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segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Três andamentos temporais


Os assassinos do amanhã não têm medida

não dormem como dorme toda a gente

pois golpeiam a dois gumes friamente 

o que pertence ao mundo e à vida.

 

Os assassinos do hoje são uma tristeza 

não se dão conta de nenhuma flor

são mais que cegos da intensidade da cor

é perigoso não se encantar com a beleza. 

 

Os assassinos do passado não deviam contar

no rol da memória sentida do tempo que nos fez

nunca saborearam este começo "era uma vez..."

são doentes, nada deste mundo os pode curar.

JLR

sábado, 27 de novembro de 2021

Os sentimentos não são descartáveis

A nossa época é uma época triste e contraditória. Dizem-me que é o tempo dos amores líquidos, onde os sentimentos podem ser facilmente descartáveis.

O que noto antes disso é que há pessoas mergulhadas na fragilidade, inseguras, desconfiadas, ciumentas até das sombras, a beberam medos contra a proximidade dos laços, estão marcadas pelo passado que não integraram ainda nem cicatrizaram as suas chagas. As palavras que deviam expressar sentimentos, não passam de palavras iguais a palavras obscenas que se soltam em cada frase que se pronuncia. Estamos no tempo do amor e do desamar à velocidade da luz, como alguém denominou.

Neste contexto temos um leque bem variado de opções que ajudam a colmatar as solidões e as carências, Facebook, Whatsapp, Instagram, Tinder, Twitter… É triste que alguns alimentem a ingénua ilusão de descobrirem amor nestes meios, quando se sabe à partida que
aqui não existe amor nem pode pingar amor.

Mas, há uma coisa que dali se retira, que não sei se é bom ou se é mau, nada nos apega a nada, quando não está bom apaga-se, descarta-se, bloqueia-se, deleta-se... E porque é tão fácil assim, transporta-se isso para as coisas da vida, mesmo que algumas delas requeiram mais atenção, cuidado, delicadeza, porque se trata de pessoas e dos seus corações.

Porém, esquece-se que fora dos teclados e dos ecrãs, há pessoas, corações, mãos e pés, um corpo inteiro, que guarda sentimentos, sonhos, desejos e que almeja ser feliz. Pensar mil vezes nisso deveria ser ainda muito pouco, porque mantém-se a máxima do sábio rabino Hillel que ensinava, «não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti», esta é toda a Lei e os Profetas.

Para tanta gente o amor é líquido. No entanto, quero crer que nem que seja em meia dúzia de pessoas deste mundo, ele ainda é sólido, totalmente real porque se alimenta fora dos parâmetros das vias frívolas e voltáveis dos tempos da comunicação virtual.

Fica o desafio, antes de magoar um coração, pense antes dez mil vezes, que pode ser um morador dessa casa.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Casa onde há fome há fartura de tempo

A garoa cobriu a encosta por inteiro. Estava tão desagradável que não permitia sair de casa. Mesmo que várias mãos suaves e delicadas já tivessem emborcado a leiteira vezes sem conta, mas de lá de dentro não caía nada para ninguém. A fome e o tempo estavam juntos naquele dia. Quanto mais percebiam do vazio do precioso líquido mais se avolumava o retinir da tripa daquelas pobres almas que almejavam comida de qualquer maneira.

A tarde demorou a vir, mas logo depois veio a noite, prometendo ser longa e farta de fome, nada se vislumbra para comer. Em casa de pobre só o tempo é que é em abundância. Ele é mestre a fartar como nada quando se espera e desespera pelos atrasos ou atrasados, mas também é exímio a fartar quando bate as horas em cima de horas sem providência de alimento que retempere as forças e sacie o estômago, a alma.

Nisto ouviram umas batidas estridentes na porta, e todos se sobressaltaram. Num breve jogo do empurra a ver quem tomava a dianteira para destrancar a porta, calhou a tarefa a quem competia naquele dia ter ido buscar o sacrossanto líquido ao palheiro das vacas. Com a mão direita certeira e com toda a força destrancou o canhão da fechadura e com a mão esquerda puxou com violência o ferrolho que sita ao meio da porta. Entreabriu a medo uma fresta e deitou os olhos bem abertos para fora. À sua frente estava a vizinha de baixo com um farnel de semilhas e uma travessa enorme de torresmos ainda a fumegar, pois tinham saído nesse instante da panela. Logo o cheiro das semilhas cozidas e os dos torresmos inundou todos os cando daquele reduto onde se guardavam comodamente aquelas almas famintas do tempo e da preguiça.

- Ó… Divinas mãos! – Gritaram todos dentro de casa em coro, eternamente agradecidos, pela dádiva desta alma bondosa da vizinha que se lembrou de partilhar generosamente do seu alimento.

