Publicidade

Convite a quem nos visita

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Um dia de paz e de sabedoria na Quinta da Alegria

 
As vontades humanas, o seu engenho e arte, encrustaram na zona mais alta das serras de São Roque, no Funchal, a Quinta de Nossa Senhora da Alegria. Três andamentos de sabedoria e paz.

Reza a história assim sobre aquele lugar onde se vislumbra natureza exuberante, três edificações a começar pela capela de Nossa Senhora da Alegria. Francisco Vieira do Canto e Abreu (Funchal, 30 out. 1583; idem, 25 dez. 1636). Capitão de uma das companhias de arcabuzeiros do Funchal, era filho de Manuel Vieira do Canto e de D. Beatriz de Abreu, vindo a fundar a capela de Nossa Senhora da Alegria, em São Roque, embora viesse a ser sepultado no convento de São Francisco do Funchal. A capela passou depois aos Torre Bela, tendo sido restaurada em 1886 e benzida a 8 de Dezembro de 1887, passando a antiga proprietária Ann Constance Borger Fairlie, falecida nos Açores em 1986, algumas temporadas na quinta anexa. A quinta foi depois vendida ao Eng. Freitas Branco, que construiu a parte nova e nela habitou e, em 2020, passou a ser propriedade do escultor e pintor Francisco Simões.


Este dia 27 de julho reservou-me a felicidade de ser recebido em grande pelo seu atual proprietário, o meu bom e estimado amigo escultor Francisco Simões.

No meio da natureza exuberante, saboreamos a desmedida alegria do anfitrião que se desmancha em simpatia e sorriso contagiante. O seu entusiasmo é cativante e começa a guiar-nos como um enviado dos céus, alertando para os detalhes religiosos, o valor artístico de cada peça, todo espaço envolvente repleto de árvores, flores, árvores fruto e todo o género de plantas. Um manancial que preenche cerca de doze mil metros, que oferece ao interior de quem busca a beleza um encanto retemperador.


A visita começa na exígua e vetusta capela dedicada a Nossa Senhora da Alegria, onde se nos desvela um retábulo muito interessante com a imagem de Nossa Senhora e o Menino ao colo. A mão direita de Maria oferece ao menino uma maçã dentada, símbolo do pecado que entrou no mundo por uma outra mulher, Eva. Maria a nova Eva oferece ao Menino Jesus o símbolo do pecado e da perdição da humanidade, pois Ele é o redentor e o salvador da humanidade. Se por uma mulher, Eva, entrou o pecado no mundo, ao dar a dentada no fruto proibido, a maçã, por outra mulher, Maria de Nazaré, entra a redenção e salvação de toda a humanidade.

A visita continua e vamos à casa mãe, a casa original da quinta da Alegria. Maravilhosamente restaurada e apetrechada com encantador mobiliário antigo e como não poderia deixar de ser, uma autêntica «galeria de arte», com quadros e estátuas do proprietário da Quinta, o escultor Francisco Simões.

Miguel Torga


O terceiro momento ficou reservado para a habitação e atelier do escultor, a parte nova da Quinta, onde tem sido moradia dos últimos proprietários. Neste espaço podemos nos deslumbrar com a paisagem verdejante que se impõe como presença incontornável. Os diversos compartimentos estão repletos de estátuas, cada uma mais bela que a outra, imagens, quadros com os desenhos das estátuas e obras de arte espalhadas por Portugal Continental e pelo mundo fora. Saltam aos olhos, os cerca de cinco mil livros sobre arte, cuja maior parte tem participações do escultor Francisco Simões. Tudo são preciosidades que nos falam e nos encantam o olhar da alma em sentida devoção e comoção. 


Não podia ser melhor o propósito do Evangelho deste que dia, tirado de São Mateus, que nos relata que um homem encontrou um tesouro escondido num terreno, ficou tão contente que vendeu tudo o que tinha e comprou esse terreno. Outra parábola no mesmo relato diz que um negociante que procura pérolas preciosas, ao encontrar uma de grande valor, foi vender tudo quanto possuía e comprou essa pérola. É bem o que me apetecia fazer se estivesse um gesto deste ao meu alcance.

