Publicidade

Convite a quem nos visita

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

A Igreja piramidal e a Igreja circular


Os tempos apetecem que se continue a falar do termo mais badalado na atualidade em toda a Igreja Católica, a sinodalidade. Assunto lançado pelo Para Francisco. Receio que faça parte da conversa para entreter uma temporada. Oxalá me engane.

O Sínodo é um conceito interessante. Todos o definem como sendo um «caminhar juntos» ou «caminhar em conjunto». É bonito, sim senhor. Porém, pode resultar em nada, se nada for alterado naquilo que enferma a Igreja Católica, quanto à forma de ser Igreja e quanto a alguma doutrina que continua a levantar tanta perplexidade e indiferença aos tempos de hoje.

Para alguma mudança da forma, já vi que se fala que a Igreja Sinodal é uma «pirâmide invertida». Não me parece que chegue. Uma pirâmide de pernas ao ar como vai manter-se de pé? O topo da pirâmide sendo um bico afiado, invertido, nunca segura todo o corpo da pirâmide. Assim sendo a única imagem que me parece mais de acordo com a ideia da Igreja Sinodal é a imagem do círculo, para estarem todos os baptizados, onde se valoriza, em igualdade de circunstâncias, a função de cada batizado. Esta imagem circular não despensa nada daquilo que já existe, apenas se adata à nova realidade. Os dons, os carismas, estão todos lá e a autoridade visível também, só que ninguém é mais do que ninguém. Todos diferentes, todos iguais. Afinal, todos irmãos. Só assim se realizará o sonho de Jesus. O cristianismo é uma fraternidade.    

O outro aspecto que requer abertura de espírito, humildade e simplicidade, deve ser a ousadia de quebrar a doutrina cerrada relativamente às questões ético-morais sobre a vida, onde se inclui a questão da sexualidade, o aborto e a eutanásia. Obviamente, que se compreende que há questões inalteráveis nos princípios, mas a forma como os defendemos e apresentamos sempre devem estar sujeitos a adaptações. Nada da vida é estanque e inacabado.

Voltando à pirâmide invertida. Alguém acredita que a hierarquia maioritariamente acéfala e zarolha que existe de alto a baixo, bem instalada nas suas mordomias e privilégios, alguma vez permitirá uma mudança, até ao ponto de inverter a pirâmide? – Tudo isto pode não passar de conversa bonita para entreter. Mas certo é que a par de tudo isto há uma realidade que foge. A indiferença cresce, a credibilidade da Igreja nunca esteve tão baixa, cresce negativamente todos os dias e a debandada dos fiéis também é uma realidade que não se pode esconder. Nos que restam paira no ar uma profusão de sentimentos, por exemplo, uns estão perplexos, outros sofrem amargamente e outros profundamente escandalizados.

Na Igreja da circularidade, a autoridade deixa de ser poder, poder, para ser exclusivamente serviço para todos, particularmente, aos que mais precisam, os marginalizados, os pobres. Há uma insistência na dimensão comunitária, na colegialidade ao jeito do Novo Testamento (a comunidade dos Atos dos Apóstolos). Depois há a ênfase da escuta e do diálogo, que requer humildade, discernimento, oração para deixar «falar» a voz do Espírito Santo.

Na sinodalidade a Igreja é serva, o amor é o fundamento da caminhada em conjunto. E a Eucaristia, na sinodalidade, realiza e eleva a fraternidade na Igreja, onde todos participam, porque se anda a dizer «todos os crentes são chamados a ser sujeitos ativos na Igreja». Assim se reclama de forma tão bonita que na sinodalidade é preciso «escutar a todos para chegar a todos». E melhor ainda, «o que pertence a todos, deve ser tratado por todos». A ver vamos, porque nenhum de nós começou nisto há minutos.

Na Igreja sinodal circular continua no centro Jesus Cristo e o Seu Evangelho, que a todos dá valor na mais díspar pluralidade/diversidade. O projeto e desafio do Papa Francisco está lançado para a Igreja do mundo inteiro, resta saber se quem de direito está aberto aos ventos da mudança que o Espírito Santo tem suscitado nas encruzilhadas do mundo e da existência.   

