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domingo, 27 de fevereiro de 2022

Belfast – sempre o destrutivo fanatismo

Cinema

Está em cena o belíssimo filme Belfast de Kenneth Branagh. Venceu o último festival de cinema de Toronto (2021). O filme narra uma história inspirada nas próprias recordações da infância do realizador, ambientada no local que dá título ao filme. Tem sete nomeações aos óscares. Pode não significar muito para o valor do filme. Segundo a minha singela apreciação, pode ser que não mereça o pleno das indicações, mas pelo menos duas ou três estatuetas merece. A meu ver, melhor filme, melhor interpretação e melhor realização. Os resultados, esperemos para o dia dos óscares.

Belfast é o nome da capital da Irlanda do Norte, onde vive o pequeno Buddy (Jude Hill), no final dos anos 60. Ele é uma criança comum que passa os dias na brincadeira, até que a sua pequena comunidade é abalada pelos confrontos entre católicos e protestantes, que culmina em brigas, ataques e rebentamento de carros na porta da sua casa. Porém, ele ainda mantém as preocupações típicas da infância (como conquistar a menina por quem se encantou na escola e como ter a melhor nota para se aproximar dos primeiros assentos para estar mais perto da colega) e os sonhos inocentes da juventude, enquanto tenta entender a confusão à sua volta.

Dado que o filme trata da história de uma família protestante neste ambiente confuso, na vida do pequeno protagonista, Buddy, existem outras figuras importantes: um deles é o pai (Jamie Dornan) um homem bom, que passa semanas fora de casa, no seu trabalho profissional em Londres. A mãe (Caitriona Balfe) fica com os dois filhos, passando os dias angustiada com a falta de estabilidade da família. Buddy tem uma loucura pelos avós (interpretados por Judi Dench e Ciarán Hinds – duas interpretações magníficas), que lhe dão conselhos e carinho, com um sentido de humor e alegria cativantes. As aventuras de Buddy pela infância são bonitas, mas as cenas mais divertidas são as conversas com o avô, que o ajuda nos exercícios de matemática e falam sobre mulheres.

A história do filme reproduz um pouco a infância do realizador Kenneth Branagh, que nasceu em Belfast. Centra-se na época do início dos The Troubles, como ficou conhecido o conflito entre católicos e protestantes na Irlanda, quanto à sua ligação à Grã-Bretanha. Os confrontos há época causaram milhares de mortos durante a segunda metade do século XX.

Mas vamos à lição que tiramos do filme. A mensagem assenta como uma luva nos tempos que vivemos. Os tempos correm sob o domínio do fanatismo e não foram ainda travados os fanáticos que não olham a meios para atingirem os seus fins. O filme Belfast dá-nos conta precisamente do fanatismo propagado por grupos de pastores loucos (pretensos guias do povo) convertidos em pirómanos da violência e da intolerância entre comunidades. Bem se vê que as comunidades convivem fraternalmente no dia a dia quando não fazem caso dos discursos e pregações malucas. Por isso, antes que cheguem os fanáticos fazem festas comuns e divertem-se sem qualquer sinal de desrespeito ou intolerância. Saliente-se a crítica mordaz ao comportamento das pregações dos pastores e padres sobre o medo do inferno e a intolerância perante o diferente.

Assim, porque ainda não nos livramos dos fanáticos, aconselho vivamente a que quem puder ver este filme, que nos traz uma mensagem muito interessante sobre os tempos atuais. Sim, o nosso tempo, onde estamos também atolados na violência, à mistura com a intolerância a marcar as ações do fanatismo religioso e político, onde vemos países a serem destruídos por loucos que almejam ostentar a coroa do imperialismo a qualquer preço e mais ainda assistimos à destruição de povos inteiros com as suas vidas interrompidas porque lá terá que valer a vontade desmedida dos fanáticos. 


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Morreu o Padre Mário da Lixa

Morreu o Padre Mário de Oliveira, de Macieira da Lixa, Concelho de Felgueiras. O antifascista, contra a guerra colonial, solidário e crítico, Mário de Oliveira faleceu esta quinta-feira aos 84 anos.

Mário de Oliveira, conhecido como o Padre Mário da Lixa, por ter sido pároco de Macieira da Lixa, em Felgueiras, nasceu a 8 de Março de 1937 em Lourosa, Santa Maria da Feira.

Foi ordenado padre em 1962, tendo sido depois coadjutor na Paróquia das Antas, no Porto, professor de Religião e Moral nos Liceus Alexandre Herculano e D. Manuel II. Depois foi enviado para a Guiné-Bissau como capelão das tropas portuguesas. Foi, dizia, “pregar o Evangelho da Paz aos que lá faziam a Guerra Colonial”. Ao fim de quatro meses foi expulso.

