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Convite a quem nos visita

sábado, 29 de abril de 2017

O Sabor da terra

Para o nosso fim de semana. Sejam felizes sempre, nunca prejudicando ninguém.
Todos os meus dedos mergulharam
destemidos a profundidade da terra
e o que resultava parecia uma guerra
que as bombas tinham estilhaçado
naquele ribombar destrutivo de loucura.

Não. Não era guerra...
Tinha sido a escavadora da esperança
que as mãos traduziram no húmus removido
para que fosse mais uma vez plantada
com alegria a energia escondida da vida
que cada semente fértil testemunha
no momento em que é apenas possibilidade.

Mais tarde nesse canteiro enfeitado
no momento determinado
não contando as horas anteriores
sem que se saiba qual é a essência milagrosa
nasceram pujantes folhas e flores.
Por isso este deslumbramento profundo
fez em mim um sorriso do tamanho do mundo.
JLR

quinta-feira, 27 de abril de 2017

O caminho faz-se caminhando

Domingo III da Páscoa...
A localização de Emaús tem diversas tradições, todas a Oeste de Jerusalém. Deste Evangelho, próprio de Lucas, discute-se a origem. Talvez seja um convite a percorrer o próprio itinerário de fé, caminhando com Jesus? – Esta visão basta para o que se pretende reflectir.
Toda a Páscoa é um convite a seguir o caminho da vida a bom passo. Nessa caminhada escuta-se a voz de Jesus Vivo e Ressuscitado, que garante que estará connosco mesmo que não o vejamos. O caminho faz-se andando e o amor faz-se amando, se quisermos fazer uma alusão aos poetas quando afirmam. São João da Cruz: «O amor não cansa nem se cansa»; «Onde não há amor, põe amor e colherás amor» e António Machado, poeta Sevilhano que dirá: «O caminho faz-se caminhando»: «Caminhante, as tuas pegadas / São o caminho e nada mais; / Caminhante não há caminho, / O caminho faz-se ao andar. / Ao andar faz-se o caminho / E ao olhar-se para atrás, / Vê-se a senda que jamais, / Se há-de voltar a pisar. / Caminhante não há caminho, / Somente sulcos no mar». Ora bem no texto do Evangelho descobrimos a imagem da humanidade em dois discípulos a fazer a caminhada até Emaús, mas, caminham consternados, derrotados e desiludidos com os factos recentes passados em Jerusalém. Qual humanidade hoje a fazer o caminho com o desalento e o desânimo, porque afundada pelas crises monetárias, pelas guerras inacabáveis, pelas violências constantes, a insegurança derivada de vários medos, o desemprego que faz mergulhar uma multidão imensa de pessoas na fossa da fome e do desespero, imensos jovens sem oportunidades de emprego e de um futuro feliz...
Nesse caminho, Jesus lança-nos a pergunta: «que fizestes do dom da Minha Morte Pascal?» E nós fazemos outras: foi em vão a Sua morte? Não serviu para percebermos que só pelo amor a humanidade será feliz? Não percebemos ainda que a dignidade humana e os Direitos Humanos devem ser respeitados para que a humanidade inteira se realize na harmonia do bem? Não serviu para perceber ainda que Deus nos criou para a vida e não para a morte? Para onde caminhas humanidade, que te auto flagelas e matas frequentemente? (…) Há um o caminho e uma mensagem que se levada à prática pode libertar do lamaçal em que a humanidade tantas vezes se deixa atolar.
Há também uma refeição, que é o lugar do encontro, o Sacramento dessa presença misteriosa, porque só «reunidos à mesa Me reconhecereis Ressuscitado». A importância da Eucaristia vê-se claramente neste encontro de Emaús. No partir do pão Jesus é reconhecido e convida à saída de si mesmo para se lançar ao encontro dos outros, especialmente, os mais necessitados, para viver a densidade eucarística da partilha fraterna. Cada momento desse encontro é uma meta que dá entusiasmo à vida, porque retempera na coragem e leva ao desprendimento de si para se abrir aos outros.
Nesta abertura à partilha no itinerário da fé, devemos nos sentir comunidade que peregrina para a Páscoa definitiva. Por isso, pedimos «Senhor, Tu que fazes connosco este caminho aberto ao Transcendente, faz que não nos detenhamos até chegar ao encontro definitivo». 
Afinal, o Emaús de cada um de nós pode estar longe materialmente falando, mas com Jesus Ressuscitado ao nosso lado, podemos afirmar, «Emaús aqui tão perto».

quarta-feira, 26 de abril de 2017

25 de abril: o antes e o depois na Igreja católica


1. A ambiguidade. Os silêncios estudados. O material suprimia constantemente o espiritual. A confusão entre a cidade dos homens e Reino de Deus. As amizades interesseiras entre a autoridade temporal e a autoridade religiosa. Confusão geral entre templo e tempo. São alguns dos aspetos que caracterizaram a Igreja católica no tempo do regime de Salazar.
No entanto, não podemos afirmar que a Igreja toda estava de acordo com o regime de então nem que aprovava em uníssono a atitude e as posições da Igreja oficial face ao Estado Novo.

2. As divisões, a falta de diálogo, a abertura à diferença, a falta de tolerância… Foram também uma constante no interior da Igreja durante este período. (Quero deixar aqui bem assente que faço estas considerações a partir dos testemunhos que tenho escutado e dos textos que vou lendo sobre esses tempos, porque de vida pessoal foram apenas alguns anos inconscientes que me foi dado viver nessa época. Mas, a perceção que tenho hoje do mundo e da vida também me ajudam muito a pensar).

3. Hoje, felizmente, a Igreja aprecia a democracia reclama-a para todos os países, porque, este sistema político é o melhor que se experimentou até agora no que diz respeito à vivência das oportunidades, liberdades e garantias dos cidadãos.

