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quinta-feira, 31 de março de 2022

Os nossos tempos estalam


Os tempos andam à estalada e são mesmo tempos estalantes.

Não sei muito bem o que pensar e o que dizer perante as multidões enfurecidas que este mundo tem. Onde impera no senso comum a legitimidade a favor de quem recorre à agressividade para resolver os problemas.

Nenhuma razão justifica a violência. É tão fácil de fazer e tão difícil de ser consequente com este princípio. Mas, é este o caminho, mesmo que nos custe e que seja difícil de concretizar.

No próximo Domingo dia 2 de Abril será lido nas igrejas o Evangelho da Mulher Adúltera. É das histórias bíblicas mais comoventes que nos são dadas.

A mulher pecadora é acusada de um crime grave, «foi surpreendida em adultério», no tempo de Jesus, tais mulheres eram apedrejadas até à morte, em obediência a uma má interpretação da lei do Antigo Testamento.

Para Jesus, esta condenação era bárbara demais. Mas outra vez, Jesus Cristo, demonstra que a barbaridade justiceira está imbuída de hipocrisia, isso não é aceitável. Por isso, Ele veio para estabelecer a compreensão e a misericórdia diante de todos os  males cometidos pela humanidade, que é naturalmente frágil e facilmente propensa a cair na miséria.

Por isso, mesmo que seja uma ofensa grave contra Deus e contra a dignidade humana, a resposta de Jesus revela claramente que o perdão é possível e demove por completo todos os inquisidores e juízes que pretendem fazer justiça pelas suas próprias mãos.

A hipocrisia é flagrante neste episódio, os moralistas que agora querem purificar a sociedade através da morte da mulher impura, foram também eles beneficiados com os seus serviços sexuais. Onde será que já vimos isto? - Os mesmos que gritam morte à mulher também se serviram dela.

A sociedade humana é assim mesmo. É escrupulosa no cumprimento das regras, mas, serve-se da miséria quando dá jeito pessoal e quando se trata de salvar a pele, mesmo que para tal sejam violados os valores e os princípios da dignidade humana de forma descarada.

Ninguém é perfeito, todos têm as suas manchas pecaminosas que provocam distância em relação a Deus e desencontros entre as pessoas.

Jesus ensina que quem não tiver pecado que de imediato atire a primeira pedra. A condenação não tem lugar em Deus, revelado plenamente em Jesus como o Pai/Mãe do reencontro e da reconciliação plena com todos os homens.

Toda a ofensa e agressão, por mais graves que sejam e toda a piada de mau gosto, são inaceitáveis, mas não podem ser pretexto para criar razões que justifiquem o recurso à violência. Violência gera violência. E todo aquele que recorre à violência, por mais límpidas razões que apresente, perde-as imediatamente.

No entanto, que estes clichés não nos autorizem a nos sentirmos reis e senhores para fazer tudo o que apeteça, porque depois se pode remediar com a banalidade de um singelo balbuciar de «peço perdão» ou «peço desculpa». 

Devem continuar dentro do prazo de validade a serenidade e o bom senso, porque são regras seguras para nos entendermos e sermos felizes uns contra os outros.  

quinta-feira, 24 de março de 2022

Escolhos do meu mundo


Eu estava naquele momento

E os acenos, e as palavras

E até mesmo aquelas lavras

Me fizeram crer no meu tormento.

 

Senti os gumes, um de cada vez

Todo confuso o pensamento,

Jazem mortos os saltos do alento

É seguro que o encanto se desfez.

 

Mas eu creio que ela é eterna

E se me vejo dentro da caverna

Não ignoro o que promete a cerna.

 

Por ela o sentido se manifesta

Eis o único bem que me resta.

quarta-feira, 16 de março de 2022

Apontamento 10 - A guerra (6)

Porque não se rendem os ucranianos?


Porque estão fazendo um frete aos líderes medíocres da Europa totalmente submissos aos interesses dos Estados Unidos e à lógica belicista da Nato que também é completamente comandada pela loucura de domínio universal dos Estados Unidos. 