Enfim, doutrina bonita não falta. Podem sim, faltar obras que deem valor e autoridade, para que tudo não passe de mais um tempo onde andamos entretidos com apenas paleio falacioso inconsequente.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Insistir em linguagem perigosa

Foto: Google

Um dos pontos em destaque durante esta semana prendeu-se com a questão da linguagem ou comunicação. Assim foi que escrevi um texto alusivo a esta questão, onde dei conta que o Arcebispo Rino Fisichella, tinha proferido uma frase curiosa. Disse que era preciso «abrir a gaiola da linguagem», mas depois notei, que se tinha aberto a gaiola, logo de imediato voltou a serrá-la. Assim é, que na segunda conferência que escutei com atenção, a gaiola foi fechada a sete trancas e deu para perceber como é difícil despegar-se da linguagem e do vocabulário clássico sobre a Igreja Católica e a sua hierarquia.

Porém, dado que se abriu uma brecha da porta quanto à questão de que é preciso adaptar a linguagem face ao mundo que avança e muda a uma velocidade estonteante, gostaria de salientar que um vocabulário relacionado com o clero, a vida sacerdotal imbuído de palavras sonantes, pode ser hoje perigoso. Chamo a vossa atenção para as seguintes expressões. Ser padre é um «dom que Deus realiza»; «uma escolha de Deus»; «uma eleição de Deus e da Igreja»; «a coragem que Deus teve ao escolher-me a mim e cada um de vós»; «A cada um de nós Ele infunde»; «Ele decidiu chamar»… Estas foram algumas das expressões utilizadas na segunda comunicação do Arcebispo Rino Fisichella.

Nos tempos de hoje são expressões que se revestem de alguma perigosidade, se tivermos em conta a gigantesca avalanche de misérias que esta «sagrada hierarquia» revela escandalosamente por esse mundo fora ao mundo.

Esta linguagem bonitinha, hoje não cola, e resulta ridícula para a mentalidade dos homens e mulheres que compõem as nossas sociedades e, não digo apenas, os indiferentes e ateus, mas até os crentes das diversas confissões religiosas, particularmente, a católica.

Este vocabulário «autoreferencial», para utilizar uma expressão querida ao Papa Francisco, soa a ridícula muitas vezes porque não corresponde à realidade dos factos.

Tenhamos em conta três razões que considero essenciais para atestarmos quanto é inútil e até contra producente esta linguagem. Primeiro, porque faz de Deus uma entidade carregada de erros de casting e isso não é justo nem muito menos verdadeiro. Segundo, continua a impor a expressão mais absurda que se pode ouvir aplicada à hierarquia da Igreja Católica, «a sagrada hierarquia», formada por uma «casta de privilegiados», que se consideram mais «amados por Deus», «escolhidos» face à grande multidão que faz outras coisas na vida, mas que foi preterida por Deus. Terceiro, esta linguagem está gasta e velha, perante o mundo que pula e avança com termos novos, mentalidades diversas que bebem de várias fontes e que não abdicam de raciocinar, pensar a sua autonomia e a sua capacidade de fazer sínteses seguidas das suas consequentes escolhas.

De tanto insistir-se nesta linguagem, a meu ver, faz-se orelhas moucas do «combate» do Papa Francisco contra o clericalismo e as manias autoreferenciais que levaram ao clericalismo, essa «praga terrível», que hoje sabemos ter causado tantos males a tanta gente, particularmente pessoas inocentes e frágeis.

Foto: Jornal da Madeira

A comunicação é muito importante e o vocabulário que se usa ainda mais, por isso, manter estas diferenças abissais entre clero e o povo em geral, é insistir em formas que ajudam a relaxar os padres ou outros que se acham mais salvos dos que os demais pelo deus que enfiaram na cabeça. Estes ditos «eleitos» descuram a vida intelectual (e quiçá vida espiritual séria), porque são já os iluminados, os santos, que não precisam de humildade perante os outros. Daí encontrarem legitimidade para se corromperem e desgraçarem os inocentes. É intolerável que face a estes espelhos se continue a endeusar ou divinizar pessoas, grupos e mediações de poderes, quando esse caminho já nos deu provas mais que suficientes da reles miséria que infligiu contra a humanidade.    