As serras de São Roque escondem um tesouro e uma pérola de grande valor. Para nosso desgosto e mais ainda do dono deste tesouro, pessoa de renome nacional e internacional, que embora não sendo natural da Madeira, ama a nossa terra, deixou tudo e tanto para trás, meteu tudo isto em contentores e rumou para a ilha da Madeira. Nada melhor podia nos ter acontecido. Uma graça que não encontrou aliados, melhor, encontrou desinteresse, indiferença e pior que tudo alguma zombaria porque devem considerar quem assim procede como um louco, um lunático que se guia pela inutilidade da arte.


Francisco Simões está desgostoso e mais uma vez desencantado com o desprezo e indiferença que encontrou na ilha. Por isso, está novamente de armas e bagagem quase prontas para rumar a outras paragens, onde possa encontrar outros «loucos», que se alimentem daquilo que entre nós se considera «inútil». Sim, porque na nossa terra «útil», é o pão e o circo permanente, mesmo que passado o efeito nada fique senão a miséria que o esgoto engole. Os rios de dinheiros públicos que se gastam em ramboiadas, podiam muito bem servir para ser investido em arte, cultura, sabedoria e em tudo o que são valores que a traça não rói e que nenhuma contrariedade do tempo e do modo possa diluir.


É com muita pena que vejo este tesouro não ser valorizado pelas autoridades regionais. As nossas escolas aqui podiam ter um campo magnífico para ensinarem a contemplar a arte, a cultura, a natureza… Melhor lugar não se encontraria para sair dos caixotes das salas de aulas tantas vezes secantes como testemunham os alunos. É muito triste que ninguém tenha aproveitado a disponibilidade daquele espaço e a sabedoria do seu proprietário. O seu desencanto trouxe-me a pensar cheio de tristeza na viagem de regresso.    

E concluo assim, a traça corrói a madeira. A pobreza de espírito corrói a ilha da Madeira.

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Sem futilidades nos descobrimos e entendemos


O domingo 24 de julho trouxe para a celebração da missa um texto do Evangelho de São Lucas sobre a oração. Jesus respondendo ao repto de um dos seus discípulos ensinou a oração do Pai Nosso. Mas, não foi só isso que fez simplesmente. Também aproveitou para fazer uma catequese sobre a ideia de Deus e de como Deus se posiciona face à oração de cada um.

Andei por aí a observar algumas homilias proferidas ontem e na maioria reparei que a oração se centrava na tónica da insistência. Para quem insiste na reza, quanto mais, melhor, está safo, porque há um deus a encher um depósito do muito palavreado que lá chega e quando atinge a medida, concede o que lhe pedem. Não embarco nesta ideia.

Não considero Deus um vendedor tipo de um basar chinês. Um comerciante ou negociante de milagres, curas e soluções para os problemas que nos compete encontrar.

Por isso, salientei a ideia de que a mensagem de Jesus era um valente puxão de orelhas a todos nós, que facilmente, fazemos de Deus um negociador. Uma entidade despenseira de milagres e de soluções para os problemas da existência, que nos compete resolver com simplicidade, humildade, justiça e verdade.

A mensagem é clara e pretende passar a ideia de que Deus é a Verdade Plena, a Suma Bondade, a Beleza incomparável e a Misericórdia Infinita. Por isso, não precisa de que a oração seja um desenrolar de coisas em cima de coisas, palavras e mais palavras. Bastam bons propósitos e sérios sentimentos, porque disse Jesus, «quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á».

