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segunda-feira, 9 de maio de 2022

O que é a paz?

A paz é uma realidade interior e exterior que todos os homens procuram. Alguns autores separam uma paz da outra, mas outros, numa perspetiva mais conciliadora, entendem que uma não é sem a outa. A doutrina da Igreja sobre esta matéria, também entende claramente que a paz exterior é fruto da paz interior. Ou seja, uma não é sem a outra, estão ambas as dimensões da paz ligadas entre si.

Santo Agostinho, no Livro 19 da «Cidade de Deus», deu-nos a primeira definição de Paz, que vai influenciar todas as definições posteriores: «A Paz de todas as coisas é a tranquilidade na ordem». Depois procurou exemplificar com nove casos, que vão desde «a paz da alma racional» à «paz dos cidadãos», passando pela «paz doméstica». Em tudo, há que fixar e lidar com dois elementos cruciais: a harmonia e a ordem. A primeira, é a tranquilidade desejada nesse estado de alma que todas as criaturas anseiam. E a ordem, como diz Santo Agostinho, é «a disposição que segundo as semelhanças e diferenças das coisas confere a cada uma o seu lugar».

Assim sendo, definiremos, hoje, a paz interior como a tranquilidade do espírito individual, proveniente da ordenação das coisas do mundo e da vida. Sem deixar de mencionar que os aspetos da consciência em comunhão de amizade com Deus, com os homens e com o Universo, são elementos essenciais para esse pleno encontro com a harmonia interior da pessoa. A paz exterior (social) será a boa e tranquila convivência com todas as coisa para tal ordenadas.

Porém, o entendimento sobre a paz nem sempre foi pensado desta forma. Se nos remetemos à antiguidade descobrimos em filósofos como Heraclito, «que a guerra é a mãe de todas as coisas», dá logo a ideia, entendida e defendida por muitos que a novidade só é possível com os conflitos e que a história humana não se faz sem as guerras, mesmo que a morte e a destruição sejam o preço que muitos tenham que pagar.

No entanto, não foram menos incisivas as teorias de Maquiavel (séc. XV) com a sua «arte da guerra» e por Nietzsche (séc. XIX) as «guerras» que justificam o Super-homem, até a mais sofisticada, mas não menos violenta «luta de classes» de Marx e de Mao Tse Tung (séc. XX), sem nunca deixarem de ser perseguição de estratégias para unir os opostos.

Como se percebe nem sempre a paz foi entendida do mesmo modo. A cultura Ocidental, também tem conceitos distintos para entender a paz e que muitas vezes dependem dos diversos entendimentos sobre a guerra e sobre os conflitos. Se na cultura ocidental, surgiram diversos modos de conceber a ideia sobre a paz deveu-se ao judaísmo, aos gregos, aos romanos e ao cristianismo.

Os diversos termos da paz são os seguintes: 1º «Shalom», no meio de guerras e conflitos o povo de Israel desejou esta paz como bênção. Shalom, significa plenitude, que é o conjunto de todos os bens. Mas nesta forma ideal de pensamento sobre o valor da paz inventou-se a «Guerra Santa».

O termo grego para a paz é «Irene», o ideal do irenismo, seria alcançar o bem estar entre homens e cidades. Também diante deste patamar ideal sobre a paz, criou-se um contraponto, o da «Guerra Justa». Os gregos entendiam-se autorizados a combater os outros povos destinados à escravatura. Havia ainda um outro ideal para os gregos «Ataraxia», que significava não sofrer com nada, quase nada sentir, exatamente, o mesmo ideal do Nirvana oriental.

O termo latino é o seguinte: «Pax». Este termo tem a mesmo raiz de «pactum». Estabelece-se um pacto, uma trégua, uma ordem que impõem «a pax romana». Esta paz durava pouco, pretendia estabelecer a paz para o imperador, mas estava de mão dada com os exércitos que dominavam e subjugavam a Roma as outras nações.

A doutrina cristã também criou um significado para a paz, que radica na palavra de Jesus Cristo: «a minha paz... Não a dou como o mundo a dá...». A definição do termo paz, para o cristianismo está contida na pessoa de Jesus: «a Paz de Cristo». Estamos perante uma realidade nova, fruto da justiça e dom do Espírito Santo, que inclui todas as outras definições de paz, mas acrescenta-lhes uma característica essencial: é uma relação de amor. Mas, também ajudou a justificar guerras e opressões sempre que se esqueceu que era dom gratuito de Alguém e se convertia em prepotência e autoritarismo religioso chamado «clericalismo».

A paz, é um dom que Deus concede a todos os corações humanos que se predispõem ao seu acolhimento. E por ser essa realidade, dom de Alguém, é sempre precária, isto é, está sujeita aos condicionalismos e interesses mundanos. Assim, não devemos esquecer, a paz é trabalho nosso e dom de Deus. É sempre tarefa e encontro. Por isso, devemos entender a paz como Missão e Graça. Ou ainda, como acolhimento e desejo de encontro com Alguém que deseja sempre e em todas as circunstâncias a salvação.