O mundo é outro todos os dias, a vida é imparável. Não é preciso ter medo de nenhuma realidade. Por isso, pode ser que nutra algum efeito positivo, começar pela ideia de que somos todos pecadores e que nessa condição estamos todos à procura de salvação, exatamente como qualquer ser humano. Esta pode ser que seja a melhor pregação para os tempos que vivemos. 

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Abrir a «gaiola» da linguagem

 

«… para favorecer uma comunicação mais eficaz e fecunda». Esta frase foi utilizada pelo Arcebispo Rino Fisichella, que está na Madeira durante esta semana para apresentar conferências aos padres e leigos da Diocese do Funchal.

Gostei particularmente desta frase do seu discurso sobre a evangelização nos tempos de hoje. Porque é este precisamente o caminho, adaptar a linguagem, o vocabulário e a comunicação para que se possa chegar ao mundo atual. Cada época tem as suas gerações e nenhuma geração é igual à outra. Pois, cada um se reinventa ou cria formas de comunicação e de interligação entre si, que nenhuma instituição, por mais antiga que seja, pode descurar. Não se deve ver isso como um drama ou um pesado desafio, faz parte da sobrevivência dos povos, das nações e das várias gerações.

Várias entidades da Igreja Católica sabem disto e são muito bons entendidos a fazer o diagnóstico. Também facilmente assumem que o caminho é esse da mudança da comunicação e até se atrevem a assumir expressões ousadas como esta que citei em cima.

Porém, na ocasião em que se espera que o discurso adiante o como se faz essa mudança, travam a fundo e voltam à linguagem clássica, tradicional. Neste discurso do Arcepispo Rino Fisichella, vi mais uma vez esta constatação. Faz um bom diagnóstico sobre o pulsar dos ventos que passam, assume a ousadia da expressão supracitada, mas logo depois volta à tradicional linguagem hermética, compreensível só para os iniciados.

Por exemplo, sobre a concepção da igreja, também teve a tentação de utilizar os mesmos vocábulos. Quem é que hoje minimamente atento à realidade compreende esta expressão, «a sagrada hierarquia». A mentalidade de hoje deve pensar longo na «ridícula hierarquia». E depois, voltam os mesmos termos para definir a igreja «Esposa bela, santa e imaculada» de Cristo.

Face a estes exemplos linguísticos, dos três que dados que aponto a seguir, deve ser pelo um. Primeiro, já existe uma igreja em Marte e nós desconhecemos. Segundo, escolheram uma pretendente com atributos completamente desconhecidos de Cristo. Terceiro, alguém deve ter colocando uma venda no esposo para que pudesse assim «vender» uma realidade que hoje não existe. Cristo está a ser enganado?

Certo, a comunicação, a linguagem, o vocabulário, são o desafio constante para as intuições e até para cada um de nós pessoalmente no contexto social e político em que vivemos. Certo que não devemos ter medo de ler com honestidade o diagnóstico. Não se inibir nos termos que proponham a resposta e ousar transformar transformando-se deve ser o caminho sem medo. Nunca esquecer que não se pode tratar como igual o que se manifesta diferente. O Evangelho de Jesus é o guia, o Seu exemplo é o caminho. Sem rodeios, tudo está inventado. Cristo tomou a dianteira, sigamos os Seus passos.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Se a escola é uma seca a vida também vai ser

Desejo que esta reflexão não seja uma seca.

Antes de avançar deixo claro a minha aprofunda admiração e respeito pela missão dos professores e de todos aqueles que gastam a vida com a escola. Pouco valorizados e muitas vezes esquecidos. O stresse e a ansiedade dos agentes educativos deviam ser a prioridade dos governantes que têm a tutela da educação. Os elementos que se recolhe junto do professores e do pessoal afeto às escolas, percebe-se o quanto sofrem face aos esquecimentos e a ingratidão que diariamente recolhem.