Depois da oração do Pai Nosso vieram duas parábolas bem elucidativas, que pretendem dar uma ideia acerca de Deus como Pai, que não precisa de insistência nenhuma. A primeira, conta que um amigo recebe em casa outro amigo que vinha de viagem, estava cansado e com fome. O anfitrião não tinha nenhuma comida em cada para lhe dar. Pensou bater à porta do vizinho, que também era seu amigo, para lhe desenrascar um pão. Mas, visto serem altas horas da noite, não se levantou logo para satisfazer o pedido, barafustou e só depois de muita insistência veio furibundo à porta dar-lhe o pão, despachando o amigo com indisposição desmedida. O próprio Jesus interpreta o texto de forma magistral dizendo que ele não se levantou por ser amigo, mas por causa da insistência. Só faltou Jesus dizer, com Deus Pai que vos falo e apresento não é nada assim.

Mais adiante, temos então o puxão de orelhas propriamente dito. A segunda parábola são duas perguntas: «Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe, em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente? E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião»? E logo de seguida adianta: «Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!» - Melhor é impossível!

Tudo tão claro e tão óbvio, que faz pena ouvir e lerem-se autênticas barbaridades de bispos e padres que sem escrúpulos nenhuns distorcem o sentido das palavras.

É pena que não se aproveite para esclarecer e fazer crescer as assembleias litúrgicas, mas se contribua ainda mais para amedrontar as pessoas diante de uma imagem de um deus irascível, desmedidamente exigente e depositante de futilidades que se considera oração. Pois, só uma riqueza em nós bastará: «o Espírito Santo», que pode estar em forma de dons em cada pessoa: a sabedoria, o entendimento, o conselho, a fortaleza, a ciência, a espiritualidade e o amor de Deus. Mais palavras para quê…

quarta-feira, 20 de julho de 2022

A felicidade que a pobreza nos dá

Decorreram no dia19 de julho de 2022, durante a tarde inteira as comemorações do décimo aniversário do Banco Alimentar Contra a Fome na Madeira (BA).

De acordo com as primeiras atas, na Madeira o BA não celebra 10 anos, mas 11 anos - já explico. Poderão considerar que se pode negligenciar as particularidades seguintes, mas a História nunca o deve fazer, em a bono da verdade de qualquer memória, pois, pequenos e grandes fatos têm utilidade. E como diz Victor Hugo, «é com a fisionomia dos anos que se compõe o caráter dos séculos».

As primeiras atas das reuniões oficiais com os cidadãos fundadores do BA na Madeira, poderão confirmar que o BA Madeira não começou a existir no dia da sua inauguração e implantação no Armazém gentilmente cedido pelo sr. Fernando Caires no sopé sul do Pico dos Barcelos. Há muita história e pessoas envolvidas muito antes da sua inauguração. Assim, a bem da verdade, preciso fazer este registo, para que sejamos fiéis à memória histórica. Mas, parece, que logo ao fim de dez anos de existência, interessa que se apaguem alguns dados cruciais da origem do BA na Madeira. Não alinho nisso.

O mérito da «máquina poderosa» em que se tornou o BA madeirense, é óbvio que não se deve ao grupo inicial de cidadãos que a muito custo e contra várias vicissitudes conseguiram que o BA viesse para a Madeira. Quase todos os cidadãos desse início saíram ou foram descartados logo no nos primórdios, porque alguns descobriram que ali estava um filão interessante para outros fins alheios à luta contra a pobreza. É pena.

Vamos a peripécias do destino. Foram várias as tentativas para trazer para a Madeira o BA, mas o Governo Regional, a Cáritas com a força do bispo diocesano e demais entidades regionais, moveram pressões duras contra as várias tentativas. Entendiam que na Madeira não havia pobres nem muito menos fome, diziam, para quê um BA contra a fome, se não temos pobreza nem fome?