Onde estão os pacíficos, os que promovem a paz... Segundo Jesus, pacífico é aquele que é «fazedor de paz». E as Bem-Aventuranças anunciam que bem-aventurados são os que constroem a paz, «porque serão chamados Filhos de Deus». Deste modo, promover a paz é ser «Filho de Deus», isto é, «ser amado», ser fruto da relação. E no amor está a Bem-aventurança, a Plenitude, o Shalom.

sexta-feira, 6 de maio de 2022

O Padre Eleutério


Deixou o mundo da materialidade. Morreu mergulhado na depressão, no sofrimento e no abandono. Tinha uma bondade muito além das medidas. Por isso, muitos abusaram dele e muitos contribuíram para se considerar ainda mais de vítima de si mesmo. Uma «doença» crónica que lhe corroeu as energias toda a vida neste mundo.

Há muito que tinha deixado de viver. Não queria viver. Foram inglórias as tentativas para o ajudar nos últimos tempos. Poucos (alguns amigos) compreendendo a sua forma de ser, tentaram de tudo para o ajudar. Ninguém conseguiu engendrar a melhor solução para o salvar daquele oceano de tristeza onde estava mergulhado. 

Sempre foi uma vítima de si próprio. Da sua insegurança. Dos seus medos. Do que diziam ou pensavam os outros acerca dele. Não admira que o melhor companheiro que encontrava para se refugiar e para esquecer os males que carregava às costas, ter sido o álcool.

Nesta hora, à parte todas as balelas que se vão dizer dele e dos rios de lágrimas de crocodilo que se vão verter, será preciso também lembrar que foi vítima da incompreensão geral. Vítima da família. Vítima de alguns colegas padres. Vítima de alguns bispos. Vítima de tantos que se serviram dele para o «explorar», sabendo da sua «doença» que se chamava insegurança e propensão fácil para a vitimização.

Enfim, morreu mais um padre votado ao abandono. E nestes casos o melhor que acontece é sempre a libertação pela morte. Porque se livrou de si e dos outros (nós todos) deste mundo que não socorrem as vítimas, mas que quando podendo ainda as maltratam mais e descartam como se de lixo se tratassem.

Confesso que muito mais podia ter feito eu por ele. Sinto-me com algum remorso. Foram um sem números de chamadas nunca atendidas. Procurá-lo sem nunca o encontrar. Tudo isto é em vão referir por hora, porque não resolve nada. É apenas o meu lamento e mais uma certeza de que ajudar as pessoas é dos trabalhos mais difíceis de levar acabo.

Mas, positivamente, guardarei dele a sua sabedoria, abertura de espírito e todos os conhecimentos abalizados em áreas hoje desprezadas pelo ensino e pela incultura geral que nos assiste, o grego, o latim e o hebraico. Era um profundo conhecedor da literatura clássica. E provavelmente dos padres da sua geração (e da atual), o que melhor conhecimento tinha do Concílio Vaticano II. Várias vezes o ouvi citar de cor passagens longas do texto conciliar. Infelizmente, por ter sido descartado, não contribuiu como deveria ter sido nestas matérias para engrandecer o conhecimento geral da sociedade madeirense. A inveja clerical e os ciúmes que campeiam a Madeira destroem pessoas.

Foi meu professor. Foi meu pároco. Um grande, mas mesmo muito grande obrigado por tudo o que me ensinou e testemunhou de bondade, de fé e de esperança. Descansa em paz Padre Eleutério.

terça-feira, 3 de maio de 2022

Apontamento 11 - Acordar

 
Acordar num largo e doce silêncio. Uma sorte tão grande!

Sim, é uma sorte dos deuses, para não dizer dos diabos, se pensarmos que continua a existir gente que morre quando quem os lidera está cego pela vaidade e pelo desejo de provar a todo o custo a sua superioridade.

Nessa enxerga de silêncio largo e doce, olhou para o quadro, tipo pagela gigante de um santo desconhecido, onde pôde balbuciar rezando entre os lábios as palavras em profundo reconhecimento na seguinte legenda: «feliz do que pensa no pobre e no fraco, o senhor vai torná-lo feliz sobre a terra, e não o entregará ao inimigo, transformando a doença em vigor».

As mãos esguias bem abertas e os dedos compridos e finos, cobriram o rosto completamente e lentamente deixou que elas fossem deslizando pelo rosto abaixo, ajudadas pela lubrificação das lágrimas que lhe saltavam dos olhos num choro compulsivo, como se fossem rios em dia de chuvas abundantes.

Naquele momento sereno de liberdade outra vez concertada pelo descanso e pelos pensamentos, sentiu um pulsar da alma misterioso de onde veio este suspiro entusiasmante: «seja o que Deus quiser».

Nada vale tanto como um estribo. Os pés nos estribos seguem o caminho certo e em segurança. Nada se consegue quando se perde as estribeiras, a paciência. Bem haja a serenidade e paz.