4. A oposição à ditadura de Salazar de alguns sectores da Igreja começou cedo. Mas por causa das circunstâncias sempre se manifestou como casos isolados num universo grande de ambiguidades e silêncios muito pesados. De qualquer forma não se pode negar que foram subsídios válidos para uma posterior oposição consciente de muitos católicos contra um regime injusto e cerceador das liberdades.

5. Não se pode esquecer, neste contexto, o Pe Abel Varzim, o bispo do Porto D. António Ferreira Gomes - justamente homenageado pelo Presidente da Repúblico, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, neste 25 de abril de 2017 - entre tantos outros católicos, por exemplo, o grupo do «Tempo e o Modo», da livraria e editora Moraes, liderada por António Alçada Baptista.

6. A Igreja faz-se de homens e mulheres do tempo concreto. Por isso, está sujeita, como entidade humana que é, às contingências dos altos e dos baixos próprios da vida humana. E continuamos a sonhar que a Igreja um dia se liberte verdadeiramente dos silêncios estudados, da ambiguidade pensada e da exagerada diplomacia. Esperamos que em todos os sistemas políticos, a Igreja seja o arauto fiel das palavras de Jesus, o seu único mestre.

terça-feira, 25 de abril de 2017

MATÉRIA NEGRA

Deus e eu
Esta semana escutamos Emanuel Bento, antigo jornalista... Oferece-nos um poema muito interessante e exclusivo para este espaço semanal «Deus e eu».
A obscura força em que mergulham as palavras
essência da memória dos tempos e dos homens
de tudo que existe e há-de existir
das pedras paradas e caladas
de onde vens tu
que silêncio se quebrou
quando o primeiro Deus falou
quem foi o escolhido que primeiro o ouviu
se nada antes existiu
eco ainda do espanto
da sua e nossa divina solidão
caminhamos ao encontro da sílaba inicial
reproduzindo a luz que chega tão mas tão devagar
Ó Deus que tanto procuramos e nunca encontramos
mesmo sabendo que em nós moras e demoras…
Emanuel Bento

segunda-feira, 24 de abril de 2017

O discurso e prática

1. Dizer e praticar pode ser uma questão de hábito. Tantas vezes vou dizendo que dá o mesmo trabalho ser simpático e delicado ou ser indelicado e antipático. Muitas pessoas queixam-se que políticos, padres e outros formadores de opinião têm um determinado discurso e uma prática completamente oposta. É grave quando assim acontece.
 
2. Nada nos aborrece mais do que constatarmos que há distância entre o que é dito e o que é feito. O discurso pela tolerância, o perdão, a simpatia, a solidariedade ou a caridade entre tantos outros apelos que se vividos fazem muito bem à vida e embelezam o mundo. Quando tudo isto faz parte da palavra e da prática ilumina a realidade concreta do viver de todas as pessoas, mesmo até aquelas que não sintam nenhuma preocupação com isso.  
 
3. Porém, quando a faltam esses valores ou sentimentos - não sei bem se são valores ou sentimentos, até acho que eles se confundem e estarão bem próximos e devem ser valores/sentimentos ao mesmo tempo para serem verdadeiros - na prática de quem os anuncia e prega, reveste-se de uma gravidade impressionante. À partir muita gente, com toda a razão irrita-se, mas considero que não merecem tanto, porque a exasperação não irá beliscar em nada quem assim precede e fará muito mal a quem a alimenta, por isso, devemos perante tais comportamentos incongruentes manifestar compaixão e em certa medida ignorar.
 
4. O discurso religioso está cheio disto. Os agentes religiosos têm em mãos anunciar um ideal que tem uma exigência que requer todas as forças humanas, psicológicas e espirituais para ser atingido. Mas, sendo eles fruto da humanidade são os primeiros a falhar quanto à sua prática. A tarefa é logo à partida é muito exigente e nalguns detalhes quase impossível de concretizar. Daí que sujam de quando em vez tantas manifestações de revolta e repúdio contra os agentes religiosos.
5. Mas, o discurso religioso não pode ser justificado com tudo. Há no discurso religioso uma parte exclusivamente religiosa, mas deve também ter uma parte profundamente humana, uma outra que não descora a educação e ainda outra que apela ao respeito e tolerância no convívio com os outros. O discurso religioso ou tem «carne», isto é, vida concreta, ou não serve para nada, é um discurso para quem vive acima das nuvens.
6. Daí que o discurso religioso deve ser consequente minimamente na atenção e educação para com todos. A tolerância deve ser princípio basilar da sua ação, não deve faltar a compaixão com todas as vítimas de qualquer situação que as tenha feito sofrer, o perdão como caminho quotidiano, mesmo que isso implique muita paciência e aquilo que se designa tantas vezes «engolir sapos». Em nome da promoção da humanidade tudo vale a pena, em nenhuma discurso em qualquer área humana deve deixar de estar presente essa principal preocupação. Faltando isso, o melhor é estar calado sempre.

sábado, 22 de abril de 2017

Olhar de Eva

Para o nosso fim de semana. Sejam felizes sempre, nunca prejudicando ninguém.
Adão e Eva
tema recorrente do pintor Lucas Cranach.
Se te vejo esperança minha
Entre duas metades de uma maçã
Partida pelo fogo do olhar de Eva
Quando foi tomada pela vontade
Ardente, daquela hora luzidia e madura.

Disse que foi para sentir o gosto de Deus 
Na simbiose perfeita do fruto criado.

Antes desta feliz desobediência
A divindade que se deu no amor
Formou a ambiental geografia do Éden.

É seguro que a totalidade original da Obra 
Ergueu penedos, árvores, ervas, animais...
E os frutos de todas as cores e sabores.