Morreu o Padre Mário Pais de Oliveira, da Lixa (1937-2022). Um homem solto e à solta, que nunca se amarrou a nenhuma ideia nem a nenhum pensamento único, fosse ele religioso, político ou social.

Sempre nutri por ele admiração, por nunca deixar por mãos alheias o que pensava, não tinha medo de expressar esse pensamento, mesmo que chovessem os piores impropérios contra si. Os «donos» da Igreja Católica, que vomitam o diferente todos os dias, tinham-no como louco, por isso, estava excomungado e excluído, como se isso fosse um castigo… Afinal, devia ser para ele o melhor que lhe podia acontecer, como corolário da sua liberdade e do seu bom uso do pensamento próprio e fora da caixa.

Não era apreciado por muitos, particularmente, pela maioria da hierarquia religiosa católica e pelos ditos mais devotos de uma mariologia desencarnada, fora da realidade concreta, mercantilista e dispensadora de milagres avulso. Tinha uma frontalidade invejável e um sentido crítico que partia tudo sobre as coisas alienantes da religião. Daí que esta hora seja importante para agradecer o quanto ele foi útil para nos fazer pensar e a não engolirmos tudo sem mastigar, acefalamente.

Fora das poeiras das celeumas e disputas polémicas que levantou era um homem bom, que acreditava na humanidade, no Deus Pai e Mãe e em Jesus de Nazaré como um libertador das misérias que levam a humanidade à indignidade opressora. Era implacável com todas as formas de poder absoluto, que imponham a ignorância e vergavam os povos ao sofrimento e à morte. As suas palavras era como que setas certeiras no olho das cangas infames dos poderes que ao invés de servindo os povos, produziam gente doente e escravos alienados.

A sua cativante simplicidade despertava a nossa atenção e fazia-nos perceber que não podem existir assuntos tabus na Igreja Católica.

Fátima foi o seu ponto principal na luta por uma religião ao jeito do Evangelho de Jesus. Fátima era um tabu que reunia ( e ainda reúne) uma unanimidade perigosa na Igreja inteira e numa parte relevante da sociedade portuguesa. Ao Padre Mário de Oliveira devemos expressões fortes «contra» uma Fátima fora do bom senso e contra a lógica salvadora/libertadora do Evangelho. Foi o Padre Mário de Oliveira que nos ajudou a desmitificar tudo o que tinha de menos bom na envolvência de Fátima.

Muito obrigado, Padre Mário de Oliveira.

Agora que o descanso o intrépido homem e padre seja iluminado pela luz da verdade eterna, que por ela lutou afincadamente.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Estalou a guerra na Ucrânia (1)

Apontamento 5

Está à vista o fracasso do diálogo. Mais uma vez emerge o pior que a humanidade sabe fazer, a guerra. É certo que a o coração humano tem imbecilidades que a estupidez desconhece e que três coisas são infinitas: Deus, o universo e a estupidez. Mais uma vez se prova que tal é bem verdade.

Um dia triste que se levanta sobre nós, porque as nuvens negras da incerteza e da preocupação cobrem-nos a cabeça e alma. A incerteza marca o ritmo do pulsar do coração.

O mundo está entregue a loucos, que não olham um centímetro à frente do nariz quanto ao mal que podem causar quando levados pela paranomia, pela loucura do poder e pela irracionalidade das armas.

Os tempos em que se reclama tanto pela fraternidade e pelo diálogo como as únicas vias seguras para atingir os fins, afinal, emergiu outra vez o pior que há dentro do coração humano, o belicismo. Não me ponho ao lado de nenhuma Nato, de nenhuma Rússia e até mesmo do lado da Ucrânia, coloco-me ao lado da humanidade inteira, que não deveria precisar de armas para se entender e atingir os fins pelo único meio saudável que se conhece, a fraternidade e o reconhecimento do outro como seu semelhante.

Para Fernando Pessoa, a guerra é «a estupidez que sacrifica vidas a qualquer coisa inevitavelmente inútil» E acrescenta no Livro do Desassossego: «Não há império que valha que por ele se parta uma boneca de criança». As guerras sejam elas quais forem, as nossas pequenas guerras ou as de larga escala entre nações, revelam a maior das estupidezes humana, que somente encontram lógica e regozijo nas palavras dos vencedores que escrevem a história. Mas, os motivos são sempre  fúteis e as consequências severamente trágicas para a vida, particularmente, para as vítimas indefesas.

