Consummatum Est. O nosso bispo do
Funchal com os seus «queridos» cónegos, vendeu o antigo Seminário da
Encarnação, vulgo Seminário Verde, o terreno contíguo, as ruínas do edifício,
menos a capela e uma casa que sita por detrás da capela de Nossa Senhora da Encarnação. Valores? - Andam a
jogar números para o ar, não sei em qual valor se deve ficar... Essa avaliação
fica para os entendidos e a verdade ou mentira que seja remetido à consciência
de cada um.
Ninguém com o seu tino
no devido lugar está contra uma solução para aquele espaço. No entanto, pairam
dúvidas no ar relativamente ao grupo que o comprou e a forma como vão arranjar
o dinheiro para pagar a transação, futuras obras e instalação de algo
relacionado com educação. A notícia veio em parangonas de que as almas todas
serão alimentadas por um fundo internacional. A história destes «benditos»
fundos não augurou bons auspícios no passado recente, daí as pulgas já estarem
todas de plantão atrás das orelhas de alguns madeirenses.
Repito, não estou
contra uma solução para aquele espaço, prefiro sempre que um lugar de ratos
passe ser lugar habitável para pessoas.
Mas, para que conste
venho a terreiro lamentar a forma como tudo foi urdido. Outra vez envolto no
maior segredo e sem espírito nenhum daquilo que tanto se tem propalado nos
tempos que correm da sinodalidade (insistência do Papa Francisco para fazer da
Igreja Católica um lugar de todos e para todos sem diferenças de categorias). A
maioria dos padres soube do feito consumado pelas notícias na Comunicação
Social.
Assim, clarifico que
não escrevo estas letras apenas na condição de ser padre, mas como cidadão
ciente de que o património da Igreja Católica da Madeira pertence a todos os
madeirenses de todos os tempos. Por isso, como sou amante do dever cívico,
manifestamente contra o unanimismo vesgo que alimenta ditaduras que nos cerceiam
a liberdade, a criatividade e a intolerância perante as opiniões contrárias,
sinto-me no dever de cidadania pensar alto e fazer pensar quem assim o desejar,
diante das dúvidas que os negócios da Igreja levantam sobre o porquê de
continuarem envoltos em mistérios se eles dizem respeito a todos.
Mas há mais. Tudo isto
prova que mais uma vez se faz questão de cumprir-se à la letre a doutrina de Pio X que diz assim: «A Igreja é, por
natureza, uma sociedade desigual. Compreende duas categorias de pessoas: os
pastores e os rebanhos. Só a hierarquia – [mas, não toda, só alguma, a dos
ungidos pelos sagrados títulos honoríficos, ridículos aos olhos dos tempos que
correm que reclama igualdade e fraternidade] – move e dirige (…). O dever das
massas é aceitar que as governem (gubernari
se pati) e seguirem com submissão as ordens dos que as dirigem» (Pio X na
encíclica Vehementer Nos, de 1906).
É certo que me poderão
rematar que este era o entendimento dos séculos passados e que esta linguagem
doutrinal sobre a Igreja gerou uma plêiade imensa de santos. Mas também é
verdade, gerou um infindável punhado de misérias e de miseráveis criminosos que
se esconderam atrás desta capa para fazer valer as suas ignomínias, que sujaram
a verdadeira mensagem evangélica, gerando assim uma incontável multidão de
vítimas inocentes.
Este meu manifesto, resulta do silêncio ensurdecedor geral por dentro, mas ruidoso por fora. Porque o madeirense é assim mesmo, bravo como um touro pelas costas, na hora da verdade, um manso cordeirinho. Assim, fica atestado que, vindo sucesso ou insucesso futuro desta alienação de património em curso na Diocese do Funchal, que os únicos (sublinho) os únicos responsáveis são os «queridos» cónegos da Diocese do Funchal no ano 2022, juntamente com o bispo Nuno Brás. Os restantes, os ignorados padres-párocos, perante o contexto atual de dificuldades económicas que atravessa a generalidade da população, andam maioritariamente a braços com graves dificuldades para manter o vasto património a seu cargo nas várias paróquias, a começar pelos edifícios das igrejas paroquiais.
Uma ressalva final.
Também há um mar de dúvidas quanto ao que será feito com a memória e simbologia
daquele lugar. Um seminário feito com suor e lágrimas de muitos bispos e
sacerdotes no passado, juntamente com as esmolas de várias gerações do povo
madeirense.
