Reza a história assim
sobre aquele lugar onde se vislumbra natureza exuberante, três edificações a
começar pela capela de Nossa Senhora da Alegria. Francisco Vieira do Canto e
Abreu (Funchal, 30 out. 1583; idem, 25 dez. 1636). Capitão de
uma das companhias de arcabuzeiros do Funchal, era filho de Manuel Vieira do
Canto e de D. Beatriz de Abreu, vindo a fundar a capela de Nossa Senhora da Alegria, em São Roque, embora viesse a ser sepultado no convento de
São Francisco do Funchal. A capela passou depois aos Torre Bela, tendo sido restaurada em 1886 e benzida a 8 de Dezembro de 1887, passando
a antiga proprietária Ann
Constance Borger Fairlie, falecida nos Açores em 1986, algumas temporadas
na quinta anexa. A quinta foi depois vendida ao Eng. Freitas Branco, que construiu a parte nova e nela habitou e, em 2020, passou
a ser propriedade do escultor e pintor Francisco Simões.
Este dia 27 de julho reservou-me a felicidade de ser
recebido em grande pelo seu atual proprietário, o meu bom e estimado amigo
escultor Francisco Simões.
No meio da natureza exuberante, saboreamos a desmedida
alegria do anfitrião que se desmancha em simpatia e sorriso contagiante. O seu entusiasmo
é cativante e começa a guiar-nos como um enviado dos céus, alertando para os
detalhes religiosos, o valor artístico de cada peça, todo espaço envolvente repleto
de árvores, flores, árvores fruto e todo o género de plantas. Um manancial que
preenche cerca de doze mil metros, que oferece ao interior de quem busca a
beleza um encanto retemperador.
A visita começa na exígua e vetusta capela
dedicada a Nossa Senhora da Alegria, onde se nos desvela um retábulo muito
interessante com a imagem de Nossa Senhora e o Menino ao colo. A mão direita de
Maria oferece ao menino uma maçã dentada, símbolo do pecado que entrou no mundo
por uma outra mulher, Eva. Maria a nova Eva oferece ao Menino Jesus o símbolo
do pecado e da perdição da humanidade, pois Ele é o redentor e o salvador da
humanidade. Se por uma mulher, Eva, entrou o pecado no mundo, ao dar a dentada
no fruto proibido, a maçã, por outra mulher, Maria de Nazaré, entra a redenção
e salvação de toda a humanidade.
A visita continua e vamos à casa mãe, a casa original
da quinta da Alegria. Maravilhosamente restaurada e apetrechada com encantador
mobiliário antigo e como não poderia deixar de ser, uma autêntica «galeria de
arte», com quadros e estátuas do proprietário da Quinta, o escultor Francisco
Simões.
Miguel Torga |
O terceiro momento ficou reservado para a
habitação e atelier do escultor, a parte nova da Quinta, onde tem sido moradia
dos últimos proprietários. Neste espaço podemos nos deslumbrar com a paisagem
verdejante que se impõe como presença incontornável. Os diversos compartimentos
estão repletos de estátuas, cada uma mais bela que a outra, imagens, quadros com
os desenhos das estátuas e obras de arte espalhadas por Portugal Continental e
pelo mundo fora. Saltam aos olhos, os cerca de cinco mil livros sobre arte,
cuja maior parte tem participações do escultor Francisco Simões. Tudo são
preciosidades que nos falam e nos encantam o olhar da alma em sentida devoção e comoção.
As serras de São Roque escondem um tesouro e uma
pérola de grande valor. Para nosso desgosto e mais ainda do dono deste tesouro,
pessoa de renome nacional e internacional, que embora não sendo natural da
Madeira, ama a nossa terra, deixou tudo e tanto para trás, meteu tudo isto em
contentores e rumou para a ilha da Madeira. Nada melhor podia nos ter acontecido.
Uma graça que não encontrou aliados, melhor, encontrou desinteresse, indiferença
e pior que tudo alguma zombaria porque devem considerar quem assim procede como
um louco, um lunático que se guia pela inutilidade da arte.
Francisco Simões está desgostoso e mais uma vez
desencantado com o desprezo e indiferença que encontrou na ilha. Por isso, está
novamente de armas e bagagem quase prontas para rumar a outras paragens, onde
possa encontrar outros «loucos», que se alimentem daquilo que entre nós se
considera «inútil». Sim, porque na nossa terra «útil», é o pão e o circo permanente,
mesmo que passado o efeito nada fique senão a miséria que o esgoto engole. Os
rios de dinheiros públicos que se gastam em ramboiadas, podiam muito bem servir
para ser investido em arte, cultura, sabedoria e em tudo o que são valores que a
traça não rói e que nenhuma contrariedade do tempo e do modo possa diluir.
E concluo assim, a traça corrói a madeira. A pobreza
de espírito corrói a ilha da Madeira.
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