Na Sexta feira passada, 21 de Janeiro de 2022, foi apresentado no Auditório do Museu da Casa da Luz no Funchal, o livro com este provocatório título: «A Escola é uma Seca» de André Escórcio. Não faltaram importantíssimas reflexões de Nicolau Fernandez, do Professor Valentim Remédios, do P. Martins Júnior e do autor da obra.  

Após a leitura do livro, venho aqui destacar os meus pensamentos. É um livro que merece ser lido com atenção, particularmente, por todos aqueles que estão direta ou indiretamente ligados à nobre missão de educar, governantes, dirigentes de escolas, pais, professores e sociedade em geral. A educação não pode ter donos. É um assunto que a todos diz respeito.

Destaco o que a escola não deve ser: «A escola não é uma fábrica ou armazém»; «A escola não pode ser toda e sempre igual»; «A escola são pessoas, que não são números que preenchem estatísticas»; «a escola não é um viveiro de avaliações de pessoas»; «a escola não vende um produto»; «a escola não devia ser lugar de hierarquias que nasceram para se instarem em comodismos herméticos e egoístas contra os demais, crianças e jovens convertidos em mercadorias»; «a escola não é lugar de alunos, máquinas de memória, despidos de raciocínio e inteligência» …     

Mas destaco também o que deve ser a escola. A escola educa para a liberdade e autonomia. Deve promover o pensamento próprio, o espaço de livre expressão da criatividade. O engenho e a arte de cada ser humano deve ser incentivado dentro da escola. O tempo da escola deve ser o tempo das perguntas. O fim da escola sem burocratas e sem burocracias, porque não tem futuro a monstruosa máquina que está por atrás de secretárias alimentada com papéis e com papeladas infindáveis. O fim dos rankings e da avaliação só e unicamente por exames, porque tudo isso acarreta concorrência desleal, injustiças face aos mais pobres. Estes métodos avaliativos, fazem da educação um produto que se vende a metro. É preciso pôr fim à cultura do chumbo, mas pela avaliação contínua de forma integral porque uma pessoa não pode ser avaliada às fatias mas no todo do universo que cada ser humano implica.

À medida que a leitura da obra discorria, vinham-me ideias que podem ajudar a libertar a escola de «ser uma seca» para serem lugares onde os alunos gostariam de estar com interesse. A escola é o laboratório principal do futuro das sociedades.

Primeira ideia, metam na escola as famílias, particularmente os avós, porque estão numa fase das suas vidas com tempo e paciência. Estão livres da pressão dos horários e do stresse dos deveres profissionais. É a fase etária mais liberta que temos hoje.

Segunda ideia, façam dos alunos o centro das preocupações, não os sobrecarreguem com deveres tipo cassete, sem trabalhos de casa, como forma de combater a ansiedade e a preocupação dos tempos livres dos alunos, principalmente, os fins-de-semana e as férias. Deixem as crianças e os jovens brincarem. Não lhes cortem a criatividade. E que o desporto esteja na escola e durante os seus tempos livres.  

Terceira ideia, não diabolizem computadores, tabletes e telemóveis. Os jovens, quanto mais encontrarem adultos adversos à tecnologia, mais gostam e mais se apegam a ela.

Quarta ideia, as escolas estão a fechar, porque não temos crianças que as permitam funcionar, depois de adaptadas, reabrem cheias de pessoas idosas. Não seria fiável serem espaços mistos onde jovens e idosos pudessem ter momentos para conviverem juntos?

Quinta ideia, não descurem a vida espiritual dos jovens, não basta valorizar exclusivamente a dimensão psicológica e socializante das pessoas. Tudo converge para a estabilidade e felicidade dos alunos.  

Muito mais haveria para dizer, mas como temo transformar este texto numa seca como a escola tem sido para alguns alunos, retenho o essencial do livro, que relembra que a escola são pessoas que espelham oceanos multifacetados de diversidade, por isso, o que é diverso não pode ser tratado de forma igual em todo o lado.