Ao invés de enfiarem armas aos molhos às mãos da Ucrânia, juntamente com sanções económicas duras contra a Rússia, que vão trazer dificuldades nunca vistas sobre as nossas cabeças, porque não se acentuam as pressões diplomáticas sobre os líderes ucranianos para se renderem, poupando assim a destruição e as vidas humanas do seu povo? – Assim, ficaríamos mais seguros de que as negociações eram sérias e poderiam trazer resultados visíveis em benefício de todos, particularmente, os povos ucraniano e russo.

Fique claro que não sou a favor desta invasão, nem desta nem de nenhuma outra. Nenhum povo deve ser beliscado na sua soberania e nenhum outro governo, por mais legitimidade que possa inventar para justificar uma agressão, merece o nosso reconhecimento.

Nenhuma guerra resulta em nada de bom para ninguém. Esta também trará os mesmos resultados. Um povo desfeito, bens materiais importantes destruídos, feridas humanas que semeiam sofrimento, desolação e desgraças a todos os níveis para várias gerações.

Não há alternativa para esta guerra. As guerras podem trazer vencidos e vencedores, mas todos perdem sempre. Só a via do diálogo e das negociações verdadeiras podem trazer soluções benéficas para todos.

Assim, o que temos de mais certo outra vez é que a vida humana vale muito pouco ou nada, mesmo zero, perante os interesses dos poderosos deste mundo. Não está a valer na Ucrânia, não valeu nas duas Guerras Mundiais, no Vietname, na Jugoslávia, no Iraque, na Síria, na Líbia, no Afeganistão e em tantos momentos fatídico para os povos nos conflitos que a história nos vai oferecendo.

É uma dor imensa ver seres humanos a serem tratados como pedaços de carne esmagados pela brutalidade das armas. Esta loucura tem que ter um fim. 

quinta-feira, 10 de março de 2022

Apontamento 9 - A guerra (5)

O bem e o mal na cabeça de monstros humanos 

Um monstro faz monstruosidades. Uma pessoa com a cabeça de um monstro faz atrocidades. É o que estamos a ver nesta guerra provocada pela invasão da Rússia à Ucrânia. Por isso, não me cansarei de condenar e de me indignar com esta guerra e com todas as guerras.

Ontem ao ver as imagens do ataque inqualificável a uma maternidade, onde se visiona as paredes totalmente esburacadas pela chuva de balas e as várias salas reduzidas a monte de escombros,  obviamente, que fiquei chocado e revoltado com a atrocidade provocada pela cabeça tresloucada de quem provoca a guerra. A seguir pensei, só pode vir de alguém que ensandeceu por completo e fez dos seus generais e soldados, que formam o seu exército, corpos sem cabeça, reduzidos a braços e pernas, pois, retiraram-lhes o cérebro. São homens máquinas telecomandados para destruir e matar.

A par das notícias das atrocidades que nos chegam desta guerra, chegou também a notícia do sermão do Patriarca Kirill de Moscovo. É um fervoroso apoiante de Putin. Por sinal defensor da invasão Russa sobre a Ucrânia. Porque se aproveitou do seu estatuto e do lugar sagrado do exercício da sua função para proclamar alto e bom som, que esta guerra se justifica como sendo o bem contra todos os males.  O acidente pavoneia-se mergulhado no pecado e dado que esse pecado se instala às portas da Rússia, pelo território vizinho da Ucrânia, é preciso combatê-lo.

De que pecado se trata? – Primeiro considera que não é uma guerra propriamente dita, mas uma «operação especial», como se nós não víssemos que as imagens são de guerra a sério, que as atrocidades são uma diversão, destruição e morte pura ilusão. Depois que tudo isto é antes uma «luta entre o bem e o mal», o mal são as formas de vida e costumes modernos, que se refletem nas «marchas do orgulho gay» do Ocidente. Por isso, caso não seja travado a fundo este «pecado», estamos perante o fim da civilização. Daí que esta guerra «boa» vai impedir isso. Eis outra vez no seu melhor a justificação da guerra como sendo dos bons contra os maus.