Bendito seja a grandeza do inominável 
Que nenhum pecado desta vida
Seguramente nunca superou.
JLR

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Ver e crer na Misericórdia de Deus

Domingo II da Páscoa e a Divina Misericórdia
Não é nada fácil acreditar sem ver. Todos nós temos experiências quotidianas que marcam profundamente essa realidade. Não gostamos de receber ou comprar a coisa mais insignificante sem primeiro vermos bem o que nos vai chegar às mãos.
Porém, Jesus garante-nos que a Sua ressurreição está sempre acontecendo. E serão muito felizes todos aqueles que acreditarem sem terem visto concretamente a pessoa de Jesus. Quer isto dizer que a ressurreição, é uma realidade profundamente espiritual que acontece no fundo da existência de cada pessoa que acredita de verdade para que a vida seja em Abundância para si e para os outros. Nenhum argumento prova de verdade que a ressurreição aconteceu nem importa provar a ninguém que tal acontecimento é um facto da história. O mais importante de tudo é que cada pessoa seja capaz de acolher com sinceridade na sua vida pessoal esta proposta de esperança que Jesus nos oferece para que nos livremos do desespero e da infelicidade.
A ressurreição mostra-nos claramente que a vida venceu a morte e que com esse acontecimento inaugura-se o tempo escatológico da acção do Espírito Santo. A era do Espírito começa com as palavras de Jesus ressuscitado, atestando que sem a acção transformadora do Espírito Santo nada será possível realizar. Estamos diante da realização da promessa de Jesus: “Não vos deixarei abandonados, vou enviar-vos o Espírito...” (várias vezes pronunciou esta ou outras frases semelhantes nos Evangelhos).
Neste domingo também estamos diante do mais que curioso episódio de Tomé, um dos doze, que não estava presente por ocasião das primeiras aparições de Jesus. Claramente nega tal facto e à maneira tipicamente humana, assegura que não acreditará sem ver e sem tocar no lugar dos cravos.
A expressão: «Vimos o Senhor», leva-nos a imaginar que deveria ser muita a alegria que transparecia nos rostos dos Discípulos que corriam ao encontro de Tomé para dar-lhe essa grande notícia. Não é que Tomé, um homem prudente, se mostra incrédulo e joga bem alto! Mas querem enganar quem! «Não acredito sem ver e tocar!» – dirá profundamente seguro de si mesmo. Porém, logo depois também afirmará com grande convicção: «Meu Senhor e meu Deus». A fé em Cristo ressuscitado, é o outro nome da felicidade, porque é a possibilidade última para o único sentido da vida que salva, a eternidade.

A Divina Misericórdia
A Devoção à Divina Misericórdia é de origem polonesa, cuja divulgação se deve a Santa Faustina, considerada uma grande mística pela Igreja Católica, e que teria recebido instruções do próprio Cristo, através de aparições, para que a mesma divulgasse a Sua Misericórdia Divina. 
O processo de beatificação desta Santa iniciou-se por iniciativa do então Cardeal Arcebispo de Cracóvia, Karol Wojtila, e posteriormente foi canonizada pelo mesmo bispo, já quando era o Papa João Paulo II. 
Segundo os católicos, Jesus Cristo não apenas ensinou a Irmã Faustina os pontos fundamentais da confiança e da misericórdia para com os outros, mas também revelou maneiras especiais para vivenciar a resposta à Sua misericórdia. A isto chama-se de devoção à Divina Misericórdia. A palavra "devoção" significa o cumprimento das nossas promessas. É uma entrega da vida ao Senhor, que é a própria Misericórdia. 
A compaixão e o amor aos outros como forma de conduta de vida, faz o cristão, que deve dar beleza ao nosso mundo com tais valores, especialmente, na sua atenção aos mais fracos da sociedade. A Misericórdia só se percebe na atenção de cada um ao outro.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

DEUS E EU – O CÉU E A TERRA

Deus e eu - Esta semana um texto desconcertante de Maria Conceição Pereira, exclusivo para os leitores deste blogue...
Os seres humanos relacionam-se com Deus, ou com os Deuses, desde o fundo dos tempos, com o fim de superarem os seus medos e explicarem os mistérios da vida. Mas as religiões, em sentido formal, foram nascendo e se organizando com o desenvolvimento das civilizações.
Em nome de Deus já se cometeram crimes atrozes e ainda hoje se invoca o nome de Deus, para o bem e para o mal, pois ainda subsiste o hábito de “rogar pragas” e creio que a Igreja Católica ainda aplica, nalguns casos, a excomunhão. Para não falarmos em religiões (ou religiosos) que espalham o ódio e a vingança, em vez do amor e da paz.
Na minha opinião, o mais importante é a relação íntima da crente (ou do crente) com Deus, a forma como tenta chegar até Ele e não tanto o cumprimento formal dos rituais, por vezes de forma vazia de sentimentos e apenas convencional, cumprir os preceitos, como diziam os fariseus na época de Cristo.
Eu vivo num mundo repleto de seres humanos e de outros seres vivos. E sendo eu um ser racional, tenho responsabilidades para com os meus semelhantes e com a harmonia da nossa Casa Comum, o Planeta Terra que, para os crentes, foi criado por Deus para aqui vivermos felizes e solidários e, pelas nossas acções, alcançarmos a vida eterna junto de Deus.
Para mim, as boas acções são aquelas que contribuem para o bem-estar dos seres criados, humanos e inumanos, e ainda para um ambiente sustentável, sadio, sem maldades nem destruição. Enquanto seres racionais temos responsabilidades na condução da nossa vida pessoal, social e política. Na conjugação destas três componentes: pessoal, social e política, reside, ou não, a harmonia e o equilíbrio de toda a vida na Terra, para todos os seres criados por Deus, segundo a consciência de quem é crente.
Eu sei que há diversas formas de viver a vida e de se relacionar com Deus, de forma íntima ou cumprindo os rituais das igrejas onde os crentes se integraram, mas considero que não basta cumprir formalidades sem nos responsabilizarmos por toda a envolvência que nos rodeia, porque só estamos vivos ou vivas se houver condições propícias para a vida. E estar vivo ou viva, é uma responsabilidade. A vida é uma dádiva. Quantos não chegaram à minha idade? Quantos pereceram devido às doenças e outras vicissitudes? Se eu ainda aqui estou, se me foi concedida a dádiva da vida até hoje, devo fazer algo por merecê-la. Daí que sinto obrigação de dar o meu contributo para o bem de todos, de modo a merecer esta vida que Deus me concedeu.