É certo que a intempérie atrapalha a vida. Mas a preguiça é sempre mais forte que tudo. Ora vejamos, que reclamava manhosamente que as ervas carregadas de pingos lhe molhavam as pernas e assim ficava doente. Por isso, ali se deixou ficar sobre o manto da preguiça deixando todos à fome, argumentando sofisticamente que o tempo rebola para baixo mais depressa do que para cima.

Não restam dúvidas, porém, para alguém que certeiramente aduziu que a vida embeleza-se com solidariedade, não olhando a nada nem a quem, e doutro modo, se o trabalho desse dinheiro, todos os pobres seriam ricos.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Em que nos tornamos por este andar?



Em 2003 lancei o meu primeiro livro de poemas, «Regresso ao Mar». Foi um primeiro sinal poético, que perpassa vários momentos de interioridade e de reflexão. Como não podia deixar de ser, ainda marcadamente imaturos alguns dos textos que então escrevi. Porém, estava despido de qualquer pretensão e não pedi nada a ninguém. Só pedi ao meu grande amigo José António Gonçalves (ele sim, um dos maiores poetas da nossa terra), que me honrou com um texto belíssimo na apresentação do livro. Ainda guardo esta reflexão tão generosa como uma das melhores recordações da minha vida.

Este livrinho inaugural foi uma pequena compilação de textos que expressam o sentir do autor, da sua visão do mundo naquele tempo, da existência que despontava cheia de sonhos e de ideais. Naturalmente, que vinha ao som do marulhar de vagas suaves, tendo em conta a condição do ser ilhéu, manifesto no apego do autor ao mar.

Enfim, haveria tanto para dizer sobre esta obra. Mas, não me interessa muito por hora dar conta do que é essa pequena obra, tão significativa para mim por ser a primeira e por ter sido apresentada pelo grande José António Gonçalves na Livraria Paulinas, sita na Rua Fernão de Ornelas, Funchal. Venho a este terreiro relevar o seguinte facto, que se prende com o destaque da comunicação social escrita dado à minha primeira obra e com a fome e desinteresse dado à última obra, o romance «A Travessia Redonda» de 2021. Não se percebe este esquecimento, porque o autor é o mesmo e as obras devem ter a mesma relevância quanto ao seu interesse cultural. 

Porque terá suscitado mais interesse uma do que a outra? - A meu ver está relacionado com o contexto social, político, cultural e a forma como anda a nossa comunicação social escrita. Algo empobreceu. No entanto, relevo a pronta disponibilidade da Marta Cília para uma pequena entrevista no seu programa diário Hora 10 na Antena 1 Madeira e outra no Madeira Viva com a Xana Abreu na RTP-Madeira e outra entrevista com a Celina Pereira para Rádio JM...  

Perante as fotos aqui apresentadas fica manifesto que o «Regresso ao Mar», mereceu grande procura da generalidade da comunicação social escrita da Madeira em 2003, antes e depois da apresentação da obra. No entanto, em 2021 com a publicação do romance «A Travessia Redonda», só o Diário de Notícias publicou uma página inteira como notícia antes da sua apresentação ao público e o JM, após o lançamento na Feira do Livro no dia 14 de Novembro, publicou uma pequena tira numa das suas páginas impressas.

O que estamos a fazer à cultura? Ou que aconteceu à nossa comunicação social escrita da Madeira?

Assim sendo, relevo que não estava à espera que merecesse parangonas qualquer uma das obras, porque sei qual do meu lugar e da minha posição ou valor literário e, muito menos, me alimento de mediatismos como alguns se comprazem em considerar. Porém, reparei nestas diferenças, que para uns não deve dizer muito ou mesmo nada, mas para nós que nos interessamos pela cultura e pela sua divulgação devemos estar a pensar com preocupação e lamentar que não estamos a ir por bons caminhos.

Por isso, em face disto tudo alinhavei duas vias de pensamento. A primeira via é de que já há algum tempo venho a acompanhar várias publicações de livros na Madeira (e muito boas obras têm vindo a lume), peças fabulosas de teatro, cinema e tantas outras atividades culturais de relevante qualidade, mas que na comunicação social escrita têm merecido um medíocre destaque.

A segunda via de pensamento prende-se com esta constatação, a meu ver mais grave, a comunicação social escrita na Madeira empobreceu, porque afunilou a sua atenção apenas e só nos eventos políticos, nos escândalos, no desporto e nas suas derivadas futilidades, na vida frívola dos famosos, e nas notícias corriqueiras do quotidiano, que devem ser as melhores quando mete acidentes, violência, animais atropelados ou abandonados e tantas outras situações que não interessam senão para a volatilidade emocional do momento.

Deixo aqui esta dica para nos fazer pensar e nos despertar para um rumo diferente que venha a considerar tudo o que seja manifestação cultural em pé de absoluta igualdade, para que a diversidade neste domínio seja o mais díspar possível, dando azo assim a multifacetadas possibilidades de escolha aos cidadãos interessados.