Mais uma vez se percebe que as cabeças ensandecidas são assim mesmo, o mal passa a ser bem e o bem passa a ser o pior dos males. Vindo de uma cabeça perdida de uma autoridade religiosa, mesmo que seja a mais desumana das atividades, pode considerar ser lícita e pode assim abençoar essa desgraça com a maior descontração.

Assim, os tais costumes imorais são considerados o mal, mesmo que alguns sejam a busca de dignidade e respeito, ficam de fora de qualquer bênção. Mas, enquanto isso parece ser lícito e digno de reconhecimento, caírem bombas sobre maternidades, escolas ou prédios residenciais, obedecendo-se a ordens tresloucadas e desumanas, que provocam vítimas mortais, feridos e deslocados. Não pode ser neste pé tão fortemente negligenciável o valor da vida humana.

Para o Patriarca de Moscovo e todos os loucos religiosos que este mundo ainda tem, lembro que há uma frase de Jesus no Evangelho que não pode ser esquecida quando a maldade cai sobre vítimas indefesas, particularmente, as crianças: «Depois, disse aos seus discípulos: “É inevitável que haja escândalos, mas ai daquele que os causar! Melhor fora ser lançado ao mar com uma pedra de moinho enfiada no pescoço do que escandalizar um só destes mais pequeninos. Acautelai-vos!”» (Lc 17, 1-3).

terça-feira, 8 de março de 2022

Apontamento 8 - A guerra (4)

O pior do pior

Nunca imaginei que a guerra sendo o pior no quadro do horrendo, praticado pela humanidade contra si mesma, ainda pudesse existir dentro desse pior algo ainda pior, horrendamente pior, o tráfico de pessoas humanas com fins ilícitos, nomeadamente, a prostituição.

A propósito do Dia Internacional da Mulher, estão a chegar-nos notícias de que perante a população em fuga e nos campos de refugiados da Ucrânia, os abutres da carne humana começaram a aliciar e a raptar mulheres e crianças para serem exploradas sexualmente.

Quando nos deparamos com mulheres e crianças desamparadas, solitárias e despojadas dos seus bens e família, à humanidade normal causa compaixão e sofrimento porque sente a dor dos outros. Mas, os ratos pretos do esgoto soltam-se do seu habitat dos excrementos para realizarem o pior que pode acontecer a pessoas frágeis e indefesas, serem enganadas com eldorados paradisíacos, mas depois serem convertidas em objetos comercializáveis para a prostituição. Esta marca da guerra na Ucrânia é hedionda e vem mais uma vez mostrar quanto é perversa e homo homini lupus é a humanidade contra si mesma.

Outro dado de que nos falam neste dia as organizações não-governamentais ligadas à dignidade e direitos da mulher, são as violações de mulheres das tropas invasoras da Ucrânia como arma de guerra. Pior é impossível.

Os nossos tempos de fato são intrigantes e revelam o quanto a humanidade regrediu no que diz respeito ao domínio dos seus impulsos e no quanto deixou de se importar com os direitos/valores universais conquistados nos últimos anos.

É tão triste que se tenha perdido a consciência da nossa semelhança em termos humanos, o sentido da fraternidade e a capacidade de pensar que o outro pode ser um dos meus ou eu próprio. O pior entre o pior está aí a semear mais ódio e mais intolerância neste mundo devastado pela estupidez humana.

domingo, 6 de março de 2022

O que não é sagrado é segredo

Já tinha encerrado este dossier. Mas a força de uma manchete arrastou-me mais uma vez para o assunto. 