sábado, 15 de abril de 2017

Domingo de Páscoa 16 abril: A ressurreição

Semana Santa 2017
Para o nosso domingo de Páscoa. Sejam felizes sempre, nunca prejudicando ninguém.
Tanto espanto descrente suscitas
mas és mergulho de cabeça mar adentro
que humedece os membros do corpo todo
que nos dias da luz forte não os arrefece
mas retempera-os com todo o prazer

nenhuma dúvida é mais forte do que a segurança
daqueles que lutam diariamente subindo e descendo
os degraus desiguais da procura do sentido
são estes os artesão que enformam Deus
no pão cozido sobre a mesa
nas armas vencidas quando delas fizeram arados
e em cada sonho que comanda a vida
condimentado faz o brilho remoto da paz 
tanto e tudo o que é tão essencial 
para vencer todas as sombras da injustiça

nada é maior do que a vida
até a morte tão curta que não vale 
senão um pó ou uma cinza vazia 
que se espalha debaixo das árvores
onde ninguém pode ver o mar
e as estrelas consteladas do céu do amor
não sejas cinzas nem pós solventes
faz-te brecha possível na porta entre aberta
pelo espanto dos possíveis 
de um coração que se embala com a esperança

os ramos da oliveira anunciaram glórias e tramas
foram sinos arrebatados pelo choro indolente
em algumas horas fúnebres e funestas da traição
mas também sons solenes que retinem
na ponta dos ciprestes o anúncio vitorioso
porque alguém viu a vestimenta atirada ao chão
e nós soubemos naquela hora qual seria o nosso destino 
de estrela em estrela no rosto de cada criança 
quando encontra razões para sorrir 

tanta oferta que é dom gratuito
mais a dádiva do muito que ouvimos
pelos meandros sombrios do mundo
mas a noite escura fez-se manhã suprema 
de uma antiga luz
como fazem os pomares floridos 
quando prometem o fruto
JLR

Sexta feira 14 abril: o martírio cristão e a Páscoa

Semana Santa 2017
“O Cristo de São João da Cruz”
 (1951), Salvador Dalí.
1. A Páscoa consiste essencialmente nesta ideia de que não há ressurreição sem Cruz e sem morte. Para acontecer a Páscoa é necessário existir um martírio. Na celebração da Páscoa cristã o martírio tem um nome, Jesus Cristo. É disso que gostaria de pensar hoje convosco um pouco. 

2. Em todas as formas de martírio nós estamos perante uma ou mais vítimas. Porém, a ideia de martírio nem sempre foi e é igual em todas as expressões religiosas. No Cristianismo a ideia de martírio como gerador de vida para os outros sempre esteve presente, embora nalguns momentos da história os seguidores de Cristo tenham feito vítimas mártires porque eram considerados hereges ou inimigos da fé cristã. Obviamente, que oficialmente essas vítimas não são reconhecidas como mártires, mas em todo o caso até foram, se considerarmos que morreram sob o domínio do poder cego que não olha a meios para atingir os fins. Mas, devemos salientar que apesar das sombras e das nuvens negras, o Cristianismo sempre considerou que mártir era aquele ou aquela que dava a sua vida pela vida dos outros. Se repararmos no rol imenso do martirológio católico vamos encontrar exemplos de entrega à morte sempre com esse propósito, vítimas imoladas em nome do bem comum, da paz e da justiça que falta no mundo.

3. No entanto, os nossos tempos estão marcados pelo sangue de vítimas inocentes. Tenho a impressão que o Papa Francisco já referiu que os nossos tempos não têm precedentes na história do Cristianismo nesse campo do martírio, pois nem os primeiros séculos, que foram tão dramáticos para os cristãos sob o domínio persecutório do Império Romano, suplantam tanto sangue derramado nos tempos de hoje por causa de opções religiosas. 

Cristo_abrazado_a_la_cruz_
(El_Greco,_Museo_del_Prado)
4. É necessário salientarmos que o martírio cristão para ser considerado como tal, tem que necessariamente ser gerador de vida, «Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dá muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á; mas quem desprezar a sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém me servir, siga-me, e onde eu estou, estará aquele que me serve; se alguém me servir, o Pai o honrará». (Jo 12, 24-26). A morte de Cristo na Cruz é o exemplo dessa forma de martírio, um inocente, um pacífico lutador sem armas pelo amor, pela paz, pela verdade e libertador de todas as formas de opressão. É aquele que reclama que o mundo é de todos e para todos, por isso, todos são considerados na intenção do amor e da misericórdia de Deus Pai e Mãe. Assim, por causa desses ideias contrários à lógica dos poderosos deveria ser saneado, devia morrer porque as suas palavras ferem os ouvidos de quem pretende o status quo do poder que se alimenta da pobreza e da exclusão da maioria. É um martírio de morte imerecida para gerar vida nova, vida ressuscitado para todos, bons e maus. Todos os martírios realizados sob a luz e a inspiração daquele que levantaram na Cruz há mais de 2000 anos, estão tomados desta mesma doutrina acerca do martírio de Jesus Cristo. 

