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terça-feira, 7 de março de 2017

«Deus e eu»...

«Deus e eu»... Texto inédito de Luis Filipe Malheiro, escrito exclusivamente para o leitores do Banquete da Palavra. 
A minha relação com Deus é uma coisa estranha, talvez mesmo contraditória. Verdade seja dita que ela nunca foi estreita, constante ou entusiástica. É instável, sempre foi, mas procurando ser o mais exemplar possível, em termos de cumprimento das exigências impostas aos crentes.

No fundo, bem vistas as coisas, somos interesseiros. Recorremos a Deus sempre que estamos à rasca ou quando precisamos de algum apoio mais divino ou mais extraordinário, em última instância. Mas logo O esquecemos e passamo-Lo para trás. Há muito que percebi que Deus não é para muitas conversas. Tal como acho que Ele nunca perdeu tempo comigo. Por isso não perco tempo à procura de portas.

Quando me questiono, com retroatividade temporal (e factual), sobre a razão de ser de determinados acontecimentos relacionados com a minha vivência - e que marcaram todo o meu percurso de vida - e não encontro as respostas que acho que seriam as minimamente plausíveis, a minha primeira reação foi a de virar a página e esquecer tudo. Acho que essa minha (des) relação com Deus é vítima desse vazio, dessa falta de resposta, dessa contradição entre a quase obrigação de acreditar e a realidade pragmática desse silêncio.

Mas não sou capaz. Há qualquer coisa que me recomenda bom senso e muita tolerância na procura dessas respostas que continuo a não encontrar. Provavelmente delas dependeria muita coisa. A necessidade de perceber as causas de tudo, já que ficaram para sempre as marcas da incompreensão.

À medida que fomos crescendo, tudo o que nos ensinaram na infância e na juventude começa a esbater-se e a perder sentido. Passamos a perguntar muito esbarrando na repetida falta de respostas. Isso levou-me a querer perceber a essência de uma religião assente muito na teoria de mensagens legadas por textos que atravessaram os tempos, mas que não consegue evitar o impacto negativo decorrente de dificuldades complicadas e a sua incapacidade de afirmação e de aceitação junto das pessoas. Há, cada vez mais, muito pragmatismo na sociedade dos nossos dias que conduz-nos ao egoísmo de encarar também esta questão sob uma lógica interesseira.

As pessoas querem perceber a diferença entre a mensagem original de Cristo e a alegada manipulação dessa mensagem, das regras e das práticas introduzidas pelos homens ao longo dos séculos, para que a religião se adaptasse a cada tempo, porventura pressionada pela necessidade de imperiosa sobrevivência.

Por um lado, penso muitas vezes que essa relação com Deus é uma desnecessidade. Admito que o faço, impulsionado pelo facto de perceber que Ele não nos responde quando precisamos Dele ou Lhe pedimos a sua intervenção. Aliás todos nós temos a sensação de que Deus se está nas tintas para nós. E nem todos toleram isso. Mas provavelmente somos os únicos culpados disso. Ou não? É tudo uma questão de crença e de fé.

Faz sentido, admito, assumirmos que há Alguém presente no nosso quotidiano mesmo estando ausente, mesmo sem darmos por Ele, Alguém que não vemos, que não sentimos, que provavelmente nunca nos falou nem alguma vez nos dirigirá a palavra. Mas que uma certa “praxis” nos impede de colocá-Lo à margem da nossa vida.

Em situações normais, projetando uma espécie de deve e haver, o saldo dessa minha relação é o que é, pouco convincente. Reconheço que não sou muito dado a falar com Deus. Admito que essa relação poderia ser melhor, poderia ser até mais eficaz. Mas não me parece que hoje a minha crença assente numa perspectiva tão aberta como foi no passado.

Ao invés, gosto de Fátima. Sempre que passo em Fátima, e há anos que o faço sempre que vou ao Norte, sinto-me bem. Não sei explicar porquê, mas ali sinto-me bem. Sinto que há naquele imenso espaço, qualquer coisa de muito especial… Trata-se de um local de oração e de expressão da fé de pessoas, de homens e mulheres, de jovens e de mais velhos, de doentes e de pessoas sãs, de nacionais e de estrangeiros, etc, que de uma forma ou de outra olham para Fátima como um ponto de encontro com qualquer coisa de místico, de transcendente.

Recuso render-me às reflexões mais polémicas e radicalizadas sobre os acontecimentos históricos no Santuário que este ano celebra o centenário, talvez porque em Fátima sinto-me como se estivesse em casa. Aqui sim, falo muitas vezes não sei com quem, na expetativa de que alguém me oiça e anote os meus pedidos. Obviamente que temos que merecer por isso. E provavelmente esse meu desmerecimento explica o fracasso das minhas expetativas.

É fatual a minha desilusão, porque continuo, pragmaticamente, com a mania de que as coisas precisam de acontecer para então podermos acreditar nalguma coisa.

Se o diálogo não acontece, então nesta relação com Deus alguma coisa deixou de funcionar e de fazer sentido. Egoísmo? Provavelmente. Mas suficiente q.b. para condicionar muita coisa e influenciar as minhas opiniões.

Tenho pena, porque poderia ser uma relação melhor, mais estabilizada, funcional e até pragmática. Deixei há muito de acreditar que isso alguma vez seja possível.

LFM
6.3.2017

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