Finalmente alguma coisa de jeito nesta nossa pasmaceira de Madeira para elevar o espírito e as mentes sedentas de cultura.
Alertado por amigos para o belíssimo cartaz que
anuncia mais um mor arraial de sabedoria popular e encanto inteletual, lá fui
espreitar o dito cartaz e eis «Festival gastronomia e poesia». Toma para
aprenderes.
Que se desenganem as almas que arribarem ao Paul do Mar neste fim de semana
(15, 16 e 17 de Julho 2022), pensando que só degustarão só e apenas lapas,
frango assado, espetadas e bolo do caco, tudo regado com vinho e cerveja coral.
Nada disso! Par desta nossa excelsa e divinal criatividade gastronómica, típica
de todo o circo madeirense, levarão pelo sarrilhe abaixo com poemas, sonetos e
outros versos de alto gabarito.
Ao deparar-me com o cartaz, espreitei as figuras que o compõem, os chamados
cabeças de cartaz da festa, uns conheço outros não, mas fiquei logo descansado
porque são todos, pessoas que cantam músicas com montes de mensagem poética
como nunca se viu no mundo musical.
Logo depois pensei, tenho os cabeças de cartaz do arraial popular em honra
da lapa, faltam as figuras da poesia...
Vai daí, porque ando farto de tantas deformações
sintáticas, dos rípios e das sílabas em excesso ou da sua falta, neste afã de
ver cabeças sonantes de poesia mergulhadas no fundo do cesto das lapas e no
cardápio indispensavelmente pimba, bebi mais uma frustração, não encontro
nenhum verso, nem muito menos um soneto, livre ou rimado que me diga eis a
poesia. Nomes à poesia ligados, nada, mesmo nada… A que se deverá o pomposo
título: «Festival gastronomia e poesia»?
Vamos continuar à espera de sair desta obscuridade na
poesia, que tanto carateriza o público em geral, até ao dia em que no Paul do
Mar, a degustação lapeira faça valer a poesia como ingrediente humano para
iluminar o ambiente social deste cantinho ilhéu onde nos criamos. Tomara que
seja agora esta vez da luz que sobre o horizonte cintilará a poesia.
Não digo nem espero que as palavras façam desabrochar
as flores com os seus aromas encosta íngreme acima, mas que a comovida retórica
das letras musicais dos cantores convidados, nos façam enternecer o espírito,
porque o corpo está mais que sacudido com a «criativa» gastronomia madeirense e
a dança que o vazio pimba suscita.
Venham versos de Milton e de Goethe, Cavafis e Seféris, Herberto Hélder, Fernando Pessoa, Sophia Andersen, Miguel Torga ou então mais alguns dos nossos: Maria Aurora, Agostinho Batista, Tolentino Mendonça… E todos os que couberem no comensal dos alapados deste mundo e do outro que vegetam à conta do engodo e do engano do povo. Siga a festa.
1 comentário:
Caríssimo,
Pois é assim! Come-se lapas e fica-se "expert" em poesia. Faz lembrar o famoso leite escolar em que as crianças que bebessem desse líquido ficavam mais expertos e como tal tiravam melhores notas escolares. Agora e segundo noticia da imprensa regional, ou se alterava a designação "Festival da Lapa" ou não haveria festa. Os apoios comunitários assim o exigem... como tal haveria de criar nova cartaz promocional em que ao incluir-se a literatura e a designação da poesia, haveria "pilim" fresco. E eu a pensar que quem comesse das ditas lapas e uns jarros de vinho, despejaria boa poesia. Contento-me com os tremoços improvisados!
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