A 24 de Setembro de 2011(Ata número 1), nascia o BA na Madeira. Após algumas reuniões informais, pela primeira vez encontraram-se todos os cidadãos convocados e interessados em trazer para a Madeira o BA, sem qualquer intenção de vir a ser um braço armado de nenhuma entidade pública. Está bem claro na primeira ata, um dos cidadãos presentes nesta primeira reunião oficial, «relatou o seu encontro com a Senhora Coordenadora Nacional do Banco Alimentar contra a Fome, Isabel Jonet, e chamou a atenção para os objectivos daquela organização equiparada a IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social); a ação indirecta que desenvolve e a sua independência face às estruturas político/governamentais, ideologias, religiosas e outras».

Tudo isto foi mandado às urtigas. E quem não cumpre com o que defendeu não aceita que se alerte para a subserviência e dependência, porque facilmente enche a boca com a expressão «são os nossos parceiros». É o que diz tudo o que mexe na Madeira, que nunca existiria se não fossem os orçamentos públicos. 

Os nossos impostos, que devem ser cobrados para pagar os nossos governantes (e muito bem pagos por sinal), devem ser para políticas de justiça social, de igualdade de oportunidades e incentivos à criação de emprego. Nada para a caridade. Os governantes não são pagos para fazerem assistencialismo. A política de mão estendida (vulgo caridade) deve ser sempre provisória e a prazo, nunca uma receita permanente como estamos a ter nos últimos anos. Esta forma de responder à pobreza é gerador de mais dependências e de mais pobreza. Ainda sonho com instituições, pessoas e grupos que não falem de pobreza, mas falem aos pobres para que sejam eles os protagonistas da sua libertação.

Não aceito que andemos nesta onda de mãos estendida, uns a pedirem outros a terem que dar, porque a governação ao invés de suscitar o progresso, é motivador de subdesenvolvimento.

Neste momento estamos bem, dizem, o BA e as dezenas de instituições de distribuição de comida, pois estão a funcionar de forma maravilhosa. Todos estão contentes (menos eu que não concordo com nada disto). As entidades públicas ficam excitadas, o pessoal da máquina do assistencialismo está ao rubro, porque recebe mais dinheiro público, mesmo que não se saiba o que é um pobre e quantos pobres temos na Madeira. Parece basta que este «braço armado do assistencialismo» encha as barrigas dos incautos, mostre como são amigos dos pobrezinhos alguns ricos, os governantes e as sobras recolhidas são uma das melhores ações ambientais que se faz por cá. Por fim, os políticos ganham em votos e os outros sabe-se lá Deus em que mais. O que é certo, é que quanto mais fortes e bem organizadas as instituições assistencialistas forem, não saímos da cepa torna, a pobreza mantém-se ou aumenta. Porque o real perfeito funcionamento do assistencialismo, é a derrota maior das políticas e dos governantes que se esqueceram de levar a efeito medidas contra a pobreza. Mais do que louvores e regozijos devia haver vergonha.

Foi pena que neste encontro não se tenha ouvido uma palavra que fosse sobre justiça social, incentivos à criação de emprego e políticas bem vincadas que sejam geradoras de igualdade de oportunidades para todos. Nada, zero de apoios às famílias fora do âmbito da esmola. Nada de sério quanto a uma política de desenvolvimento que faça sair a Madeira do índice de uma das regiões mais pobres do país.  

Como se compreende que estejamos com escassez de trabalhadores em várias áreas, mas depois dizem que vão reforçar toda a rede de apoios assistencialista? Tem algum jeito este paleio?

Enfim, é pena que continuemos assim, numa loucura presente sem futuro, que conduz a Madeira a estar permanentemente subjugada à pobreza, deprimentemente envelhecida e sem massa cinzenta qualificada, porque todos os jovens que saem da Madeira para estudarem não voltam (e fazem muito bem!).

É melhor acordar para a realidade e marcar a data da morte de todos os organismos assistencialistas que vieram a lume como cogumelos na nossa terra nos últimos anos. E terminarmos com esta ideia sub reptícia que a alegria de alguns espelhada nos retratos quando se trata do assistencialismo, é a felicidade que a pobreza nos dá!

