Nota: Entrevista concedida ao Diário de Notícias do Funchal, publicada a 16 de Agosto de 2009
Como é consegue entusiasmar os paroquianos para a festa de São Roque quando os arraiais já não são o único acontecimento social?
É difícil, mas vamos fazendo. Hoje temos as novelas que são concorrentes, as festas com dj's, temos as festas dos partidos.
Os partidos também são concorrentes?
Já se evita fazer arraiais nas paróquias no mesmo dia da festa do PSD. Nesse dia, as pessoas estão todas no Chão da Lagoa.
Tem sido mais difícil juntar dinheiro para fazer a festa por causa da crise?
Estamos como nos outros anos. Pelo menos é o que me parece. Este ano fizemos uma mudança na organização das novenas. Dividimos o bolo pelos nove dias e vai haver fogo e animação até ao próximo fim-de-semana.
Sente mais a crise no dia-a-dia?
Tenho sentido nos ofertórios. Houve uma quebra, embora não tenha razões de queixa porque vem muita gente à missa e ainda mais quando há catequese.
E as pessoas vão ter consigo a pedir ajuda?
Lá isso vem, muita gente. Porque estão desempregados, porque aconteceu alguma coisa na vida, um divórcio.
O padre ainda é um recurso dos paroquianos?
Aparecem para pedir dinheiro porque têm fome e os filhos estão em casa que não têm de comer. Esses casos mais dramáticos são situações esporádicas. Não se pode generalizar, não se pode dizer que está a acontecer todas as semanas. Estou a lembrar-me de um caso recente de alguém que perdeu o emprego e o crédito amarrou-lhe o pescoço, mas a paróquia não nada em dinheiro. A crise chega a todos.
A Diocese devia preocupar-se mais com os problemas sociais?
Neste aspecto da ajuda social, tudo o que existe é pouco. Há Caritas, não sei bem como funciona, mas trabalha, pelo menos aparece na comunicação social as actividades que desenvolve. Quem faz um trabalho extraordinário são as Conferências de São Vicente Paulo que existem nas paróquias. Temos uma em São Roque e outra em São José.
Que actividades desenvolvem?
Fazem visitas aos doentes e a de São José vai visitar aos presos e as famílias. Temos uma recolha mensal de géneros alimentares, distribuímos pelas famílias que julgamos que têm mais dificuldades, mas até ajudar é complicado. Há vergonha e há a censura social. Se alguém tem necessidade, mas é apanhado a tomar café ou a fumar são razões suficientes para não ajudar.
É então um terreno delicado?
A parte social é muito delicada. Podemos ser censurados por não ajudar e também podemos ser censurados por ajudar. São capazes de dizer que o padre não faz nada, mas se faz é apontado. "Está a ajudar aquela família? Ele passa a vida na bebedeira e ela está sempre nos cafés, não querem é trabalhar". As grandes críticas aos padres são nesta base.
Ser padre não é fácil?
Hoje em dia não é fácil viver. Não é fácil ser homem, ser mulher, ser padre, ser casado ou ser solteiro. Estar na vida e na posição que se escolhe para a vida é um desafio, temos que seguir por diante. É fácil desde que não se dê importância, até aos elogios que nos podem deslumbrar.
Essa é a sua receita para atravessar as polémicas em que de vez em quando está envolvido?
De vez em quando estou no meio de uma fogueira. Às vezes sofro um pouco, mas procuro manter a minha posição porque não gosto de ceder. Se reconheço que não tenho razão cedo e acabo a discussão, mas quando vejo que estou no caminho certo sou capaz de morrer por isso. Gosto de exprimir a minha opinião, mas passo adiante depressa e sinto muitas vezes que há provocações.
Gostam de vê-lo reagir...
Não respondo a 60% das provocações que me fazem e são de todo o género.
Tem consciência que vai para a 'fogueira' quando faz certas declarações?
Nada do que digo é inconsciente. Se sou provocado, também é verdade que gosto de provocar o debate. Podem até pensar que digo o que digo por ser um arrogante. É o contrário, posso aparentar uma certa agressividade, mas facilmente me deixo levar por uma opinião que seja melhor do que a minha.
Alguma vez o seus superiores na Diocese o chamaram a atenção?
Um 'puxão de orelhas' propriamente dito não, mas uma vez ou outra fui chamado ao Paço nos tempo do D. Teodoro. Com o D. António Carrilho não.
As suas relações com o bispo são boas?
Penso que são normais.
E com as outras figuras da hierarquia?
Com os meus colegas? Nunca tive problemas.
Nem com aqueles a quem chamou 'sacas de carvão' pode andarem vestidos de preto?
Nunca me disseram nada.
Alguma vez teve problemas com o poder político por causa das suas intervenções?
A única vez que aconteceu foi quando escrevia para o 'Jornal da Madeira'. Censuraram-me um texto em que falava sobre a Diocese, pedi a demissão e vim embora. Sou muito crítico com esta relação que existe entre o poder político e a igreja, das inaugurações e da construção das igrejas. Nunca me disseram nada, se falam é por trás. Quando me convidam para convívios do PSD eu vou, mas se os outros partidos me convidarem também vou.
Como homem da Igreja interventivo, os partidos da oposição já o convidaram para listas?
Tenho amigos e pessoas conhecidas em todos os partidos, mas não aceitava participar na lista de um partido. O que digo é que se não fosse padre teria sido político.
Porquê?