A Diocese tem (tinha)
duas joias que nunca deveriam ser alienadas por nada deste mundo, os dois seminários,
o da Encarnação e Nossa Senhora de Fátima na Rua do Jasmineiro. Coisa que até
esta parte era mais ou menos consensual na Igreja da Madeira, mas mudam-se os
tempos, mudam-se as vontades (ou interesses?).
Ambos os seminários têm
uma história e uma simbologia que era importante preservar. Não foi esse
entendimento que prevaleceu, é pena. Há
uma série de arrabaldes e património sem importância nenhuma por tanto lado pertença
da Diocese que podia muito bem ser alienado para recuperar estas duas joias e convertê-las em fins sociais e serviços destinados à pastoral.
Por isso, resta aferir,
se o seminário da Encarnação, ao ser vendido (questiono) se não haverá alguma leviandade
e se não está a ser desbaratada uma memória imprescindível que não pode de
forma nenhuma ser esquecida. Vamos ver como vai ser tratada e deixada para as
gerações vindouras a história do Seminário Verde da Encarnação e que história ainda nos reserva esta consumação.
5 comentários:
Sempre que o leio, o meu respeito e a minha admiração por si crescem mais um pouco (como se isso fosse ainda possível!). Sorrio em silêncio ao pensar como a sua existência deve incomodar tanta gente por aí, dentro e fora da Igreja, claro. Faça-me sorrir sempre!
Estudei nesses dois seminários.....Estava pensando, como a Diocese da Madeira foi a maior diocese do mundo, Poderia sediar no Seminário uma Universidade para os diocesanos das áreas antigas dessa mesma diocese.... tornar-se-ia universal.... (Moro no Brasil)
Caríssimo Padre e Amigo, escreveu a Drª Eker Sommer: "Sempre que o leio, o meu respeito e a minha admiração por si crescem mais um pouco (como se isso fosse ainda possível!" O mesmo sentimento se passa comigo. Tenho presente as suas palavras, sem qualquer descontextualização à história que narrou: "Temos de ser mais Cristãos do que Católicos". Há muito que transporto em pensamento a sua mensagem.
De facto, há silêncios que incomodam e quando uma voz surge, transparente, preocupada, rigorosa, colocando o dedo na ferida que sangra, percorre em todo o meu corpo a palavra "Esperança". E quando essa voz assume: "Sou sacerdote. Gosto muito do que faço (...)" e consegue olhar para além do horizonte, isto leva-me ao poeta Manuel Alegre:
"Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão. (...)
Os "queridos" de que fala enquadram-se nessa lógica de servidão, quando a Palavra a tudo deveria sobrepor. Fica a Esperança de haver "sempre alguém que resiste" e que há
"sempre alguém que diz não".
Caro Amigo,
Não consigo deixar de lhe manifestar a minha humilde opinião. Nasci e vivi junto ao Seminário, por várias vezes fui com a minha mãe visitar o estabelecimento, ver os jogos que então se disputavam em espaços da instituição ou visitar a sua igreja. Há muito que o seu espaço pós 25A se ia degradando por não utilização adequada, em especial na época em que serviu de anexo ao Liceu (não estou bem certo). Seja como for, o que realço é uma profunda degradação dos espaços como se fossemos um país rico, esbanjando de qualquer maneira aquilo que muitos contribuíram com o seu suor através dos tempos. Por fim, fico muito triste com essa tomada de decisão de venda, mas ou estarão os cidadãos distraídos ou de costas voltadas para o seu passado, o silêncio é ainda mais triste, preocupante direi perante tais factos. Para mim, continuo a ver o edifício cheio de estudantes, de memórias de parentes e amigos que partiram mas eles estão lá e continuam bem vivos.
Sejamos prudentes com as palavras e os julgamentos....
"Dar a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus"
Aquele edifício tem história, sim! como todos nós temos.... e tudo cá fica!
Deixemos as tarefas materiais para aqueles que mais jeito têm. E rezemos sim muito por esses, para que saibam escolher as melhores soluções com a ajuda do Santo Espirito.
Não somos perfeitos é certo, mas todos os nossos dons são diferentes. Aproveitemos os nossos e façamo-los render, sem julgar o nosso próximo.
Filipa França
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