5. Nisto podemos rebuscar o que têm dito e feito os grupos fundamentalistas nos nossos tempos, sob a inspiração da religião Islâmica. É preciso dizer-se que o Islão, na sua concepção séria e verdadeira, é uma religião da paz e do amor. Prega o martírio como semente de vida nova igual como faz a religião cristã. Assim sendo, todos aqueles que se imolam com bombas amarradas à cintura ou com mochilas às costas e as fazem rebentar onde estão multidões, semeiam o martírio de vítimas inocentes. Os autores de tais actos não são mártires, são criminosos movidos por si mesmos, por ideias falsas mesmo que tomadas pelos mais belos aromas religiosos, ou por outros que os manipularam com ideias erradas e lhes incutiram uma desordem mental que prejudica a vida e o nosso mundo. Em nome do fundamentalismo e da idolatria não há martírio, há crimes que põem em causa a integridade, o progresso e a segurança da humanidade. 
Imagem Google

6. Nenhuma religião verdadeira defende a morte para os outros, porque não fazem parte do seu redil e, por conseguinte, são infiéis que devem ser mortos. Todas as formas de morte desvirtuadas dessa ideia de geradoras de vida e vida em abundância são crimes que devem ser combatidos e punidos sob o crivo da lei. 

7. Na festa da Páscoa somos chamados a celebrar o sofrimento e morte de Jesus Cristo, sem exageros desmedidos, mas, especialmente, somos convocados a celebrar a vida, a vida nova, vida ressuscitada, apesar do sofrimento e da morte, que a vida deste mundo implica. Pois, que sirva esta Páscoa para purificarmos todas as ideias erradas acerca do martírio e que nos entreguemos à luta sem violências, sem fundamentalismos, fanatismos e idolatrias pelo bem da vida para todos.

Sábado 15 abril: O silêncio entre a ausência e a presença de Deus

Semana Santa 2017
1. Em todos nós há uma perene idade da inocência, ou porque precisamos de ser pequeninos para nos aproximarmos dos pequeninos ou porque a esse tempo da infância sempre regressamos em muitos momentos da nossa vida. Ninguém pode negar isso, porque como sublinha Milan Kundera, a ternura denuncia a veracidade do amor. Por isso, no recôndito silêncio das nossas igrejas, das procissões com andores e velas, o refresco da água benta, a explosão da luz e a força da Palavra, dizemos: «Jesus Ressuscitou»!

2. Eis o dia da festa das aleluias. A nossa razão continua limitada, não alcançando tudo o que cada gesto ritual desvela, vimos e lemos o quanto mergulha na crise a humanidade e o mundo quando despreza ou menoriza os mistérios e se arroga dona dos enigmas. Há sempre uma tragédia quando a arrogância autossuficiente dita o modus vivendi do tempo. Aí o mundo converte-se em cemitério, porque passou a haver mais mortos do que vivos.

3. Até ao Iluminismo, a inteligência ofuscava-se com o incenso. Vieram testemunhos que acenderam a luz perante a natureza e disseram que os seus bens eram reflexo do Criador, por exemplo, Copérnico e Galileu. Newton acertou o relógio pelos ponteiros das catedrais. A presença de Deus acercou-se de tudo o que mexia. Mas a razão veio como centro de toda a existência reduzindo a religião a superstição. Mas o mistério nunca foi decifrado, manteve-se e está vivo sempre vivo no meio do mundo e no coração de cada pessoa. São surpreendentes autores como Voltaire, Baudelaire e Rimbaud, que se acusaram com sede do Absoluto. Veio depois Dostoiévski que despojou os religiosos e escancarou-lhes a alma cheia de demónios e dúvidas. Mas o mais decidido de todos foi Nietzsche que «matou» Deus, concedendo à humanidade o espírito da liberdade total. Nesse contexto Sartre, proclamou que o inferno eram os outros e a morte seria um absurdo fatal que desprovia a vida de sentido. O silencia entre a presença e ausência de Deus manteve-se como nunca.

4. O jogo do silêncio entre a ausência e a presença de Deus viu grandes tormentos angustiantes acerca do nome de Jesus. Muitos O acolheram, mesmo que fosse o um dos enigmas inquietantes: Claudel, Simone Weil, François Mauriac, Chesterton, Péguy, Graham Greene, Alberto Schweitzer etc. No nosso país: Fernando Pessoa, Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner, Alçada Baptista, José Saramago (mesmo se dizendo um confesso ateu)… Estes nomes apenas entre tantos outros que disseram tanto sobre as suas inquietações, dúvidas e angústias à volta dessa presença e ausência que o nome de Jesus sempre invoca.

5. O epílogo da Semana Santa é a noite da Vigília Pascal. Por isso, não me seduzem tanto as obras de arte que retratam a visão de Deus ensanguentado, derrotado e morto. Antes mais aprecio todas as visões de Deus que O apresentam menos sisudo, mais alegre e mais descontraído com as coisas deste mundo e do outro.

6. Muitas vezes medito em títulos extraordinários sobre Deus: «E até Deus se ri»; «Deus é humor» e «Deus é alegre». Creio, portanto, que tudo desta vida terá sempre a proteção do infinito humor de Deus, que desatou o riso ao sisudo Abraão e a Sara amargurada (cf. Génesis 17, 17; 18, 12-15). Aliás, quando no presente o deserto é grande e não parece haver futuro, só o riso poderá ser fecundo. Esta foi a conclusão de Sara, a estéril: «Deus fez-me rir e quantos souberem do motivo do meu riso rirão também» (Génesis 21, 6-7). O Deus extravagante enche de alegria aquele que cai no desespero e faz quebrar todo o gelo da solidão.

7. Por isso apesar de tudo descubro na Igreja figuras exímias na arte da extravagância e da descontração, lembro apenas dois nomes bem conhecidos de todos nós, João XXIII e João Paulo I, que souberam quebrar um passado todo ele marcado de forma voluntária ou involuntária pela rigidez de normas inadequadas confundidas com a vontade de Deus.