Aos governantes pedimos, concentrem-se nas políticas inclusivas, na justiça social e na igualdade, para que deixemos de dar o pão de «mão beijada», sem nunca esquecer, que não há nada mais indigno, que é comer das esmolas. Por isso, providenciem-se muitas canas e que elas ponham cada um a pescar o peixe com o suor do seu trabalho.


terça-feira, 19 de julho de 2022

O Evangelho feito pelas mulheres

A missa do domingo passado (17 de julho de 2022) reservou uma passagem do Evangelho de São Lucas, deveras desconcertante e que devia ser valorizado com mais ênfase pela Igreja em geral e pelas nossas sociedades.

É um pequeno texto que tem como figuras centrais duas mulheres, Marta e Maria perante Jesus, que tinha sido convidado pela dona da casa, Marta. Ambas recebem bem. Mas, Marta destaca-se e atarefava-se numa azáfama estonteante para receber dignamente o Mestre. Maria, tomou a posição do discípulo, sentada aos pés de Jesus, escutava com atenção as suas palavras. Obviamente, que a maioria releva a atitude de Maria, porque escolheu fazer contemplação, aparentemente, um gesto mais submisso, que é do agrado do machismo. Menos valorizada é a atitude de Marta, que andava agitada e no ativismo, elementos mais do que suficientes para ensaiar um discurso negativo e de condenação da vida atual. Porém, não esqueço que Mestre Eckardt, surpreendentemente, chamou a atenção para o fato de considerar a verdadeira mística, afinal, era Marta.

O grande ensinamento que se tira deste episódio é de que Jesus aproveita para nos mostrar o que é o discipulado ou o apostolado, a partir de duas figuras femininas e não masculinas como habitualmente se faz crer. Até parece que a evangelização para ser autêntica só pode ser feita pela voz masculina. 

Por isso, nem uma nem outra atitude exclui a outra. Ambas se complementam. Mas, poderão afirmar que Jesus destaca a atitude de Maria: «Maria escolheu a melhor parte». Não acredito que Jesus o tenha dito exatamente assim. Dois mil anos de peripécias produzidas pelas vicissitudes das traduções, pressionadas pelo patriarcalismo e pelo machismo reinante devem ter feito muito mal à riqueza da mensagem do texto e desvirtuado o pensamento de Jesus.

Assim, iluminados pela riqueza deste texto, na atitude de Maria, somos tomados a considerar que para a vida toda e para todas as vidas, em qualquer circunstância, só nos fará bem escutar e contemplar a mensagem, que nos ajude a nos descobrirmos, a vermos bem de onde viemos, para que estamos e para onde vamos. Como disse Sophia de Mello Breyner: «Deixai-me com as coisas/ Fundadas no silêncio». Nenhum Homem é uma besta de carga.

Porém, na irrequietude de Marta, somos também convocados para a ação, a missão da vida concreta e aí sentimos como nos devemos implicar nas obras concretas que edificam o mundo e concedem dignidade aos nossos semelhantes. É preciso transformar o mundo e transformar a pessoa com a mais nobre qualidade que foi dada à humanidade, a inteligência para conjugar o verbo fazer.  

É pena que no geral a Igreja Católica ao celebrar a missa, quando aparece este texto se reduza à interpretação enviesada, sem relevar o quanto está aqui presente uma mensagem sobre o apostolado. E mais ainda considerar sem medo que Jesus no seu grupo tinha mulheres e homens, ambos unidos foram o sinal da fraternidade ou da irmandade que Jesus fundou. É pena que não sejamos capazes de fazer valer nos «tempos sinodais» este quadro fraterno, profundamente evangélico e tão fiel ao sonho de Jesus.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

O sentido da existência está na confiança


Em tudo na vida sempre tem que estar pressente a confiança. Ainda mais no que diz respeito à realidade última e ao nosso fim último.