Leio e interesso-me, gosto de figuras políticas, dos grandes estadistas como foram os pais da Europa e Winston Churchil. Também admiro figuras carismáticas como o Obama. O meu lado interventivo tem a ver isto, mas também é verdade que nada há mais público e político do que ser padre.
Nunca se arrependeu de ser sacerdote?
Não sei como será o futuro, mas até agora não. Gosto de ser padre, ainda que seja difícil. Hoje é necessário fazer um jogo de equilíbrio. O padre deve, nesse sentido, ser um político.
Não se está a fazer convidado? O modelo de padre e político fez escola na Madeira. Como padre nunca.
Nisso concordo com os que dizem que ou uma coisa ou outra. Se acham que um padre não pode viver com uma mulher, então também não pode ser padre e viver na política. É a mesma história: a Igreja ou a política.
O sacerdócio é uma espécie de casamento?
É uma forma de vida.
Que não deixa disponibilidade para ter uma família?
Essa história da disponibilidade é treta. Esses argumentos da disponibilidade, do desprendimento são pura falácia. Tudo isso é conversa. Para se dizer que os padres não podem casar tinha que haver uma razão evangélica, tinha que ser da boca de Jesus. E não há nada, apenas a tradição.
Isso quer dizer que queria casar e continuar padre?
Não. Quando se fazem opções devemos assumir tudo o que significa a escolha. No caso, ser padre obriga, neste momento, ao celibato. Esta questão do casamento dos padres não se justifica nos dias hoje. Encontramos rapazes novos que fazem sempre uma ressalva. Se pudessem casar, até gostavam de ser padres. O envolvimento amoroso faz parte da natureza humana, mas Igreja mantém a teimosia. Como vai contrariar a natureza das pessoas?
Isso leva-nos ao papel das mulheres na Igreja que, por enquanto, continuam afastadas do sacerdócio.
A tradição criou esta proibição às mulheres numa época machista. O meu argumento é este: uma parte da Humanidade recebe os sacramentos em plenitude; a outra parte da Humanidade recebe só seis. Caminhamos para uma igualdade de género na sociedade, nas empresas e na política e, uma vez mais a Igreja, está alheada do processo.
Quem é que fica para a Igreja?
Diz-se que as pessoas entre os 25 e os 45 vão pouco à missa? Nas missas, há jovens - não muitos - e depois pessoas acima dos 50 anos. Outro dia perguntava a um colega pelos casais, pelas pessoas de 40 anos. São aqueles que têm filhos pequenos, na escola e esses não aparecem.
Limitam-se a casar pela Igreja?
Os casamentos na Igreja estão na rua da amargura. Estas pessoas baptizam os filhos, é o que a Igreja ainda não perdeu.
E porquê?
Os casais integram-se nos ritos de iniciação dos sítios onde vivem e nós temos estes, que são religiosos. Então baptizam, fazem a primeira comunhão e, na Madeira, alguns crismam-se para depois poder ser padrinho ou para casar. O sacramento da penitência a Igreja já perdeu. Eu faço celebrações penitenciais e a igreja fica a cunha. Se organizo confissões, não aparece ninguém. Há uma autonomia das pessoas que a Igreja não quer reconhecer. A Igreja não pode combater isso, tem que saber lidar com isso.
Tem esperança no Papa Bento XVI?
É um bom teólogo. Não tem a simpatia de João Paulo II, mas é um pensador, chega às elites da Igreja e de fora da Igreja pelo pensamento. Não será, no entanto, o Papa para grandes viragens. Ainda para mais estamos a viver uma conjuntura de um certo conservadorismo, um regredir que se nota nos padres novos, esses são profundamente conservadores.
PARÓQUIA ENFEITADA: FESTAS DE SÃO ROQUE NO PRÓXIMO DOMINGO
Agosto é o mês das festas e arraiais dos padroeiros da maioria das paróquias da Madeira. A Região ainda conserva a tradição de duas festas: a do padroeiro e a do Santíssimo Sacramento. E, mesmo no Funchal, os preceitos continuam. Em São Roque, o padre, os mordomos e outros paroquianos preparam-se para celebrar o santo que dá nome à freguesia, o patrono dos doentes. As novenas já começaram e, mesmo com a crise, vai haver festa até ao próximo domingo, dia em que haverá missa e procissão. José Luís Rodrigues, o pároco que acumula as funções com São José, diz que o momento é importante, entusiasma as pessoas, faz com que se sintam importante para os outros. "É um momento de grande participação, importante para a vida da comunidade". O dinheiro não é muito, mas não será em muito menor número que nos outros anos. Vai dar para o fogo, para animação, para o arraial.Quanto aos conflitos que, em tempos, agitaram a paróquia estão mais calmos. E o padre explica que "uma paróquia é como uma empresa, as pessoas são de carne e osso e há aquilo a que se chama interesses instalados". Há pessoas que aceitam bem que se mexa nesses interesses, mas há quem bata o pé. "Isso causa um certo sofrimento, mas vamos gerindo conforme se pode. Se vão uns aparecem outros".
Marta Caires
2 comentários:
É agradável saber que há quem pugne por aquilo em que acredita deixando espaço aberto à participação de terceiros, fazendo da passagem pela Vida uma construção enriquecedora e partilhada.Só os sinceros admitem momentos de fraqueza.Só os sinceros triunfam.
Caro Pe. José Luís,
Admiro a sua frontalidade embora saiba, certamente, que isso pode trazer-lhe alguns dissabores...!
No entanto achei interessante a sua entrevista embora não concordo consigo em alguns aspectos.
Abraço Amigo,
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