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quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Deus e eu

O Ilídio Gonçalves, no seu/nosso "Deus e eu", oferece-nos o seu interessante percurso de vida que o conduz ao "conhecimento" de Deus... Muito bonita esta "viagem" pelo exterior para chegar ao seu interior com toda a força da existência que nos rodeia. Obrigado Ilídio por esta "viagem" tão sincera e sentida. 

Com bastante surpresa, recebi um convite do padre José Luís Rodrigues para uma rubrica do seu 'Banquete da Palavra', 'Deus e eu'. Afinal quem sou eu para merecer tal oportunidade?
Passado esse mesmo momento da surpresa, deixei assentar a poeira e, tal como tinha dito num comentário acerca de um outro testemunho, respirei fundo e convenci-me das minhas próprias palavras: tudo o que vem de dentro é válido.
"Deus e eu"
Ainda há poucos dias, num texto para os meus amigos, acerca do meu Natal, falei um pouco da minha relação com Deus e a época Natalícia. Partilho agora convosco algumas palavras de então e outras acerca deste tema.
A minha relação com Deus, sempre foi tumultuosa. Como num verdadeiro amor. Rendi-me sempre a essa paixão desde que possuo entendimento, através do amor pelas pessoas, fossem elas da minha família, amigos ou simplesmente conhecidos e mais recentemente, não menos, pela Natureza que me envolve. Esperei sempre o melhor de todas elas, sabendo eu próprio, das minhas grandes dificuldades em dar o melhor de mim mesmo, aos outros. A força de Deus foi sempre aquela que nunca me deixou desistir após cada queda, cada desilusão. Ainda nos dias de hoje, é ela que me levanta, mesmo quando penso, demasiadas vezes, que me abandonou.
O meu amor por Deus, começa no seio de uma família humilde, onde se respeitava um Deus que se desconhecia. Sempre me fez confusão, esta condição de ter Alguém, que era o nosso maior Amigo e ao mesmo tempo, um Desconhecido. Como todas as crianças da altura, frequentava o ritual da catequese e nem mesmo a minha querida e paciente catequista, conseguia motivar-me para esse Deus, sempre presente, mas inalcançável. A idade não me permitia questionar quem nos ensinava, essa permissão existia apenas com o meu pai e minha mãe a breves espaços e dentro de determinados parâmetros, em casa. Eram tempos de sobrevivência, não de grandes questionamentos.
Convenci-me então que, esta era uma questão que teria de resolver sozinho. Não desiludiria quem esperava de mim uma conduta cordata, mas disponibilizar-me-ia para conhecer esse Deus, tão respeitado e ao mesmo tempo, tão temido.
Pouco a pouco, enquanto o mundo das palavras se abria para mim, fui conhecendo um Deus de outros. Odiado por uns, ignorado por tantos, respeitado por outros, adorado por muitos, era um Deus que apresentava-se de uma forma difícil de entender. Afinal, se Deus era universal, porquê tantas formas diferentes de olhar para Ele? Depois de muito ler, cheguei à conclusão que o meu Deus não poderia ser aquele. Teria de O procurar, dentro de mim mesmo, a Sua essência.  Lembro que este caminho começou, de uma forma prática, quando, nas idas à igreja para a "confissão obrigatória", desviava-me do propósito, ocupando o mesmo tempo a falar com Deus, no meu entendimento de então, de uma forma "directa", em frente do Sacrário da igreja da paróquia. A minha timidez, arranjou assim uma forma de ser o mais verdadeiro possível com Ele. Não precisaria assim de combinar com os meus irmãos e amigos, no adro da igreja, os pecados que iria revelar ao Padre para obter uma absolvição garantida. Tenho a certeza que o Padre adivinhava esses conluios e disso mesmo deu-me conta uma vez em que não consegui escapar à confissão, levado pela mão de minha mãe até dentro da igreja.  Levei assim à letra a palavra do falecido padre Sumares que, uma vez na homilia dominical, ouvi exortando a que cada um estabelecesse o seu próprio diálogo com Deus.
Desde muito cedo o meu primeiro livro de cabeceira foi a Bíblia. Tinha uma predilecção especial pelo Antigo Testamento e só mais tarde descobri a maravilha da mensagem do Novo Testamento. A minha mãe, que me via agarrado à Bíblia, segundo ela, por demasiado tempo, dizia-me assustada que, ainda ia tornar-me numa 'Testemunha de Jeová', igual àqueles que batiam às portas das casas para, segundo ela, "atormentar as pessoas".
A verdade é que, mesmo sem o seu conhecimento, cheguei a conversar com alguns deles, durante a minha juventude. A dado momento, conhecia a Bíblia, principalmente o Antigo Testamento, melhor do que a maioria das pessoas com quem falava e, apesar de discordar da forma e de alguns propósitos, gostava de falar com eles. Talvez porque a igreja católica da altura não me permitia essas conversas. E voltava sempre meus aos diálogos com Ele, apesar dos tumultos, as conversas eram sempre, na maioria das vezes, apaziguadoras.