Um órgão de comunicação social da nossa praça hoje (06 de Março de 2022) foi buscar mais um arrazoado de uma argumentaria à Diocese do Funchal sobre a venda do Seminário da Encarnação, vulgo Seminário Verde. A mesma conversa falaciosa para justificar o que não é muito fácil de justificar e sobre o que está mesmo em causa disse zero. Mais uma vez expõe o que interessa… Porque na mente de alguns religiosos católicos o que não é sagrado é secreto. Mantém-se este o velho princípio para assassinar de morte a rebuçado da sinodalidade.

O órgão de comunicação social do burgo, transcreve uma salgalhada de paleio para proclamar alto e bom som que o Vaticano, essa autoridade supra suma da moral e dos bons costumes, autorizou a venda do património dos madeirenses, este de que falamos e mais o restante que está para vender.

A talho de foice vamos lembrar algumas coisas escritas pelo Papa Emérito Bento XVI, por exemplo disse assim: «Quando se suprime a justiça, o que são os reinos senão grandes bandos de ladrões?» (está escrito na primeira Encíclica de Bento XVI, Deus Caritas est, em 2005). Também se devem lembrar do famoso discurso do Papa Bento XVI, que ao aludir ao ninho das eminências purpuradas, se sentia rodeado de corvos. Já não chamo à colação os discursos e mensagens contundentes do Papa Francisco ao pessoal trabalhador do Vaticano nos últimos anos por ocasião do Natal.

Portanto, o Vaticano que venda o que lhe pertence. O Vladimir Putin também entende que a Ucrânia é dele. Alguma vez participou o Vaticano com alguma coisa para segurar a Igreja da Madeira? – Melhor seria que o Vaticano, quando vendesse alguma coisa deveria, isso sim, pedir autorização aos fiéis da Madeira. A conversa deve ser precisamente ao contrário para sermos honestos.

Assim, dizem falando grosso, a alienação do Seminário teve a anuência do Vaticano e foi «aprovada com uma abstenção» na ilha. Faltou ainda acrescentar que também foi aprovado ignorando-se deliberadamente todos os padres da Madeira, porque não são «queridos» cónegos. Não esquecer que vender bens alheios alguma vez pode dar para o torto.

Faz agora 40 anos que acompanho o desenrolar da história da Igreja da Madeira, já deu para ver e ouvir muita coisa, e perceber que a religiosidade não livra ninguém da manhosice. Por isso, se querem continuar a infantilizar as pessoas atirando areia para os olhos, pois continuem, havemos de nos proteger, com a graça de Deus.

Esta conversa de que o Seminário se vai converter numa escola, é bonita e encanta os incautos. Mas, alguma vez passa pela cabeça de alguém ficar seguro de que quem compra uma propriedade vai fazer dela aquilo que o vendedor quer… Alguma vez se acredita que se for vendido um bem o antigo dono vai determinar o que quer que seja sobre esse bem depois de vendido… Eu não tenho fé para acreditar nisso.

Um outro aspeto fervorosamente piedoso. Num repente a sociedade da Madeira inteira foi contaminada por uma nova estirpe de Coronavírus, chama-se padres velhinhos. Este interesse enternecedor até me faz lagrimar de comoção a alma. Nada disto não me soaria a conversa fiada se eu fosse um marciano acabadinho de aterrar na ilha e não soubesse do historial triste relativamente aos padres idosos da Diocese. Engraçado que o Vaticano nunca se importou com isto, porque será?

Mas, vamos ainda a mais um exemplo vergonhoso que contam os últimos anais. É sobre a famigerada Obra Dona Eugénia Bettencourt, porque parece que as pessoas já esqueceram. Alguém sabe de algo de monta dos bens destinados em testamento para os cancerosos da Madeira, onde se falava que havia a intenção de ser feito um hospital para esse fim? - Nada foi feito e os bens foram revertidos para outros fins. Algum património foi expropriado para betão e outros bens são segredo, porque o que não é sagrado é segredo. Resta que a vontade da benfeitora Dona Eugénia foi cumprida pouco ou nada. O sr. Rufino Teixeira, o testamenteiro, andou numa luta inglória nos tribunais, e resultou que ele é que foi vencido pela lei da morte sem conseguir nada relativamente ao cumprimento daquilo que estava destinado no testamento.

