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sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Insistir em linguagem perigosa

Foto: Google

Um dos pontos em destaque durante esta semana prendeu-se com a questão da linguagem ou comunicação. Assim foi que escrevi um texto alusivo a esta questão, onde dei conta que o Arcebispo Rino Fisichella, tinha proferido uma frase curiosa. Disse que era preciso «abrir a gaiola da linguagem», mas depois notei, que se tinha aberto a gaiola, logo de imediato voltou a serrá-la. Assim é, que na segunda conferência que escutei com atenção, a gaiola foi fechada a sete trancas e deu para perceber como é difícil despegar-se da linguagem e do vocabulário clássico sobre a Igreja Católica e a sua hierarquia.

Porém, dado que se abriu uma brecha da porta quanto à questão de que é preciso adaptar a linguagem face ao mundo que avança e muda a uma velocidade estonteante, gostaria de salientar que um vocabulário relacionado com o clero, a vida sacerdotal imbuído de palavras sonantes, pode ser hoje perigoso. Chamo a vossa atenção para as seguintes expressões. Ser padre é um «dom que Deus realiza»; «uma escolha de Deus»; «uma eleição de Deus e da Igreja»; «a coragem que Deus teve ao escolher-me a mim e cada um de vós»; «A cada um de nós Ele infunde»; «Ele decidiu chamar»… Estas foram algumas das expressões utilizadas na segunda comunicação do Arcebispo Rino Fisichella.

Nos tempos de hoje são expressões que se revestem de alguma perigosidade, se tivermos em conta a gigantesca avalanche de misérias que esta «sagrada hierarquia» revela escandalosamente por esse mundo fora ao mundo.

Esta linguagem bonitinha, hoje não cola, e resulta ridícula para a mentalidade dos homens e mulheres que compõem as nossas sociedades e, não digo apenas, os indiferentes e ateus, mas até os crentes das diversas confissões religiosas, particularmente, a católica.

Este vocabulário «autoreferencial», para utilizar uma expressão querida ao Papa Francisco, soa a ridícula muitas vezes porque não corresponde à realidade dos factos.

Tenhamos em conta três razões que considero essenciais para atestarmos quanto é inútil e até contra producente esta linguagem. Primeiro, porque faz de Deus uma entidade carregada de erros de casting e isso não é justo nem muito menos verdadeiro. Segundo, continua a impor a expressão mais absurda que se pode ouvir aplicada à hierarquia da Igreja Católica, «a sagrada hierarquia», formada por uma «casta de privilegiados», que se consideram mais «amados por Deus», «escolhidos» face à grande multidão que faz outras coisas na vida, mas que foi preterida por Deus. Terceiro, esta linguagem está gasta e velha, perante o mundo que pula e avança com termos novos, mentalidades diversas que bebem de várias fontes e que não abdicam de raciocinar, pensar a sua autonomia e a sua capacidade de fazer sínteses seguidas das suas consequentes escolhas.

De tanto insistir-se nesta linguagem, a meu ver, faz-se orelhas moucas do «combate» do Papa Francisco contra o clericalismo e as manias autoreferenciais que levaram ao clericalismo, essa «praga terrível», que hoje sabemos ter causado tantos males a tanta gente, particularmente pessoas inocentes e frágeis.

Foto: Jornal da Madeira

A comunicação é muito importante e o vocabulário que se usa ainda mais, por isso, manter estas diferenças abissais entre clero e o povo em geral, é insistir em formas que ajudam a relaxar os padres ou outros que se acham mais salvos dos que os demais pelo deus que enfiaram na cabeça. Estes ditos «eleitos» descuram a vida intelectual (e quiçá vida espiritual séria), porque são já os iluminados, os santos, que não precisam de humildade perante os outros. Daí encontrarem legitimidade para se corromperem e desgraçarem os inocentes. É intolerável que face a estes espelhos se continue a endeusar ou divinizar pessoas, grupos e mediações de poderes, quando esse caminho já nos deu provas mais que suficientes da reles miséria que infligiu contra a humanidade.    

O mundo é outro todos os dias, a vida é imparável. Não é preciso ter medo de nenhuma realidade. Por isso, pode ser que nutra algum efeito positivo, começar pela ideia de que somos todos pecadores e que nessa condição estamos todos à procura de salvação, exatamente como qualquer ser humano. Esta pode ser que seja a melhor pregação para os tempos que vivemos. 

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