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quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Renovar desejos e propósitos


No contexto de final de ano e início de novo ano, sempre nos toma um turbilhão de desejos positivos que vamos expressando uns aos outros. Algumas dessas vontades, se estão restringidas ao âmbito do foro pessoal ou familiar, também moram no nosso pensamento por estes dias.

Ando a meditar que avançamos tanto na ciência e na tecnologia. Por um lado, é tanto que nos traz o bem e nos faz bem, mas por outro, tanto nos torna frios, insensíveis, solitários, vazios e calculistas.

A este nível estaremos a falar de avanços impressionantes que marcarão o futuro da humanidade para o bem ou para o mal. Pode até ser que tais avanços sejam incontroláveis, isto é, que a humanidade passe de dominadora a dominada dentro de breve tempo. A inteligência humana associada à ciência e ao progresso tecnológico faz um caminho extraordinário que proporciona excelentes benefícios à qualidade da vida humana no Planeta. Embora, a que preço para os desequilíbrios do Planeta Terra e da biodiversidade… É um assunto que já está a ser avaliado e todos nós já estamos a sofrer as pesadas consequências dos estragos que foram feitos ao longo dos últimos anos.

Certo é que não descuramos o que é maravilhoso o avanço científico. As facilidades tecnológicas a ele associadas, idem. Mas tudo tem um preço quando feito de forma descontrolada e sob a cegueira que não há limites.

Noutro âmbito, não se desenvolveu de igual forma o bom senso e a ética. Há autores que defendem que neste domínio do bom senso e da ética, levamos 500 anos de atraso. Serão só estes 500 anos? - Provavelmente, referem-se às barbaridades políticas, sociais e religiosas de anos passados, onde predominavam as condenações à morte, as guerras sanguinárias, as decapitações, as chibatadas, lapidações, a tortura, as bruxarias e magias negras, a instrumentalização de Deus para fazer atrocidades em seu nome, as loucuras que extasiavam em nome dos deuses dos selvagens devotos que as defendiam e as explicavam sob o crivo da letra da palavra sagrada.

Olhando para esse passado onde predominou tudo isto, pensamos, que algum bom senso e ética prevaleceram e avançaram. Mas, vendo bem, pode ser que nem tanto assim, porque males semelhantes aos citados no parágrafo anterior, continuamos a assistir no nosso tempo. Hoje, malgrado continuamos com a humanidade a viver o seu melhor e o seu pior. Pois, há sempre uma parte que avança no bom senso e preocupa-se com a ética, mas outra parte em todos os cantos da sociedade continua a destilar o veneno da violência e a desejar que se cometam barbaridades contra os seus semelhantes, particularmente, os mais frágeis e indefesos. As religiões neste domínio também continuam a legitimar uma quota-parte neste campo da violência.

É tempo de renovar desejos e propósitos positivos. Os tempos são difíceis. Mas não devem faltar forças para que a par dos avanços científicos e tecnológicos, avancemos também no campo do bom senso e da ética. Pois, trata-se de salvarmos a humanidade e a nossa casa comum, o Planeta onde habituamos.

Almejamos o fim das guerras e que se abram todas as portas do diálogo fraterno para a resolução de todos os conflitos. Não ao progresso ilimitado, desregrado e sem ética. Mas sejamos todos por um desenvolvimento humano onde não deixe ninguém de fora.

Ano novo vida nova sempre se vai ouvido. Por isso, para que venham tempos de felicidade, é requerido substrato fertilizante, amassado pelas mãos bondosas de muitos homens e muitas mulheres de boa vontade. Um ano feliz para todos.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Saudação de Natal

24 de Dezembro de 2021


Vivemos como que exilados do céu

somos húmus na vertigem do sem sentido

loucos pelo possível e pelo impossível

nas malhas desta terra inconstante e sem valor

como que mortos no chão de Dezembro sem florir

é bastas vezes existência fome da serenidade do amor.