Vamos ser sérios e deixar de andar com joguetes manhosos, porque ninguém me convence com piedosas intenções. Preciso de ver realidade concreta e só por aí se pode avaliar a autenticidade de uma religião.

Quanto ao Vaticano, é melhor deixar esse símbolo triste do «sacro império da cristandade» em paz, porque pelo meio podem lá chegar alguns «negócios» muito miseráveis cujas consequências podem fazer levantar as pedras da calçada.  

sábado, 5 de março de 2022

Apontamento 7 - A guerra (3)


Não há nada melhor neste mundo para nos alegrar o espírito do que a solidariedade. Ainda mais quando se trata de ser exercida a favor das vítimas de catástrofes naturais e vítimas inocentes da guerra. Por isso, não pode ser mais interessante, verificarmos que a onda solidária pelas vítimas inocentes da Ucrânia cresce todos os dias. A loucura da guerra não pode vencer. Por favor, calem-se todas as armas, mesmo que alguém encontre razões fortes e incontornáveis para justificar esta absurda estupidez.

A par desta solidariedade voluntária de tanta gente por esse mundo fora a mobilizar-se para acudir as pobres vítimas que se deslocam em fuga para preservar as suas vidas, os governos de uma grande parte do globo também se movimentam, e bem, para aplicar sanções duras contra o agressor da Ucrânia, a Rússia de Vladimir Putin. Outra coisa não seria de esperar senão esta pressão necessária para fazer travar quem ainda entende que se pode chegar à solução dos problemas pela via das armas. Não esquecer que o preço elevando das sanções económicas contra a Rússia já começaram a chegar às nossas carteiras. E ainda aqui vamos.

A onda de simpatia dos povos pelos seus governos está no máximo, por isso, sucedessem-se manifestações por muitas cidades do mundo, onde milhares de pessoas se expressam de forma contundente contra agressão russa sobre a Ucrânia. Nada pode ser mais bonito do que isto. Todos nós andamos durante estes dias da guerra enfurecidos e a manifestar o nosso repúdio contra esta violência injustificável sobre um povo. E, obviamente, estamos seriamente preocupados com o alastrar da guerra por causa das consequências que tal realidade pode acarretar contra a humanidade inteira.

Porém, oxalá esta vaga geral de indignação contra a Rússia não seja apenas hipocrisia e não seja mais uma vez o resultado do consumo fast food das notícias construídas pela comunicação social que vive de modas tendenciosas. Por isso, vou alimentar o sonho que após esta agressão, os povos e os governos sempre se manifestarão duramente contra qualquer país do mundo que pratique façanhas deste teor. Os interesses económicos e financeiros não podem estar acima da vida humana, servem a vida humana, não podem ser um valor mais elevado que a vida e a dignidade humanas. Nem muito menos devia ser modo de governar com dois pesos e duas medidas.

Assim, espero que as agressões de qualquer poderoso deste mundo, nomeadamente USA, China e outros, quando entenderem invadir qualquer país, por mais remoto que seja, se levantem todos os povos e todos os governos com ações tão contundentes como por agora se vê contra a Rússia. Assim não sendo, mais uma vez tudo isto não passará de pura hipocrisia ou então ficará atestado que engolimos sem mastigar a ideia de que há agressões boas e outras que são más, quando de ambas resultam sempre as mesmas consequências: destruição, sofrimento e morte.

sexta-feira, 4 de março de 2022

O Seminário da Encarnação foi vendido

Consummatum EstO nosso bispo do Funchal com os seus «queridos» cónegos, vendeu o antigo Seminário da Encarnação, vulgo Seminário Verde, o terreno contíguo, as ruínas do edifício, menos a capela e uma casa que sita por detrás da capela de Nossa Senhora da Encarnação. Valores? - Andam a jogar números para o ar, não sei em qual valor se deve ficar... Essa avaliação fica para os entendidos e a verdade ou mentira que seja remetido à consciência de cada um.