8. Alguma doutrina da Igreja mais recente dão uma imagem de Deus muito mais aberta e mais de acordo com a imagem dos evangelhos. Deus é festa e alegria. Por isso, partilho com todos os que se impressionam com o sofrimento e com a morte de Jesus os dez mandamentos da alegria: 1. Procura um objectivo para a tua vida; 2. Tens que valorizar o que tens de bom; 3. Aceita as tuas limitações; 4. Trabalha no que mais te agrada; 5. Vai-te preparando em tarefas agradáveis para quando fores velho; 6. Mata o ódio interior; 7. Pensa nos outros; 8. Revê os cálculos das tuas avaliações; 9. Sorri, canta, assobia, faz o que sabes; 10. Descobre que Deus é alegre (cf. Félix Núñez Uribe, Deus é Humor, pag. 137). Pode-se rir de tudo? – Penso que sim. Porque como dizia Voltaire, «o riso humano é, na sua forma primitiva, um cerimonial de salvação». Em todos os casos o riso é fecundo. E já todos sabemos que «rir é o melhor remédio». Boa Páscoa.

Quinta feira 13 abril: Breve explicação sobre a Páscoa

Semana Santa 2017
1. O que é a Páscoa de Jesus? - Os cristãos celebram este acontecimento de forma vibrante, porque Cristo, o fundador da Religião Cristã, ressuscitou, manifestou-se glorioso às mulheres e aos homens – digo assim, porque Jesus não precisou de cotas - que o acompanharam no anúncio da Boa Nova da salvação. O sinal visível e histórico de que a Ressurreição é uma verdade fundamental do Cristianismo é o túmulo vazio. A pedra retirada e lá dentro o vazio do túmulo manifestam que neste dia de Páscoa em cada tempo começa um existir novo para todos.

2. A palavra Páscoa significa passagem. Em Jesus Cristo deu-se essa passagem pelo sofrimento e pela morte até à vida ressuscitada. E tomando as palavras de São Paulo, descobrimos que essa passagem não foi só para Jesus Cristo, mas para todos os crentes. Ora vejamos: «Se com Ele morremos, com Ele viveremos; se com Ele sofremos, com Ele reinaremos» (2Tm 2, 11-12). Nesta palavra descobrimos o sentido para esta vida terrena e uma resposta para a inquietação da realidade «invisível» (palavra utilizada por São Paulo) depois da morte.

3. Mas o que importa saber da Páscoa de há 2017 anos para hoje? Que sentido faz falar em alguém que morreu e ressuscitou por causa da salvação do mundo? – A Páscoa é um sinal e um apelo para o sentido da vida. Mas gosto ainda mais de pensar e celebrar a Páscoa e, particularmente, o dia da Ressurreição, como provocação à coragem de existir perante os desafios desta vida. Com a Ressurreição de Cristo nada desta vida material nos pode vencer, mas tudo se vencerá. Porque, outra vez São Paulo diz: «Se a nossa esperança em Cristo é somente para esta vida, nós somos os mais infelizes de todos os homens» (1Cor 15, 19). Por isso, o sofrimento e a morte não têm a última palavra nem são um fim em si mesmos, mas sempre mediação de mais e melhor.

4. O sentido da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo descobre-se não apenas nas circunstâncias históricas do tempo passado, mas nos emaranhados históricos do nosso hoje e do nosso amanhã. Cristo está nos pobres, nos simples, nos desprezados e em todas as vítimas da lógica deste mundo que cerceiam a dignidade da vida. A entrega de Cristo à Paixão e à Morte, é um grito contra tudo o que em todos os momentos da História sempre teima em ser opressão dos mais fracos e dos desafortunados deste mundo. A Ressurreição de Cristo é a vitória para todos, tanto para os que foram vítimas e outro tanto sinal de conversão para os dominadores desta vida.

5. É perante os retratos de dor e de sofrimento que as Igrejas Cristãs, tomadas pelo gozo alegre da Ressurreição, são chamadas a proclamar alto e bom som, que este mundo pode ser um lugar de paz e de amor entre todos. Não basta proclamar e reclamar pelo cumprimento de leis - muitas vezes, totalmente obsoletas e anacrónicas. Nunca uma lei deu sentido a uma vida.

6. As Igrejas Cristãs são «propagandistas» de uma Boa Nova, a Boa Nova de que Deus existe e é um Pai para cada um dos habitantes do mundo. Não é missão de ninguém, que acredite na Ressurreição de Cristo, defender uma ordem moral contra um mundo totalmente perdido. Só o reconhecimento do amor que emerge da Ressurreição liberta a humanidade do pecado e da morte. Boa Páscoa para todos.

terça-feira, 11 de abril de 2017

Quarta feira 12 abril: Deus e eu

Semana Santa 2017 
- Esta semana com a minha querida amiga Teresa Góis. Um texto muito seu, íntimo, mas forte e vivido no que diz respeito à sua interioridade, esse lugar sem lugar onde Deus está... Obrigado cara amiga pelo seu testemunho e pela sua disponibilidade para esta partilha tão rica.

     Tocaste-me sem eu saber.

     Um colo quente, acolhedor me levou a Ti com 53 dias de vida e eu não me lembro de nada. Do Jordão para os rituais criados pelo homem, ungiram-me, deram-me sal e deitaram água sobre a cabeça. Se chorei não sei; já não tenho a quem fazer a pergunta pois as minhas irmãs eram demasiado pequenas para se lembrarem e, à volta, outras coisas as entretinham.

     Se chorei foi o meu primeiro grito público de reclamação.

     Depois fui pela vida sempre orientada, sem grandes questões porque era a idade de tudo aceitar e ser feliz.

     Cresci. Escolhi e esqueci porque outras responsabilidades e novidades me abordavam.

     Puseste sempre no meu caminho quem muito bem Te apeteceu sem primeiro me consultares. Agradeço a quantidade de pessoas e, as que conservei e conservo, são de qualidade.

     Estou junto ao mar. Na minha frente a linha recta do horizonte onde não escreves pois só usas as linhas tortas na tua grafia. Também por isso me sinto escolhida.

     Junto ao mar vejo-Te no enrolar da onda azul que morre em salpicos brancos, vejo-Te no planar da gaivota como se fosses um drone do Pai. Vejo-Te ainda na face de desespero da multidão que clama num idioma que não conheço, adultos e crianças, enlameados, famintos, sem dignidade e sem esperança... Onde andas?