 

Assim tomados de assombro face ao Natal

Lembra-nos que é preciso retomar a luta

entre as mãos de uma mãe que amassa o terno pão

na pobreza despojada deste olhar como abrigo

nesse tempo frio onde sobrou apenas uma gruta.

 

Mais uma vez deve ser aconchegante ver

uma Sagrada Família compenetrada sobre o centro

desta visão infantil onde somos todos uma criança

abafados pelas frágeis e rudes palhas do ser.

 

Cantam anjos e pastores hossanas de alegria

a libertação do mundo veio outra vez está dito

pela forma do canto de um sonho interminável

para o mundo que teima em ser abominável

quando os dias são nada em vez do infinito.

 

Com flores, árvores e pedras o céu nas casas

é presépio iluminado momento sério sem cobiça

nasceu o Menino de Maria e do olhar de José

tanto é o respeito de ambos palavra para amar

a Boa Nova da bondade e da justiça.

 

E foi assim por piedade que o mundo viu

novos céus e nova terra para a humanidade

mais um apelo à conversão perante os gritos

pois são tantos os olhos molhados dos aflitos

silêncios cúmplices é preciso firmemente acabar

com as malditas noites e dias sucessivos.

 

Mas, eis o novo tempo que para todos prenuncia

é o sol que em ti divina conversão já floria.

É Natal! É Natal! Não seja apenas mais um dia

seja sempre vida nova. Sonho renovado do futuro

que em ti o mistério plantou como a flor numa poesia. 

JLR

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Um brinde à inexaurível fraternidade


 Crónica

10 Dezembro de 2021

O tio de cima vivia paredes meias com o tio de baixo. Estavam ligados pelo património, que herdaram da mesma casa paterna, porque não parecendo a ninguém, eram irmãos de sangue. Todos os adoptaram como tios, um de cima e outro de baixo. Algumas vezes guerreavam por causa das propriedades, das águas da rega, as galinhas que comiam as couves do terreno do outro, a cabra e os seus filhotes que se tinham soltado e lá foram à rama das batatas… Com toda a certeza que veria briga de algum lado.

A mulher do tio de cima, a Silvina, não perdoava uma que fosse. A defesa das propriedades ameaçadas do tio de baixo, era mesmo ele que vestia a toga de advogado, que em pessoa, também, não deixava por mãos alheias as suas advertências ao irmão, ralhando em altas goelas, apedrejando as atrevidas galinhas e as malditas cabras.

O tio de cima era ao contrário do irmão. Sempre pacífico nunca repostava mesmo que à vista de todos estivesse com a razão. Não se importava com os estragos, paciente como um anjo voltava a fazer sem pestanejar e tantas vezes ao arrepio da esposa, que era de língua afiada e sempre pronta para deitar da garganta para fora todo o palavreado que a alma afoita produzira. Afogava-se se não falasse.

O irmão, o de baixo, não perdoava nenhuma investida. Qualquer coisa servia para o vermos enfurecido. A sua mulher, a Maria, era uma paz de alma, dedicava-se às lides de casa e passava a maior parte do tempo a confeccionar os alimentos. Bastas vezes sentíamos o cheiro maravilhoso das semilhas a serem fritas para o jantar - lanche reforçado que era comido por volta das 16 ou 17 horas da tarde. Nada se perdia, as semilhas que tinham sobrado do almoço eram agora passadas à frigideira sobre a banha do porco, libertando um aroma raro de apetite e de prazer. Quando nos dávamos conta do cheiro, corríamos em manadas para fazer sentinela junto da porta da cozinha, um tugúrio coberto de palha, com um chão de terra batida onde poisavam panelas, taças de barro e as púcaras onde estava as carnes de vinha de alhos e a salgada da última matança do porco. A lareira estava ao centro, com um lar com dois compartimentos, onde um deles sustinha sempre uma panela com água a ferver.