Ninguém com o seu tino no devido lugar está contra uma solução para aquele espaço. No entanto, pairam dúvidas no ar relativamente ao grupo que o comprou e a forma como vão arranjar o dinheiro para pagar a transação, futuras obras e instalação de algo relacionado com educação. A notícia veio em parangonas de que as almas todas serão alimentadas por um fundo internacional. A história destes «benditos» fundos não augurou bons auspícios no passado recente, daí as pulgas já estarem todas de plantão atrás das orelhas de alguns madeirenses.

Repito, não estou contra uma solução para aquele espaço, prefiro sempre que um lugar de ratos passe ser lugar habitável para pessoas.

Mas, para que conste venho a terreiro lamentar a forma como tudo foi urdido. Outra vez envolto no maior segredo e sem espírito nenhum daquilo que tanto se tem propalado nos tempos que correm da sinodalidade (insistência do Papa Francisco para fazer da Igreja Católica um lugar de todos e para todos sem diferenças de categorias). A maioria dos padres soube do feito consumado pelas notícias na Comunicação Social.

Assim, clarifico que não escrevo estas letras apenas na condição de ser padre, mas como cidadão ciente de que o património da Igreja Católica da Madeira pertence a todos os madeirenses de todos os tempos. Por isso, como sou amante do dever cívico, manifestamente contra o unanimismo vesgo que alimenta ditaduras que nos cerceiam a liberdade, a criatividade e a intolerância perante as opiniões contrárias, sinto-me no dever de cidadania pensar alto e fazer pensar quem assim o desejar, diante das dúvidas que os negócios da Igreja levantam sobre o porquê de continuarem envoltos em mistérios se eles dizem respeito a todos.   

Mas há mais. Tudo isto prova que mais uma vez se faz questão de cumprir-se à la letre a doutrina de Pio X que diz assim: «A Igreja é, por natureza, uma sociedade desigual. Compreende duas categorias de pessoas: os pastores e os rebanhos. Só a hierarquia – [mas, não toda, só alguma, a dos ungidos pelos sagrados títulos honoríficos, ridículos aos olhos dos tempos que correm que reclama igualdade e fraternidade] – move e dirige (…). O dever das massas é aceitar que as governem (gubernari se pati) e seguirem com submissão as ordens dos que as dirigem» (Pio X na encíclica Vehementer Nos, de 1906).

É certo que me poderão rematar que este era o entendimento dos séculos passados e que esta linguagem doutrinal sobre a Igreja gerou uma plêiade imensa de santos. Mas também é verdade, gerou um infindável punhado de misérias e de miseráveis criminosos que se esconderam atrás desta capa para fazer valer as suas ignomínias, que sujaram a verdadeira mensagem evangélica, gerando assim uma incontável multidão de vítimas inocentes.

Voltemos ao negócio em causa. Fazendo-se jus ao adágio popular que ensina que o segredo é a alma do negócio, a Diocese (os «queridos» cónegos e o bispo diocesano), não destoando do procedimento de outras alienações que já foram feitas pela calada, agiu outra vez como manda o seu mau costume, à socapa da maioria dos padres. É verdade que até podem dizer que há tanta gente nova nesta Igreja da Madeira, mas os hábitos são velhos com barbas.  

Este meu manifesto, resulta do silêncio ensurdecedor geral por dentro, mas ruidoso por fora. Porque o madeirense é assim mesmo, bravo como um touro pelas costas, na hora da verdade, um manso cordeirinho. Assim, fica atestado que, vindo sucesso ou insucesso futuro desta alienação de património em curso na Diocese do Funchal, que os únicos (sublinho) os únicos responsáveis são os «queridos» cónegos da Diocese do Funchal no ano 2022, juntamente com o bispo Nuno Brás. Os restantes, os ignorados padres-párocos,  perante o contexto atual de dificuldades económicas que atravessa a generalidade da população, andam maioritariamente a braços com graves dificuldades para manter o vasto património a seu cargo nas várias paróquias, a começar pelos edifícios das igrejas paroquiais.