Seguro é que a incontornável certeza da guerra, pelas consequências que arrasta, na hora de ponderar os ganhos e as perdas, estas são sempre mais salientes que os outros. Por isso, não à guerra, não à violência e não à conduta da vida pela estupidez, que conduz sempre a humanidade à destruição e à morte.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Uma triste visão como possível ata

 Apontamento 4

A hora da reunião tinha chegado, foram entrando um atrás do outro como cordeiros a entrar no redil ou para o matadouro. Entraram cabisbaixos e sorumbáticos. Ao centro da sala faziam uma breve paragem e vergavam ainda mais as cabecitas pendidas para o lado direito - para esquerda é que não, vade de retro Satanás - e saudavam reverentemente o querido líder. 

Todos abancados nos cadeirões do século XVIII, colocavam os braços sobre a longa mesa e sem piar não moviam por nada as santas cabeças. Ali ficavam como seres inanimados para que nenhum sinal ou gesto viesse perturbar-lhes os bons agrados que prometeram impreterivelmente levar a cabo como condição da sagrada função. São seres tristes que se menorizaram e deixaram morrer para o mundo o pensamento próprio para dar lugar à divindade que criaram, que no seu entender se rebola de prazer com pias devoções e patéticos circos religiosos… Há um silêncio sepulcral que invade a santa cela interdita aos malvados réprobos, por exemplo, os que também dizem não às vezes.

Todos de rosto sério para ali ficaram enfiados nos panos da vaidade recebidos ao preço da anulação do cérebro. Temos então um quadro negro onde só um é rei e pode falar tudo o que lhe apeteça sem contestação. Os restantes, em verdade vos digo, como dizia Camilo Castelo Branco aos portugueses: «uns alentados canalhas salpicados de brasões», mas pouco ou nada úteis à libertação das cegueiras do mundo e da existência.

No canto mais recôndito daquele reduto ancestral, espertou o estrouvinho do velho, que depois de ter aplacado as agonias flatulentas das martirizadas tripas daquela seca que passava ventosa vinda das terras dos mouros, bocejou com ares de aliviado. Todo o homem tem mais amor ao bem-estar do corpo do que à honra. 

Após o sermão os papelinhos amarelecidos e mal cheirosos de rançosa naftalina passaram pelas mãozinhas delicadas, onde colocaram uma cruzinha, a lembrar a sacra cruz do Senhor, de tinta azul como o céu à frente da palavra sim. Só tinha a palavra sim no papelito, porque o negativo (não) sendo coisa do demo, não entra nestes negócios. Desta forma ficou feito que devia morrer, o coitado do «padre santo». Por causa desta influência de religiosos acéfalos, o Rei D. José teria proibido as cheganças (danças lascivas do XVIII), como se depreende da quadra que ficou para contar a nossa história: «Já se não cantam cheganças, / Que não quer o nosso rei, / Porque lhe diz Frei Gaspar / Que é coisa contra a lei».

Mais ainda rezam as crónicas, que deve ter havido aqui mãozinha de Frei Gaspar da Encarnação, a quem Camilo Castelo Branco, respeitosamente, denominou de «uma santa besta». E assim, como dizia lucidamente o saudoso Padre José Manuel Freitas, «é preferível fazer sabiamente o papel de tolo do que tolamente o papel de sábio». É difícil, mas não é de todo impossível repararmos que todos os dias a vida está cheia de ardilosos manhosos que tolamente mascarados de sábios nos tomam por patetas.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Com pequenas revoluções se faz a grande revolução

Mais umas luzes se levantam no alto da montanha densa do obscurantismo de alguma igreja católica, empedernida sob alicerces de mentes obsessivamente masculinizadas. Os costumes servem enquanto duram, porque servem num determinado contexto histórico. Se já não respondem ao pulsar do tempo que passa, porque não remetê-los ao seu fim ou simplesmente transformá-los. Nada de transcendente, tudo tão normal na vida quotidiana das famílias, das comunidades e até na nossa vida pessoal.


É com redobrado regozijo que este ardente desejo do «povo de Deus da Alemanha», reunido em rigorosa assembleia aprovou por larguíssima maioria de votos mudanças significativas. Nada que me surpreenda, porque desde há muitos anos que falava neste assunto e várias vezes manifestei oralmente e por escrito o sonho que estas mudanças viessem para que a igreja católica efetivamente se tornasse numa instituição normal, isto é, uma realidade onde cabem todos nos seus serviços e onde os serviços são para todos sem fazer aceção de ninguém.

