A paz é uma realidade interior e exterior que todos os homens procuram. Alguns autores separam uma paz da outra, mas outros, numa perspetiva mais conciliadora, entendem que uma não é sem a outa. A doutrina da Igreja sobre esta matéria, também entende claramente que a paz exterior é fruto da paz interior. Ou seja, uma não é sem a outra, estão ambas as dimensões da paz ligadas entre si.
Santo Agostinho, no Livro 19 da «Cidade de Deus»,
deu-nos a primeira definição de Paz, que vai influenciar todas as definições
posteriores: «A Paz de todas as coisas é a tranquilidade na ordem». Depois
procurou exemplificar com nove casos, que vão desde «a paz da alma racional» à
«paz dos cidadãos», passando pela «paz doméstica». Em tudo, há que fixar e
lidar com dois elementos cruciais: a harmonia e a ordem. A primeira, é a
tranquilidade desejada nesse estado de alma que todas as criaturas anseiam. E a
ordem, como diz Santo Agostinho, é «a disposição que segundo as semelhanças e diferenças
das coisas confere a cada uma o seu lugar».
Assim sendo, definiremos, hoje, a paz interior como
a tranquilidade do espírito individual, proveniente da ordenação das coisas do
mundo e da vida. Sem deixar de mencionar que os aspetos da consciência em
comunhão de amizade com Deus, com os homens e com o Universo, são elementos
essenciais para esse pleno encontro com a harmonia interior da pessoa. A paz
exterior (social) será a boa e tranquila convivência com todas as coisa para
tal ordenadas.
Porém, o entendimento sobre a paz nem sempre foi
pensado desta forma. Se nos remetemos à antiguidade descobrimos em filósofos
como Heraclito, «que a guerra é a mãe de todas as coisas», dá logo a ideia,
entendida e defendida por muitos que a novidade só é possível com os conflitos
e que a história humana não se faz sem as guerras, mesmo que a morte e a
destruição sejam o preço que muitos tenham que pagar.
No entanto, não foram menos incisivas as teorias de
Maquiavel (séc. XV) com a sua «arte da guerra» e por Nietzsche (séc. XIX) as
«guerras» que justificam o Super-homem, até a mais sofisticada, mas não menos
violenta «luta de classes» de Marx e de Mao Tse Tung (séc. XX), sem nunca
deixarem de ser perseguição de estratégias para unir os opostos.
Como se percebe nem sempre a paz foi entendida do
mesmo modo. A cultura Ocidental, também tem conceitos distintos para entender a
paz e que muitas vezes dependem dos diversos entendimentos sobre a guerra e
sobre os conflitos. Se na cultura ocidental, surgiram diversos modos de
conceber a ideia sobre a paz deveu-se ao judaísmo, aos gregos, aos romanos e ao
cristianismo.
Os diversos termos da paz são os seguintes: 1º
«Shalom», no meio de guerras e conflitos o povo de Israel desejou esta paz como bênção. Shalom, significa plenitude, que é o conjunto de todos os bens. Mas
nesta forma ideal de pensamento sobre o valor da paz inventou-se a «Guerra
Santa».
O termo grego para a paz é «Irene», o ideal do
irenismo, seria alcançar o bem estar entre homens e cidades. Também diante
deste patamar ideal sobre a paz, criou-se um contraponto, o da «Guerra Justa».
Os gregos entendiam-se autorizados a combater os outros povos destinados à
escravatura. Havia ainda um outro ideal para os gregos «Ataraxia», que
significava não sofrer com nada, quase nada sentir, exatamente, o mesmo ideal
do Nirvana oriental.
O termo latino é o seguinte: «Pax». Este termo tem a
mesmo raiz de «pactum». Estabelece-se um pacto, uma trégua, uma ordem que
impõem «a pax romana». Esta paz durava pouco, pretendia estabelecer a paz para
o imperador, mas estava de mão dada com os exércitos que dominavam e subjugavam
a Roma as outras nações.
A doutrina cristã também criou um significado para a
paz, que radica na palavra de Jesus Cristo: «a minha paz... Não a dou como o
mundo a dá...». A definição do termo paz, para o cristianismo está contida na
pessoa de Jesus: «a Paz de Cristo». Estamos perante uma realidade nova, fruto
da justiça e dom do Espírito Santo, que inclui todas as outras definições de
paz, mas acrescenta-lhes uma característica essencial: é uma relação de amor. Mas, também ajudou a justificar guerras e opressões sempre que se esqueceu que
era dom gratuito de Alguém e se convertia em prepotência e autoritarismo
religioso chamado «clericalismo».
A paz, é um dom que Deus concede a todos os corações
humanos que se predispõem ao seu acolhimento. E por ser essa realidade, dom de
Alguém, é sempre precária, isto é, está sujeita aos condicionalismos e
interesses mundanos. Assim, não devemos esquecer, a paz é trabalho nosso e dom
de Deus. É sempre tarefa e encontro. Por isso, devemos entender a paz como
Missão e Graça. Ou ainda, como acolhimento e desejo de encontro com Alguém que
deseja sempre e em todas as circunstâncias a salvação.
Onde estão os pacíficos, os que promovem a paz...
Segundo Jesus, pacífico é aquele que é «fazedor de paz». E as Bem-Aventuranças
anunciam que bem-aventurados são os que constroem a paz, «porque serão chamados
Filhos de Deus». Deste modo, promover a paz é ser «Filho de Deus», isto é, «ser
amado», ser fruto da relação. E no amor está a Bem-aventurança, a Plenitude, o
Shalom.
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