Uma ressalva final. Também há um mar de dúvidas quanto ao que será feito com a memória e simbologia daquele lugar. Um seminário feito com suor e lágrimas de muitos bispos e sacerdotes no passado, juntamente com as esmolas de várias gerações do povo madeirense.

A Diocese tem (tinha) duas joias que nunca deveriam ser alienadas por nada deste mundo, os dois seminários, o da Encarnação e Nossa Senhora de Fátima na Rua do Jasmineiro. Coisa que até esta parte era mais ou menos consensual na Igreja da Madeira, mas mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (ou interesses?).

Ambos os seminários têm uma história e uma simbologia que era importante preservar. Não foi esse entendimento que prevaleceu, é pena.  Há uma série de arrabaldes e património sem importância nenhuma por tanto lado pertença da Diocese que podia muito bem ser alienado para recuperar estas duas joias e convertê-las em fins sociais e serviços destinados à pastoral.

Por isso, resta aferir, se o seminário da Encarnação, ao ser vendido (questiono) se não haverá alguma leviandade e se não está a ser desbaratada uma memória imprescindível que não pode de forma nenhuma ser esquecida. Vamos ver como vai ser tratada e deixada para as gerações vindouras a história do Seminário Verde da Encarnação e que história ainda nos reserva esta consumação.

quinta-feira, 3 de março de 2022

Apontamento 6 - A guerra (2)

A guerra continua. Como seria de esperar cresce em cada dia que passa os sofrimentos de um povo que foge em massa, os feridos, os mortos, a tristeza, a desilusão, a perplexidade e a descrença na própria humanidade.

No outro lado da barricada à medida que o nosso espanto aumenta, vamos reparando que crescem os bloqueios ao país invasor da Ucrânia, a Rússia, a onda de voluntários, a partilha de bens, a amizade e compaixão pelas vítimas inocentes desta guerra sem sentido nenhum. Eis a humanidade como sempre no seu melhor e no seu pior.

Noutro âmbito não podemos pensar que tudo isto está longe do nosso terreiro. Não está. É enganoso pensar assim. Não esqueçamos a pandemia. Também estava longe, não era plausível que chegasse até nós. E como chegou com toda a força.

Tudo isto está à nossa porta, tudo isto tem que ver connosco e mais tarde ou mais cedo vamos começar a sentir os efeitos nocivos desta guerra. Os preços das coisas essenciais que precisamos para arranjo das nossas vidas já se fazem sentir no nosso bolso.

Não podemos fazer muito para travar a escalada da guerra, mas podemos ao menos sensibilizar e fazer pensar as nossas crianças e jovens o quanto é absurda qualquer guerra ou qualquer forma de violência. A dor e o sofrimento que semeia não cabem dentro das nossas categorias mentais, na nossa condição humana e cristã. Por isso, ensinemos a lutar contra o ódio, a intolerância e as ações violentas. Só a compaixão, o perdão, o entendimento é que nos fazem felizes.

Para este tempo deixo estes versos deste poema: «viagem no deserto» de José Augusto Mourão (In “O Nome e a Forma”, ed. Pedra Angular):

abre-nos, Deus, a porta

através das águas

para a grande viagem no deserto:

o combate com a morte no campo da vida,

a travessia dos limites, a nebulosa dos olhos

não se ensurdeça o nosso coração

porque a luta noturna com o teu Nome

nos deixou no corpo marcas

dá-nos a graça de atravessar o riacho da vida

mesmo coxeando;

que caminhemos com a ligeireza

e a elegância do animal

que busca o esplendor do verdadeiro

nas coisas provisórias

e que desse combate com as imagens

nos aproximemos do horizonte da tua casa

donde vejamos as sementes do amor cobrindo a eira,

Deus que ligas o céu e a terra no teu Filho Jesus

e no Espírito