A ousada frescura da Igreja Alemã é um passo de gigante e vai ser exemplar para a Igreja Universal. O Sínodo aprovou abolição do celibato obrigatório e a abertura ao sacerdócio feminino. Os alemães não brincam e ao contrário daquilo que se está a passar em muitas outras igrejas nacionais, incluso no centro da cristandade, o Vaticano, o desejo de mudança não tem passado de conversa fiada, paleio para entreter.

Tanto que se ouve que é preciso abrir a «‘gaiola’ da linguagem» e «inverter a pirâmide», mas ao mesmo tempo, a «gaiola» é fechada a sete trancas e volta a linguagem clássica carregada de conceitos anacrónicos e totalmente descabidos de sentido da linguagem dos nossos dias. Quanto à «pirâmide invertida», parece induzir que há desejos, não sei se sinceros, de dar voz e lugar central a todos os batizados, mas ao mesmo tempo volta o costumeiro discurso de que o sacerdócio é só para machos, que eles são os «eleitos de Deus», «os escolhidos» e que fazem parte da «sacra hierarquia» ou «sagrada casta clerical» para fazer a «vez de Cristo».

Só que isto nos mostra claramente como está equivocada esta maneira de pensar e de ser igreja. Os exemplos que este mundo tem oferecido de misérias vindas desta pretensa sacralidade, são bem reveladores do quanto se ganharia em valorizar o «sacerdócio comum dos fiéis», aquela unção sacerdotal que cada batizados recebe no dia do seu batismo. Por isso, as misérias da hierarquia são o ponto crucial e a exigência principal do quanto deve ser mais inclusivamente circular o poder na igreja católica e quanto precisa de despir-se das ancestrais manias divinas que se auto atribui, para revestir-se de humanidade e de igualdade perante todos os membros do povo.

É deste passo histórico que se trata. Noticiava o Mensageiro que 86% dos membros da reunião do Sínodo em Frankfurt se manifestaram a favor da abolição do celibato para os padres e da admissão de mulheres ao sacerdócio. Após dois anos de debates e pesquisas entre bispos e outros expoentes do catolicismo alemão, foi votada uma proposta com ampla maioria que se abre aos padres casados, afrouxando a malha da atual proibição secular. Foi aprovado também o envolvimento das mulheres e proibida qualquer exclusão.

Façamos destacar estes sinais que os ventos alemães fazem soprar sobre o mundo e que a ousadia da pequena revolução aqui ou ali vá engrossando a avalanche até à grande revolução final e universal. 

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Apontamento 4 - A maioria absoluta


Não é um mal nem nada de diabólico como estão a fazer crer os partidos menores que almejam sempre influenciar a governação.

Ninguém duvida que existam muitas coisas absolutas que são boas, positivas para o mundo e para a existência. A própria vida tem uma dignidade absoluta, é unânime que Deus também é absoluto, o respeito pelos outros, a qualidade da vida, os valores que nos norteiam que apreciamos tanto: a liberdade, a igualdade e hoje a fraternidade. O absoluto não é o diabo.

Uma maioria absoluta na política de um só partido político também não pode nem deve ser o diabo que vem aí. Pode servir para fazer avançar um país e facilitar a governação com estabilidade quando se guia pelos mais elementares valores democráticos.

A nossa história democrática reza que não temos bons exemplos de maiorias absolutas de um só partido político e de maiorias em coligação de partidos próximos nos ideais, porque desvirtuaram a «confiança absoluta» dos eleitores e por isso estamos escaldados.

Porém, pondo de lado essa má experiência e confrontados com uma nova maioria para governar os destinos do nosso país, somos levados a confiar e esperar que esta maioria não seja utilizada para o exercício do poder absoluto de um homem só e da sua maioria na Assembleia da República. Mas, que seja uma forma de governo, folgada, é certo, mas aberta à participação de todos. Qualquer maioria quando se torna fanático, dispensando o contraditório e outras perspetivas, empobrece e ao invés de fazer avançar o país, contribui para a sua regressão.

Não me iludo muito com nenhuma maioria de um partido único nem mesmo com as maiorias de partidos próximos nos ideais, como os exemplos que temos seguido. Assim, quero crer e esperar que as circunstâncias atuais do nosso país, forcem esta maioria absoluta a ser utilizada para fazer avançar as reformas e as infraestruturas fundamentais que o nosso país precisa para se tornar numa nação próspera e atinja os níveis de desenvolvimento razoáveis que beneficie todos os cidadãos.

Maioria absoluta não pode significar poder absoluto. Mas governação folgada que permita estabilidade, bom senso e bom uso da razão no sentido do exercício do poder como uma missão ao serviço do bem comum e da justiça.