Quem já não ouviu que a escola «é uma seca», «o professor é uma seca», «a escola só vale pelos amigos e pelos intervalos»... Face a todos estes lamentos, é preciso não esquecer que a escola é vida, diversidade, criação inteira (preocupação ambiental, o Planeta, as alterações climáticas, a poluição dos Oceanos). Daí que se deva ver a escola como verdadeiros areópagos, onde cabe tudo e todos, à volta do banquete recheado de sabedoria, liberdade, tolerância, respeito, diversidade, amizade e fraternidade.

A escola não tem donos, não devia ser propriedade de governantes conotados com ideologias e dirigentes claramente partidarizados. A missão da educação deve estar despida de instrumentalizações. A escola não é um forno onde se metem pessoas dentro de formas para serem cozidas ao jeito de manias e tendências sociais manipuladas pelas modas dos donos disto tudo. Não se compreende interesses de nenhuma índole à volta da arte de educar.

Agradeço muito ao professor André Escórcio este belíssimo livro. Também relevo mais ainda a minha gratidão pela importância e destaque que mereceu uma longa citação da minha autoria que incluiu na obra (pág. 162/163).

Por fim, tentei ver se encontrava a palavra felicidade nas páginas do livro. Parece que não aparece nenhuma vez. Não fica beliscada em nada a importância da reflexão de André Escórcio, até porque está subentendida. A felicidade tem muito a ver com a escola. Por isso, eis o sonho, escola feliz, alunos felizes, professores e trabalhares felizes, famílias felizes, e por fim, sociedade mais feliz. Obrigado pela obra «A escola é uma seca».

Não esquecer que há uma interligação incontornável: família – escola – sociedade. Se a escola não faz bons cidadãos, homens e mulheres responsáveis por si e pelos outros, não serve para nada. 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Apontamento 3 - a urgência de cada pessoa

 Pela primeira vez na vida entrei nas urgências do nosso hospital. Fico feliz que já tenha vivido mais de 50 anos e só agora tenha necessitado de recorrer a uma urgência. Um ligeiro problema de falta de saúde, durante uma destas noites, recomendado por um médico de primeira linha, lá fui. Por hora, descansemos tudo está normalizado neste momento.

Sou levado a relevar, ao abrigo da vossa estranheza, que gostei da experiência. Não só pela forma como fui tratado. Não faltou delicadeza, atenção e esmero dos profissionais que estavam de serviço nesta noite. Poderão ainda dizer que foi comigo, porque, fui reconhecido e por isso excederam-se no trato. Não. Não me pareceu ter sido isso, porque notei que tinham a mesma atenção e dedicação com todas as pessoas que ali chegavam. Pois, vi que ninguém era desconsiderado, até mesmo aqueles que acusavam uma singela «tossinha» ou uma «dor no braço porque tinha levado a vacina do covid-19 pela manhã»… Serviu para perceber melhor em pouco tempo o que são verdadeiras e falsas urgências. Uma triagem nada fácil. A dor de cada um, forte ou ligeira, é sempre o eixo do mundo.

O meu profundo agradecimento a todos os profissionais das urgências do nosso hospital pela forma como me acolheram e trataram. Observei ser um trabalho difícil em condições dignas, certo, mas que poderia e deveria ser ainda melhor, pareceu-me.

Enfim, por tudo, vivi um momento interessante, não pela minha queixa, porque quando se trata da falta de saúde nunca é bom, mas pelo que me foi dado experienciar e observar. Um grande bem haja a todos os que acreditam e lutam pelos cuidados elementares da saúde de forma universal e gratuita.

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Não olhem para cima é como um alerta

Cinema


"Don't Look Up", é o nome de um filme que esteve em exibição nos cinemas. Muito bom.

Serve de alerta para a situação em que está o Planeta Terra.