     Quantas vezes Te ignoro e quantas vezes Te agradeço no sol pintado de fresco na manhã luminosa, no quadro da minha janela!

     Quantas vezes grito que ignoras sofrimentos, angústias, ausências … Contudo sei que estás presente, na Tua face materna feita de Amor e em que a tolerância é matéria-prima.

     Sabes o barro que sou, cheio de mazelas, descascado, incolor, mas se o sabes, sabes também o que resta.

     Penso que és um Deus justo e divertido que olha para a criatividade humana que usa o Teu nome para acontecimentos milagreiros com indulgência quase plenária.

     Aceita-me como sou!

     És um Deus invasivo sim, mas não um Deus invasor.

Maria Teresa Santos Tavares Góis

Terça feira 11 abril: o dolorismo das celebrações pascais

Semana Santa (pode ser lido o seguinte texto também no Funchal Notícias, AQUI)
1. A quadra da Páscoa é um tempo interessante espiritualmente falando. Serve para nos revermos interiormente. Serve para pensarmos na vida e na sua dimensão divina e espiritual que ela contém. Serve para nos interligarmos com Deus e o transcendente face à radicalidade da vida material nas suas limitações mais sentidas: o sofrimento e a morte.

2. Porém, não gosto tanto das várias celebrações da Semana Santa quando nalguns momentos nos colocam perante a celebração da condenação de Jesus, como se nós fôssemos os culpados e por isso temos que sofrer para espiar o sofrimento que Lhe foi imposto. Obviamente, que esta catequese hoje pouco ou nada entra no ouvido da camada mais jovem em geral. Neste sentido, considero que a condenação de Jesus à morte e a sua «vontade» em assumir esse radicalismo foi precisamente para acabar com todo o sofrimento e com todos os esquemas de injustiça que este mundo teima em manter que fazem vítimas sofridas e mortais.

3. A festa da Páscoa devia ser uma festa. Uma grande festa da vida. A alegria e a felicidade deviam ser o «prato» principal desta quadra festiva. Os cânticos deviam ser todos alegres, sem nenhuma palavra que nos fizesse pensar em condenação, em sangue, em dor, em morte... Tudo seria festa, sempre festa. Porque basta o «calvário» da vida quotidiana.

4. Os passos da via sacra diária são mais que suficientes para termos dor e confronto com os limites que a vida física nos oferece de bandeja sem que muitas vezes façamos muito para receber essa tenebrosa oferta. Não faltam quadros da via sacra diária onde estão as traições, a maledicência, as perdas das outras pessoas que morrem e que nos eram queridas, a violência, a insegurança, a irresponsabilidade, o poder opressivo que nos humilha, a perda do sentido da vida, a morte de crianças, a fome, o terrorismo, a depressão, o suicídio e tantas desgraças que as circunstâncias da vida concreta nos oferece cruelmente sem qualquer resquício de compaixão.

5. O dolorismo que algumas manifestações destes dias, que por aqui e por ali vamos presenciando, são ainda vestígios de uma catequese de séculos imposta pelas várias mediações cristãs para que fossem dominadas as populações. Daí que hoje não fazem sentido. Perante a teologia da alegria e da festa que está subjacente ao processo de Jesus, penso, que seria tempo para de inovar sem medos nos textos bíblicos, nas orações litúrgicas e até mesmo nalguns ritos que toda a liturgia da Semana Santa continua a sugerir, profundamente anacrónicos e fora da vida dos tempos de hoje.

6. A vida dos tempos de hoje está mais voltada para a alegria, para libertação de tudo o que seja opressão e para a liberdade de expressão de cada pessoa individualmente. Há uma autonomia dos fiéis que devia ser respeitada e até incentivada. Mas, não sendo, pouco se vão importando e pouco ou nada sofrem com isso. Fazem muito bem. Por isso, devia a Igreja Católica inteira ter a coragem de inovar neste domínio, porque para as gerações mais jovens, as celebrações cerradas, profundamente hierarquizadas, nubladas com incenso à imagem dos tempos medievais, não lhes dirá nada seguramente. É preciso inovar nos textos, fazer com que sejam mais curtos e deviam ser selecionadas partes bíblicas que tenham uma implicação clara na realidade concreta do nosso tempo.

7. As pessoas que participam nas celebrações da Semana Santa e Páscoa são na sua larga maioria as pessoas idosas que foram fortemente educadas sob pressão face àquilo que as igrejas cristãs ditavam. Não estarei aqui seguramente para ver, mas como será a participação nestas celebrações daqui a alguns anos, quando forem idosas as crianças, os adolescentes e jovens de hoje… Será diferente, estou seguro disso. Não ligarão nenhuma e se ligarem será por causa do medo da morte, coisa que parece nunca ter estado em crise nem parece que venha a estar no futuro.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Segunda feira 10 abril: o nome de Jesus

Semana Santa 2017
1. Eis um tempo propício, porque centrado no acontecimento maior da história da humanidade. Há um Deus que se fez humanidade, carne igual à carne humana, Jesus, que morreu e ressuscitou. Assim nasceu a história já muito longa do Cristianismo. Numa pincelada de pouco mais de 20 ou 30 palavras podemos resumir do que se trata a religião cristã e o acontecimento pascal depois de Jesus de Nazaré.

2. O que é esse nome: Jesus?
- O nome de Jesus é um nome divino. O arcanjo Gabriel confirmou-O: «Ao qual darás o nome de Jesus» (Lc 1,31). Nome que está «acima de todo o nome», «o único nome pelo qual seremos salvos» (Fil 2,9; Act 4,12). Este nome enorme é comparado ao óleo: «A tua fama é odor que se difunde» (Cant 1,3). Daí que São Bernardo tenha disto que tal como o óleo pode converter-se em luz, alimento e remédio, assim este nome pode ser luz para a nossa vida, alimento para o nosso coração e remédio para a alma, concedendo-lhe sentido, esperança e felicidade.