A pobre mulher, a tia de baixo, já velha, um pouco quebrada para a frente, acusando o peso dos anos, vinha ao nosso encontro com as mãos cheias de talhadas de semilhas sobre uma folha de couve verde para lhe proteger as mãos da quentura e dava uma talhada bem tostada de ambos os lados a cada um de nós, com esta advertência despachante de carinho: - Agora vocês vão com a mãe!

Sem dizermos nada, obedientes, porque o marau do marido, vulgo tio de baixo, não lhe escapava nada, e nós que sabíamos muito bem dos intentos que era capaz, vínhamos contentes para casa, saboreando aquele regalo como toda a gente saboreia nos tempos de hoje um Ferrero Roché.

Já vimos que o tio de baixo facilmente sai do razoável. Mas sempre que precisa do irmão, também não se faz rogado. Admira que se um veio ao mundo para ser mais saído na conversa, na dureza com os outros, incontido na irascibilidade e nas palavras, mas não era tanto habilidoso como o irmão, o tio de cima, que era sempre muito prestável, pois era habilidoso para tantas coisas. Uma hora tirava os dentes podres das gentes contorcidas com dores fatais e insuportáveis. Noutra ocasião cortava os cabelos dos rapazes que ali apontavam com melenas a cobrir os ombros e parte das costas. Ao fim das tardes saía de casa para castrar porcos e bodes. Para tudo tinha um engenho raro que trouxe consigo do seio maternal e que fazendo bom proveito serviu a tanta gente desamparada neste mundo.

O irmão, tio de baixo, sabendo dessas habilidades todas, mesmo, por vezes, sendo tão intolerante com o irmão, não hesitava um segundo quando das suas mãos precisava.

- Olha a porca pariu onze bácoros. - Disse tio de baixo.

Levando as mãos à testa, ao peito e a cada um dos ombros, fazendo o sinal da cruz disse, tio de cima com admiração: – benza-te Deus! Rogai por nós Santo Antão! Estão todos bem?

- Sim… Há uns mais fraquinhos que outros. Mas já comecei a deitar o leite das cabras à porca para que não lhe falte leite nenhum nas tetas, para os bichos não definharem. Um dia destes passa por lá para capares os machos.

Assim, se acertou o dia. E como não podia deixar de ser, prontamente, se apresentou tio de cima para realizar a excisão dos testículos dos bácoros machos. Um a um foram passando pelas suas mãos bem presos entre as suas pernas valentes, aplicando um golpe certeiro em cada um dos lados do membro, que vertia sangue e os guinchos estridentes dos bichos subiam lombos e desciam vales pelo sítio todo. Um momento assaz cruel para os meus olhos da alma.

- É o último! - Alguém declarava.

Para finalizar vinha a tia Maria com um farnel de semilhas bem aloiradas com a banha na frigideira. Colocava a sua especialidade sobre a lenha num canto do chiqueiro, e com aquele manjar saboroso, despejavam dois jarros de vinho seco, acabadinho de tirar da pipa da última colheita. A diversão começava sem atrapalho, só e apenas a solidariedade e a entreajuda. Por mais que brigue ou se guerreie a humanidade, nunca deixará de ser consanguínea e feita de carne da mesma carne.  

Pelo menos nestas ocasiões nenhum estrago de galinhas ou de cabras que se soltavam dos currais mal-amanhados nem as trocas e baldrocas dos giros das águas de rega e muito menos as pedras que se soltavam das paredes dos poios que pisavam a colheita de um ou do outro, vieram atrapalhar o brinde à genuína fraternidade.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

De Gaulle: resistir contra ventos e marés


Nunca ceder ao ódio e muito menos à resignação.

Um nome que resta para todas as coisas e para todos os momentos da História: a resistência, mesmo que seja contra tudo e contra todos.

Foi graças à lucidez deste homem e extraordinário líder, a França, a Europa viram o curso das suas histórias seguiram o rumo da República/Democracia, que bem ou mal, podemos hoje usufruir.  

A revolução é sempre possível, mesmo que sejam só e apenas as palavras as únicas armas que restam.