A história do filme discorre à volta da ameaça de um cometa descontrolado que segundo os cálculos dos descobridores do evento vai chocar com a Terra. Os investigadores tentam convencer as autoridades políticas e furar o bloqueio de informações oficiais. O drama é terrível porque o escudo de insensibilidade dos políticos, a comunicação social irresponsável e as populações manipuladas não estão para aí viradas. Várias vezes os alertas são tomados em tom de gozo e brincadeira banal. Ninguém dá ouvidos. Aliás, os cientistas são contestados. Só no final, parece que entendem a gravidade do problema, mas mesmo assim, serve a situação para desenvolver ideias mirabolantes para fazer negócio e render dinheiro com o possível desastre.

Diante deste enredo, vejo-me a pensar, que no contexto da pandemia do Covid-19, experimentamos algo semelhante.

Primeiro, tivemos a incredulidade dos políticos face ao cometa-vírus Convid-19, que tinha embatido na China e ameaçava espalhar estilhaços pelo mundo todo, mas diziam que era inverosímil que tal acontecesse, porque estava longe e não havia como chegar até nós nada que se parecesse com esse vírus. Em poucos dias o vírus estava disseminado pelo mundo inteiro e ainda estamos no olho deste furacão que atormenta a vida de todos nós.

Segundo, os gastos astronómicos e os negócios de lucros chorudos que esta pandemia implica, têm muito que se lhe diga... Certos, é que estamos numa «guerra mundial», onde há baixas diariamente, um número incalculável de doentes e a vida inteira virada do avesso.

Terceiro, não me conformo que a expressão «guerra fria», neste contexto de pandemia tenha ganho uma premente atualidade e ande de boca em boca de alguns políticos deste mundo, nomeadamente, das nações que investem desmesuradamente em armamento.

Mas voltemos ao filme, que revela elementos que nos ajudam a compreender os comportamentos face ao desastre silencioso que é esta pandemia, a corrida ao armamento e as alterações ambientes, nomeadamente, o clima, que ameaça a biodiversidade do Planeta.

No filme é a acutilante a denúncia da impotência da ciência, que dando os seus alertas, ninguém se importa. Umas vezes é ridicularizada e outras vezes esses avisos são motivo de gozo. O poder político, mediático e económico sabe muito bem como fazer o seu caminho e defender os seus interesses. Há uma espécie de «aliança negacionista» entre eles, que depois se propaga nas populações. Não vos lembra nada face ao contexto que vivemos?

Por isso, é grave que a política e os políticos estejam completamente condicionados pela comunicação social e que só atuem face aos equívocos e contradições que estes meios selecionam, sem cuidado do que é verdadeiro ou falso. Preferem redundar no medíocre e no divertido mesmo que tratem de acontecimentos sérios. As emergências planetárias não se compadecem com a insensibilidade geral que estamos assistindo em nome de audiências e da ganância desmedidas dos lucros capitalistas.

Outro grande alerta que o filme nos faz prende-se com as ameaças sobre as democracias, hoje dominadas pela informação centralizada nas multinacionais de comunicação mundial. O magnata do filme, detentor dos dados pessoais de bilhões de cidadãos, usa esses dados, para condicionar e até forçar as opções políticas contra o bem geral dos seres humanos e contra o meio ambiente. Assim, se vê propalada a ideia de destruir o cometa para explorar os metais nobres, mesmo que o desastre planetário seja o dado mais seguro que tal armada nos suscita e se vislumbre o fim da vida na Terra. Enquanto isso os poderosos arquitetam a fuga para outros planetas.

Assim, para além daquilo que nos parece também ser o filme, cómico e divertido, é também ironicamente visionário, mostra-nos que devemos ser responsáveis, não escolhendo governantes loucos, corruptos, insensíveis. É importante não se deixar enganar pela desinformação geral da comunicação social que gravita entre o falso e o verdadeiro com a maior das irresponsabilidades, devotados não a informar com seriedade, mas a serem meros protagonistas de palhaçadas para entreter.

Face a tudo isto deve ser então necessário, abrir os olhos e olhar para cima, vendo claro que não permitimos ser escravos de magnatas do mundo digital que nos querem fazer vítimas da ignorância para que sigam adiante com as suas patifarias mercantilistas sem controlo e sem limites. 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Apontamento 2 - O vazio da credibilidade


É um drama que se assiste cada vez mais de forma acentuada na Igreja Católica em geral. Um desafio que não parece fazer contorcer-se quem devia tocar a rebate os sinos das torres das igrejas, para alertar todos para este problema grave que estamos vivendo.