Estas são conversas que perduram, de uma forma quase assídua, desde esses tempos. Sempre preferi falar com Ele, desta forma. Se tinha que chorar, rir, agradecer, pedir desculpa, pedir ajuda, era com Ele e na sua Presença que preferia fazê-lo sempre. Nos dias de hoje, a única diferença, é que, adicionei a Natureza ao palco das minhas conversas com Ele, contemplando as paisagens impossíveis a partir de sinuosos caminhos e dos píncaros das montanhas da ilha. Trouxe assim Deus para fora de um Sacrário (que ainda não dispenso) para o ar livre aonde O respiro com todo o meu ser e perante a Sua grandeza.
Embora sempre tivesse sido um atento e defensor convicto da Natureza, da qual fazemos todos parte, foi num período complicado da minha vida que me foi mostrada a via de conhecê-la de uma forma directa e profunda. Tomando contacto com a criação d`Ele e sentindo-a no seu pulsar, tanto na perfeição das grandes coisas, como nas mais pequenas, nas quais quase ninguém repara. Isto principalmente, na terra que me viu nascer e que amo profundamente. Não me dei conta da salvação que representou para mim essa predisposição e descoberta na altura, mas a verdade é que, uma nova força surgiu para que eu enfrentasse o mundo e as dificuldades pelas quais então passava.
Foi um caminho que Ele, uma vez mais, me indicou para apaziguar as minhas dúvidas, ajudando-me na via que precisava seguir, não me desiludindo, uma vez mais.
Há uns tempos atrás perguntaram-me porque gostava de caminhar sozinho pelos trilhos de Natureza. Respondi na altura (e ainda mantenho) que, sozinho, a introspecção era maior, não tendo que dar explicações sobre o quanto me emocionava uma gota de orvalho, uma folha caída, uma cascata murmurante, um silêncio apenas interrompido pelo vento na copa das árvores, um trilho ladeado de flores endémicas, ou simplesmente o inconfundível chilrear de um Bis-Bis fugidio. A observação da Natureza e os seus fenómenos como o nevoeiro, a chuva, o vento, a neve, o sol nascente e poente, bem como determinados lugares e paisagens, completam esta necessidade de estar mais perto d`Ele. Compreendo agora a minha avó que não temia andar sozinha e vivia dizendo que andava com Deus por companhia. Sempre com Ele.
Sempre discordamos muito, eu e Deus, sem atribuição de culpas mútuas. Algumas vezes saí e ainda saio das nossas conversas, revoltado e desapontado. Sempre foi assim. Em pequeno, por exemplo, não entendia porque Ele, que podia tudo, simplesmente não ajudava meu pai a entender determinadas coisas, porque não ajudava a minha mãe a ter mais saúde e porque não tínhamos uma vida mais confortável que permitisse uma estabilidade para os meus pais, para os meus irmãos e para mim. Coisa pouca, talvez, como para tanta gente. Mas a verdade é que, mesmo aí nesses momentos, estabelecíamos "tréguas" durante as quais, nem Ele, nem eu, falhávamos. Nem mesmo naquele Natal em que a mãe regressou dia 23 de Dezembro a casa quando já todos não acreditavam, depois de uma longa permanência no hospital, após uma cirurgia complicada. Lembro que não concebia um Natal sem a mãe entre nós e que, era o único que acreditava que ela voltaria para, uma vez mais, celebrar connosco a Festa mais importante das nossas vidas.
Durante esta já longa travessia, foram-me levados familiares e amigos próximos, alguns de formas trágicas para as quais nunca Lhe atribuí culpa alguma. A culpa está e estará sempre em nós. Saber libertar-se dela é um dever nosso, para o qual Ele estará sempre disponível para ajudar. Basta deixarmos.
Hoje tenho a certeza que, as nossas discordâncias mais profundas tinham e terão, sempre, a ver comigo. Afinal, sempre foi Ele quem me conheceu profundamente, desde o início.
A vida ensinou-me a resiliência que me amansou os espasmos da revolta e entretanto, envelheci, ainda com muitas dessas perguntas que me assolavam nesses tempos que passavam, curiosamente devagar.
Com alguma surpresa, é no tempo em que estamos melhor com a vida que menos falamos e agradecemos a ajuda que Ele nos dá, de uma forma que só nós, quando queremos realmente, conseguimos decifrar. Não fujo à regra Humana e sei que fui injusto com Ele tantas vezes. Resta-me o consolo de Ele conhecer-me tão bem e saber que, apesar dessas falhas, Ele foi e será sempre o meu melhor Amigo, no qual eu apoiar-me-ei de forma convicta através das formas que Lhe conheço. Sei que nunca me faltará.

1 comentário:

Pegadas disse...

Uma vez mais, muito obrigado caro Padre José Luís Rodrigues, pela oportunidade de falar, aqui no seu espaço, acerca da minha relação com Ele. Um bem haja pela sua iniciativa num tempo em que, como muito bem disse, parece "tabu" falar d`Ele. Que Ele nos acompanhe sempre. Um abraço.