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quarta-feira, 20 de julho de 2022

A felicidade que a pobreza nos dá

Decorreram no dia19 de julho de 2022, durante a tarde inteira as comemorações do décimo aniversário do Banco Alimentar Contra a Fome na Madeira (BA).

De acordo com as primeiras atas, na Madeira o BA não celebra 10 anos, mas 11 anos - já explico. Poderão considerar que se pode negligenciar as particularidades seguintes, mas a História nunca o deve fazer, em a bono da verdade de qualquer memória, pois, pequenos e grandes fatos têm utilidade. E como diz Victor Hugo, «é com a fisionomia dos anos que se compõe o caráter dos séculos».

As primeiras atas das reuniões oficiais com os cidadãos fundadores do BA na Madeira, poderão confirmar que o BA Madeira não começou a existir no dia da sua inauguração e implantação no Armazém gentilmente cedido pelo sr. Fernando Caires no sopé sul do Pico dos Barcelos. Há muita história e pessoas envolvidas muito antes da sua inauguração. Assim, a bem da verdade, preciso fazer este registo, para que sejamos fiéis à memória histórica. Mas, parece, que logo ao fim de dez anos de existência, interessa que se apaguem alguns dados cruciais da origem do BA na Madeira. Não alinho nisso.

O mérito da «máquina poderosa» em que se tornou o BA madeirense, é óbvio que não se deve ao grupo inicial de cidadãos que a muito custo e contra várias vicissitudes conseguiram que o BA viesse para a Madeira. Quase todos os cidadãos desse início saíram ou foram descartados logo no nos primórdios, porque alguns descobriram que ali estava um filão interessante para outros fins alheios à luta contra a pobreza. É pena.

Vamos a peripécias do destino. Foram várias as tentativas para trazer para a Madeira o BA, mas o Governo Regional, a Cáritas com a força do bispo diocesano e demais entidades regionais, moveram pressões duras contra as várias tentativas. Entendiam que na Madeira não havia pobres nem muito menos fome, diziam, para quê um BA contra a fome, se não temos pobreza nem fome?

A 24 de Setembro de 2011(Ata número 1), nascia o BA na Madeira. Após algumas reuniões informais, pela primeira vez encontraram-se todos os cidadãos convocados e interessados em trazer para a Madeira o BA, sem qualquer intenção de vir a ser um braço armado de nenhuma entidade pública. Está bem claro na primeira ata, um dos cidadãos presentes nesta primeira reunião oficial, «relatou o seu encontro com a Senhora Coordenadora Nacional do Banco Alimentar contra a Fome, Isabel Jonet, e chamou a atenção para os objectivos daquela organização equiparada a IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social); a ação indirecta que desenvolve e a sua independência face às estruturas político/governamentais, ideologias, religiosas e outras».

Tudo isto foi mandado às urtigas. E quem não cumpre com o que defendeu não aceita que se alerte para a subserviência e dependência, porque facilmente enche a boca com a expressão «são os nossos parceiros». É o que diz tudo o que mexe na Madeira, que nunca existiria se não fossem os orçamentos públicos. 

Os nossos impostos, que devem ser cobrados para pagar os nossos governantes (e muito bem pagos por sinal), devem ser para políticas de justiça social, de igualdade de oportunidades e incentivos à criação de emprego. Nada para a caridade. Os governantes não são pagos para fazerem assistencialismo. A política de mão estendida (vulgo caridade) deve ser sempre provisória e a prazo, nunca uma receita permanente como estamos a ter nos últimos anos. Esta forma de responder à pobreza é gerador de mais dependências e de mais pobreza. Ainda sonho com instituições, pessoas e grupos que não falem de pobreza, mas falem aos pobres para que sejam eles os protagonistas da sua libertação.

Não aceito que andemos nesta onda de mãos estendida, uns a pedirem outros a terem que dar, porque a governação ao invés de suscitar o progresso, é motivador de subdesenvolvimento.

Neste momento estamos bem, dizem, o BA e as dezenas de instituições de distribuição de comida, pois estão a funcionar de forma maravilhosa. Todos estão contentes (menos eu que não concordo com nada disto). As entidades públicas ficam excitadas, o pessoal da máquina do assistencialismo está ao rubro, porque recebe mais dinheiro público, mesmo que não se saiba o que é um pobre e quantos pobres temos na Madeira. Parece basta que este «braço armado do assistencialismo» encha as barrigas dos incautos, mostre como são amigos dos pobrezinhos alguns ricos, os governantes e as sobras recolhidas são uma das melhores ações ambientais que se faz por cá. Por fim, os políticos ganham em votos e os outros sabe-se lá Deus em que mais. O que é certo, é que quanto mais fortes e bem organizadas as instituições assistencialistas forem, não saímos da cepa torna, a pobreza mantém-se ou aumenta. Porque o real perfeito funcionamento do assistencialismo, é a derrota maior das políticas e dos governantes que se esqueceram de levar a efeito medidas contra a pobreza. Mais do que louvores e regozijos devia haver vergonha.

Foi pena que neste encontro não se tenha ouvido uma palavra que fosse sobre justiça social, incentivos à criação de emprego e políticas bem vincadas que sejam geradoras de igualdade de oportunidades para todos. Nada, zero de apoios às famílias fora do âmbito da esmola. Nada de sério quanto a uma política de desenvolvimento que faça sair a Madeira do índice de uma das regiões mais pobres do país.  

Como se compreende que estejamos com escassez de trabalhadores em várias áreas, mas depois dizem que vão reforçar toda a rede de apoios assistencialista? Tem algum jeito este paleio?

Enfim, é pena que continuemos assim, numa loucura presente sem futuro, que conduz a Madeira a estar permanentemente subjugada à pobreza, deprimentemente envelhecida e sem massa cinzenta qualificada, porque todos os jovens que saem da Madeira para estudarem não voltam (e fazem muito bem!).

É melhor acordar para a realidade e marcar a data da morte de todos os organismos assistencialistas que vieram a lume como cogumelos na nossa terra nos últimos anos. E terminarmos com esta ideia sub reptícia que a alegria de alguns espelhada nos retratos quando se trata do assistencialismo, é a felicidade que a pobreza nos dá!

Aos governantes pedimos, concentrem-se nas políticas inclusivas, na justiça social e na igualdade, para que deixemos de dar o pão de «mão beijada», sem nunca esquecer, que não há nada mais indigno, que é comer das esmolas. Por isso, providenciem-se muitas canas e que elas ponham cada um a pescar o peixe com o suor do seu trabalho.


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