Não sei se já repararam. Eu tenho constado nos últimos tempos um dado curioso, vários momentos de celebração da missa, com uma assembleia significativa e ninguém se prontifica para comungar, inclusive um dia destes fiquei aterrado, uma numerosa assembleia num funeral e só eu é que comunguei. Pergunto: o que se passa? Há falta de fé? Estavam ali as pessoas a participar num singelo espetáculo para descarga de consciência ou como simples performance social? Não há mais necessidade de nos interligarmos como irmãos para celebrar a fé e a esperança com gestos ou sinais rituais que expressem efetivamente para que viemos e para que estamos?

Enfim, uma série de questões que merecem reflexão. Certo é que seria preciso deixarmo-nos de discutir o sexo dos anjos e assentar os pés nas questões concretas que a sociedade está a suscitar.

Tudo pode fazer parte de dois aspetos que estamos a viver hoje. A Igreja, particularmente, o seu clero mergulhou num descrédito quase total. A sociedade em geral não acredita nos religiosas e confessam alto e bom som, «já não os posso ouvir»… Pode ser que nos console a ideia, que também não podem ouvir políticos, agentes da justiça, jornalistas, comentadores e os denominados «opinion-makers» ou fazedores de opinião e etc.

Não é suficiente esta satisfação do mal dos outros para atenuar o nosso mal. Porque será dramático para todos que não reste ninguém em quem confiar, autoridade nenhuma com credibilidade que tenha autoridade para apontar horizontes, valores e ideais que ajudem a equilibrar a paz social e a boa convivência entre todos.

Por isso, proponho o seguinte caminho. Não deve faltar vontade e coragem à Igreja Católica para despir-se totalmente das suas manias clericalistas, onde predomina uma estrutura fechada e altamente hierarquizada, onde alguns se apresentam como príncipes iluminados e ornamentados dos pés à cabeça de cargas de vestimentas anacrónicas, ridículas e inúteis. Sem contar que esse brilho de guarda-roupa requintada e de alfaias rendadas custam balúrdios. 

O caminho da humildade e simplicidade podem gerar frutos interessantes. Porque, nesse caminho, ninguém será mais do que ninguém, todos iguais, todos fraternos, todos irmãos. Assim, proponho que se passe de uma estrutura piramidal para uma estrutura circular onde cabem todos e onde tudo implica todos. O caminho da restauração da credibilidade faz-se com gestos e sinais radicais sem medo da humildade na transparência em tudo em igualdade circunstâncias.

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Apontamento 1 - A arte é uma mentira

Picasso (1881-1973) ensinou que «a arte é uma mentira que nos dá a possibilidade de descobrir a verdade».

Não fica bem mentir. Embora nos remediemos com a ideia que uma «mentira para o arranjo da vida sem prejudicar ninguém não é pecado nenhum». Pode ser que nunca se saiba bem onde começa e onde acaba a definição de «arranjo da vida». Daí que muitos se sirvam deste ensinamento popular para fazerem as suas e o passo do exagero faz-se numa fração de segundos.

Nada de abusos e procurar definir bem o que se entende por esse «arranjo da vida» pode ser muito importe e um bom condutor da verdade e da sabedoria.

Mas, vamos ao pensamento de Picasso. A arte que nos delicia é sempre fruto do engenho imaginativo do artista, que tantas vezes não tem correspondência real nem muito menos pode ser aplicado na vida concreta. Mas, é essa tal «mentira» que nos remete ao imaginário delicioso de um prazer indiscritível. Daí ser «descoberta da verdade»: a verdade da beleza que nos faz sorrir, da estética que nos salva e da bondade que nos consola as entranhas.

A mentira da arte não merece castigo porque não pode ser crime. É um excelso bem que se faltando leva-nos para o abismo do desespero e do sem sentido da existência. Sejam bem-vindas as «mentiras» da arte, para que ninguém morra de fome do prazer da verdade.