Sem confiança, tudo se torna irracional e absurdo. Por isso, os fins últimos para muita gente, tantas vezes são inaceitáveis e desesperantes, porque não suportam as contingências da vida, particularmente as do fim último, a morte. Não as suportando há desespero, revolta, que depois não deixa viver nem permite saborear a existência presente e menos ainda a futura.

A par da confiança pode estar o nada ou Deus. Ambos podem ser pensados e a razão humana para ambos pode encontrar causas que os justifiquem. O nada, é o vazio, o fim definitivo e irremediável. Deus é o mistério que abraça toda a existência, fonte inicial e última de toda a criação.

É verdade que nenhum se comprova e demonstra. Nenhum pode ser verdade absoluta que se impõe pela força ou pelo seguidismo cego. Ambos estão nos corações da humanidade. Um e outro orientam o caminhar humano da vida histórica de multidões incontáveis de pessoas.

Nada e Deus não são comprováveis, mas nenhum pode de forma alguma dispensar a confiança e a razão. E ninguém neste mundo sobrevive à beleza do amor, a fina flor do tempo e do modo de toda a criatura que veio à luz deste mundo.

O amor não se pode demonstrar. Deus não se pode demonstrar. O nada não se pode demonstrar. Porque se alguma vez forem demonstrados qualquer um deles, deixava imediatamente de ser o que é.

Uma certeza segura é que a nossa existência não é possível ser encarada sem o amor - o amor implica sempre a confiança. É óbvio, que o amor está presente no coração crente do nada e no coração crente de Deus. Por isso, eu acreditando em Deus ou no nada, vejo-me implicado sempre na luz da confiança. E só assim se constrói o presente e o futuro, subindo os montes do bem e da verdade, mas também descendo os vales do sofrimento com redobrada esperança (e confiança).

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Festival da lapa e da poesia

Finalmente alguma coisa de jeito nesta nossa pasmaceira de Madeira para elevar o espírito e as mentes sedentas de cultura.

Alertado por amigos para o belíssimo cartaz que anuncia mais um mor arraial de sabedoria popular e encanto inteletual, lá fui espreitar o dito cartaz e eis «Festival gastronomia e poesia». Toma para aprenderes.

Que se desenganem as almas que arribarem ao Paul do Mar neste fim de semana (15, 16 e 17 de Julho 2022), pensando que só degustarão só e apenas lapas, frango assado, espetadas e bolo do caco, tudo regado com vinho e cerveja coral. Nada disso! Par desta nossa excelsa e divinal criatividade gastronómica, típica de todo o circo madeirense, levarão pelo sarrilhe abaixo com poemas, sonetos e outros versos de alto gabarito.

Ao deparar-me com o cartaz, espreitei as figuras que o compõem, os chamados cabeças de cartaz da festa, uns conheço outros não, mas fiquei logo descansado porque são todos, pessoas que cantam músicas com montes de mensagem poética como nunca se viu no mundo musical.

Logo depois pensei, tenho os cabeças de cartaz do arraial popular em honra da lapa, faltam as figuras da poesia...

Vai daí, porque ando farto de tantas deformações sintáticas, dos rípios e das sílabas em excesso ou da sua falta, neste afã de ver cabeças sonantes de poesia mergulhadas no fundo do cesto das lapas e no cardápio indispensavelmente pimba, bebi mais uma frustração, não encontro nenhum verso, nem muito menos um soneto, livre ou rimado que me diga eis a poesia. Nomes à poesia ligados, nada, mesmo nada… A que se deverá o pomposo título: «Festival gastronomia e poesia»?

Vamos continuar à espera de sair desta obscuridade na poesia, que tanto carateriza o público em geral, até ao dia em que no Paul do Mar, a degustação lapeira faça valer a poesia como ingrediente humano para iluminar o ambiente social deste cantinho ilhéu onde nos criamos. Tomara que seja agora esta vez da luz que sobre o horizonte cintilará a poesia.