3. Luz para o espírito, porque é brilho no meio do mundo, que frequentemente mergulha nas trevas do ódio, da vingança, da idolatria que aliena o coração de tanta gente que distorce ou desvia a sua fé para coisas materiais ou pessoas endeusando-as. Mas, depois desiludem-se e volta a depressão, a tristeza e o desencanto porque o efeito do ópio passou. O nome de Jesus, quando verdadeiramente acolhido como luz orienta as pessoas no caminho da paz, da compaixão, na luta pela justiça e pela fraternidade. Aliás, a causa pela qual Ele se entrega ao processo mais ignóbil que alguma vez se montou contra uma pessoa virtuosa. Não foi por acaso que no momento da condenação tenham feito ecoar do meio do povo: «À morte! À morte! Crucifica-o!» (Jo 19,15).

4. Este nome é alimento para o nosso coração. Dado que Ele tomou sobre si o mais radical da condição humana que é o sofrimento e a morte, para redimir e salvar. Então, com Ele descobrimos o consolo, o sentido e a força para caminhar neste mundo com esperança, apesar do sofrimento e da morte inevitáveis. O Seu exemplo reanima na esperança e faz-nos descobrir que só o amor é que nos livra do sofrimento e da morte. Porque tudo o que seja vivido no amor é fecundo, ressuscita e é eterno.

5. O nome de Jesus pode ser remédio para alma, porque nos torna corajosos e fortes perante as adversidades desta vida. São Paulo não se fez rogado e ensinou até onde vai como remédio o nome de Jesus: «Para que, ao nome de Jesus, se dobrem todos os joelhos, os dos seres que estão no céu, na terra e debaixo da terra» (Fil 2,10). Pelo nome de Jesus nada nos deve derrotar. É Ele «caminho, verdade e vida» (Jo14, 6). Nesta semana Santa, deixemos que nos seduza este nome e que com Ele todos os dias da vida encontremos espiritualmente falando luz, alimento e remédio para todos os desafios.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Incursão divina

Começa a Semana Santa ou Semana Maior. Há mesmo um tempo sombrio apesar dos dias cheios de sol que a mãe natureza nos tem oferecido. As nuvens da guerra, as armas químicas, a morte de inocentes, particularmente, crianças, o terrorismo e as suas outras tantas vítimas inocentes, parece instalado e mata ao fio da espada do ódio todos os dias. O nosso eterno calvário com muitos passos pejados de flagelação até ao Golgotá onde estamos todos a ser crucificados, mesmo que às pinguinhas... Em todo o caso, sejamos felizes, enquanto nos permitirem. Porém, comecemos com um pequeno sinal, um gesto: nunca prejudiquemos ninguém deliberadamente...    
A clareza no pensamento faltava
como falta o azul na hora do céu encoberto
quando morrem as palavras no horror
que este poema chora 
na sombra das árvores frondosas
que os homens plantaram 
nas tardes do amor incandescente
se formos iguais como Deus
na glória da amizade.
JLR 

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Deus e Eu

Esta semana, «Deus e eu», falhou um dia. Aqui está um texto exclusivo para os leitores do Banquete da Palavra do Paulo Gilberto Camacho... Dá-nos o seu testemunho do seu percurso quanto à sua relação com Deus, com uma escrita deliciosa, cativante e que nos põe a pensar muito sobre como encaramos Deus e como podemos ter com ele uma «relação» bem concreta e prática, ainda mais se nos deixarmos olhar por cada pessoa que passa. O Paulo não se ficou no Deus do antes, tirano e castigador, mas avançou para o Deus que vem e fica no coração de cada pessoa para o encher de amor e de misericórdia. Obrigado amigo Paulo, por este momento tão importante e delicioso. 
Paulo Gilberto Camacho
Como natural pecador, a minha relação com Deus nem sempre foi a melhor. Desde cedo, quer no ambiente familiar quer no escolar (em colégios religiosos) foi-me sempre apresentado Deus como um ser castigador, justiceiro (não Justo) inacessível porque distante. Vivia-se politicamente uma era de medo e a Igreja de então, aliada ao dito Estado Novo reinava perante uma imensidão de fiéis amedrontados, analfabetos e onde a iliteracia era um pilar para que a Catequese se ficasse pelas orações primárias do Pai Nosso e da Ave Maria.
Felizmente, a primavera do Concílio Vaticano II veio trazer uma nova visão de ser-se Igreja e, apesar de cá, pelo ainda caduco império português o povo sentir na alma e no corpo os horrores da polícia política perante os novos desafios que então se vivia, uma nova era se abriu com o 25 de Abril de 1974. Por esta altura já tinha feito uma Guerra, era casado e já pai de uma criança. Sentimos que o nosso percurso era acompanhado pela presença de Deus que nunca nos tinha abandonado. Os anos foram passando e fomos crescendo em sabedoria e na graça de Deus. Descobrimos o algo de divino que existe em nós, porque somos filhos de Deus. Hoje, o nosso relacionamento com Deus é de uma permanente gratidão, apesar das constantes provas de fidelidade que Ele nos apresenta. Mas gratos pelo dom da vida, pelo Seu amor, pela Sua misericórdia, pelo Seu perdão, pela Sua presença constante na nossa vida.
É também um relacionamento de diálogo. Ele fala-nos todos os dias com os elementos do tempo que nos dá; com as pessoas que nos rodeiam e tornam o dia mais feliz; com o sem-abrigo que nos pede um cigarro ou uma esmola à porta da igreja; com o bom-dia dado a um desconhecido. Em tudo e em todos Ele está presente. Digamos que Deus nos «persegue» constantemente.
É nesta perspectiva de simplicidade que eu entendo Deus, que me relaciono com Ele e Ele comigo.