chamariz propagandístico do filme, mas não seriam necessários.

Não posso deixar de destacar com entusiasmo as imagens aéreas sobre a paisagem da Calheta e a banda sonora. Belíssimo.