Texto de opinião, Sinais dos Tempos, Diário de Notícias do Funchal, 25 de Agosto de 2013...

O mal físico tal como o pecado é obra do diabo, a cura miraculosa só pode vir de Deus. Ora se embarcamos nisto, ficamos muito pobres e quiçá somos profundamente injustos, porque a santidade fica reservada a uns iluminados/privilegiados e os outros, a maioria, condenados a serem uns diabos sem cura nenhuma. Não entendo isto, por mais exercício que faça à minha cabeça. Neste âmbito considero que devemos acolher a vida como ela se nos apresenta, mesmo que sejam fortes o sofrimento, a limitação e toda a injustiça que às vezes ela nos oferece. Mas, acreditamos que a sua plenitude nos está reservada, não sabemos quando e como. Este crer faz parte da «santidade» que a fé nos revela como qualidade que todas as pessoas podem alcançar, mesmo que não seja já aqui e agora, mas um dia quando Deus no seu imenso amor o revelar em toda a Sua Grandeza.
Se nos dedicamos à «caça» de milagres então vale tudo, até chegar à bruxa, ao prestidigitador, ao padre, ao pastor, grupo religioso ou outro, que por artes mágicas se dedica a fabricar remédios, gestos, sinais e todas as manifestações esotéricas que abundam por aí para alcançar curas, exprimir vinganças e todo o género de desejos que germinam no coração humano como cogumelos. Assim sendo, esquecemos o quanto é necessário descobrir a dimensão do mistério que nos envolve, contemplar e acolher isso é o grande desafio da nossa vida neste mundo. Porque se não conseguirmos realizar esta tarefa, então como acolheremos o sofrimento e toda a injustiça que esta vida acarreta? Como conviveremos com a doença incurável, com a morte de crianças inocentes, com as desgraças de tantas vítimas que este mundo sempre implica de forma tão cruel e injusta? Como se compreende a fome, a guerra e todas as manifestações humanas que existem em todos os tempos e em todos os lugares do mundo? Porque não há um milagre que faça desaparecer todas as misérias? (…).
Apresentar e crer num Deus milagreiro será para nós uma tragédia e uma forma de limitarmos o que Deus é. Deus oferece o «único» milagre, o da Vida com tudo o que este tesouro implica. Depois, somos nós, humanidade, que sob a sua proteção e cuidado realizamos todas as condições para que a vida seja possível com dignidade e felicidade. O que é nosso fazer não pode nenhuma divindade tomar para si nem nós podemos descartar o que é nossa responsabilidade.
Nós, contemplados com o «único» milagre, o da vida, e uma vez sendo a obra-prima da criação, à humanidade cabe zelar pelos outros seres sob a sua responsabilidade, para tanto é necessário que ela aprenda a viver em comunidade, trabalhando, visando não só o seu bem-estar, mas o do Todo e o de todos.
O que necessitamos, é que nos coloquemos ao serviço da vida e com ela acolhemos a transcendência, para que sejamos fortes e corajosos para aceitar as limitações, problemas, dificuldades, inquietações e perplexidades da vida material. E sempre com esperança e fé nessa dimensão da existência, lutamos justamente contra a carência de transcendência, que se manifesta no apego aos bens materiais explícito no alto índice de criminalidade, no escandaloso crescimento do tráfico e consumo de drogas, nos casos cada vez mais comuns de gravidez na adolescência e no abandono dos filhos, no crescente número de tráfico de pessoas, no grande aumento da prostituição e nos casos cada vez mais absurdos de corrupção, na fome e na guerra… É contra tudo isto e contra tudo o que não eleva a vida para o bem e a felicidade, que o «milagre» da vida nos chama a lutar.