Não digo nem espero que as palavras façam desabrochar as flores com os seus aromas encosta íngreme acima, mas que a comovida retórica das letras musicais dos cantores convidados, nos façam enternecer o espírito, porque o corpo está mais que sacudido com a «criativa» gastronomia madeirense e a dança que o vazio pimba suscita.

Venham versos de Milton e de Goethe, Cavafis e Seféris, Herberto Hélder, Fernando Pessoa, Sophia Andersen, Miguel Torga ou então mais alguns dos nossos: Maria Aurora, Agostinho Batista, Tolentino Mendonça… E todos os que couberem no comensal dos alapados deste mundo e do outro que vegetam à conta do engodo e do engano do povo. Siga a festa.

sexta-feira, 1 de julho de 2022

A Deus louvamos pelo dia da Região


Dia da Região Autónoma da Madeira e das Comunidades Madeirenses. Tem um nome cumprido e pomposo, como o ego de tantos os que fazem deste dia uma máscara polida e envernizada de fresco sem sumo e muito menos com a realidade autêntica de onde habitamos.

Ainda hoje haverá «Te Deum» na Sé do Funchal como «enfeite» do extenso programa do dia.

Acho bem que exista um «Te Deum» na Sé e devia até haver em todas as igrejas da Madeira, um louvor bem vincado pela libertação de um povo explorado, massacrado pela colonia e pelas íngremes desigualdades sociais que sempre marcaram (e marcam) população madeirense. A Autonomia ainda não fez valer o sol da justiça e da igualdade de oportunidades.

Já sei, não precisam de me lembrar, a igreja não deve «meter-se» em política. Porém, afirmo sem dúvida nenhuma, a igreja não pode ser um singelo brinquedo para o poder político se pavonear e receber elogios apenas. Na área do poder político muitos pensam que o papel da igreja se reduz a fazer salamaleques diante das suas passeatas. Não querem ser incomodados.

É triste constatar que na realidade têm sido correspondidos com o silêncio cúmplice da nossa igreja em muitos momentos, face a tantas situações que gritavam por um apelo, uma denúncia profética, uma palavra… Nada de nada foi o que veio sempre. Ficaram apenas as festas, os rituais e o verbo das generalidades.

Tudo isto é o pecado do esquecimento da igreja da sua dimensão libertadora do Evangelho e ficando-se no comodismo da «salvação das almas». Os corpos que se contentem com as migalhas que lhes chega.

É claro que à Igreja não compete governar. Ponto final. Mas como instituição com um mandato tão claro para evangelizar os pobres e defendê-los, não pode deixar de estar atenta à governação, e mais ainda do que isso, totalmente comprometida com a libertação dos excluídos, os sem poder reivindicativo, pela falta de bens materiais, educação, cultura e oportunidades para serem cidadãos de pleno direitos e deveres.

Estes momentos de «Te Deum» deviam ser ocasiões, não apenas para festa, pomba laudatória, rituais anacrónicos e generalidades ocas, mas um alerta e um sinal de compromisso na denúncia de uma certa maneira de exercício do poder quando resvala para os abusos, que em vez de resultar na melhoria das condições de vida do povo, ainda mais acentua as desigualdades e as injustiças.

Portanto, é dever da igreja «meter-se» na política, não de todo de qualquer jeito, mas ao modo de Jesus Cristo. Os Evangelhos estão cheios de exemplos.

É óbvio, que este dia deve ser bem vivido e celebrado. Mas, não apenas, como um intervalo nem muito menos como mais um feriado para gozar o descanso, sem pensar um pouco sobre o seu real significado, o que ele implicou no passado e para onde nos está a levar.

Este dia também deve ser associado à revolução do «25 de abril», que nos libertou das amarras de uma ditadura de 48 anos e nos abriu a porta para o futuro em liberdade. Urge, como cristãos, que não esqueçamos o quanto temos que nos alegrar com a liberdade e com a Autonomia da Madeira.