Nota da redacção: entrevista que concedi ao Jornal i, publicada Quarta-feira dia 17 de Março de 2010.
Jornal i: 1 - Porque defende o fim do celibato na Igreja Católica?
PJLuís: - Por um lado, não defendo o fim do celibato. Defendo que tem que ser uma medida opcional, porque também acho que o celibato, pode ser um dom e uma riqueza para a Igreja e para o mundo. Porém, entendo que não devia ser uma medida imposta em absoluto. O candidato à Ordenação presbiteral devia ter a possibilidade de escolher ser celibatário ou poder assumir o sacramento do Matrimónio. Desta forma teríamos vocações na Igreja muito mais saudáveis e seria uma grande riqueza para toda a Igreja o clero conviver entre si com clero casado e clero solteiro. Por outro lado, o celibato imposto acaba por ser uma medida antinatural e anacrónica e contra a tradição do primeiro milénio da Igreja, porque o celibato imposto só começou a ser universal com o Papa São Gregório VII (papa de 1073 a 1085).
Jornal i: 2 - Desde quando assume essa posição?
PJLuís: - Desde o momento que comecei a tomar conta de que havia muita infelicidade dentro do clero e por ter convivido com sacerdotes idosos que defendiam a abolição do celibato imposto. É impressionante, mas o clero mais velho, uma grande parte defende, essa convivência entre clero casado e clero solteiro (celibatário). Os escândalos de pedofilia no interior da Igreja vieram reforçar a minha convicção e a certeza de que é preciso ter coragem para mudar.
Jornal i: 3 - Já teve algum problema com os Bispos do Funchal com quem lidou (D. Teodoro de Faria e D. António Carilho) ou outros párocos das suas paróquias?
PJLuís: - Só em termos de diferença de pontos de vista. Se essa diferença causa problemas, a mim não me afectam em nada. As diferenças são uma riqueza dentro da Igreja e quem não sabe conviver com elas não está no lugar certo. A diversidade é um princípio evangélico, valorizado em absoluto pelo nosso Mestre Jesus Cristo. Nós como seguidores Dele devemos cultivar a diferença com muita determinação.
Jornal i: 4 - É verdade que o celibato contradiz a tradição do catolicismo primitivo, onde havia figuras da Igreja casadas? No Novo Testamento, o Apóstolo Pedro era casado...
PJLuís: - Obviamente. Parece que respondo a isto na pergunta 1
.Jornal i: 5 - O padre José Luís Rodrigues gostava de poder casar? Como vive o seu celibato?
PJLuís: - Antes de ser ordenado padre ainda coloquei essa possibilidade. Mas depois disso não, parece que descobri que não tenho vocação para o Matrimónio. Pela experiência da vida, vou descobrindo que estar casado é muito envolvente, requer muita entrega e tenho receio que falhasse nesses aspectos.
O meu celibato é vivido de forma normal. Sou feliz como padre, gosto muito do trabalho que realizo dentro dessa função. Porém, sempre procuro não ser um «funcionário de Deus». Obviamente, que há momentos muito desafiadores, propostas que nos abalam. Mas, com algum esforço podemos sempre vencer. Alguns mais malévolos, porque tenho estas posições, por desconhecimento, afirmam que tenho mulheres com fartura, mas não é verdade. Acho que temos que ser mais sérios no debate e tratar os assuntos com conhecimento de causa e com seriedade sem pessoalizar as opiniões. A Igreja precisa de gente sábia e séria, porque neste momento à Igreja falta-lhe gente que pense pela sua própria cabeça e que não tenha medo de publicar as suas posições.
Jornal i: 6 - Se o celibato fosse autorizado, iria atrair mais jovens para padre?
PJLuís: - Não sei se iria atrair mais jovens para o sacerdócio, porque as razões da falta de vocações não dependem só da questão do celibato. Mas, poderia ajudar ao menos para alguns, não são muito poucos os jovens que me dizem que podiam a ter ser padres, mas se houvesse a possibilidade de casar.
Jornal i: 7 - Não me interprete mal nesta pergunta: Considera que as notícias que vieram a público sobre os abusos sexuais de menores cometidos por padres em vários países da Europa, como na Irlanda e Alemanha, nas últimas décadas pode estar relacionado com o facto de os padres não poderem ter um relacionamento amoroso, reprimirem impulsos sexuais e emotivos ou optarem pela via religiosa por não quererem assumir a sua homossexualidade, que ainda é um preconceito social? Ou acha que a pedofilia não tem nada ver com isto e é uma doença tal como os pedófilos que violam crianças dentro da própria família?
PJLuís: - Claro que não a interpreto mal. Nas minhas respostas está subentendido isso. Muito clero na vida activa vê-se confrontado com tantas situações que pode facilmente descontrolar. Uma das formas de esconder ou sublimar a homossexualidade pode ser enveredar para a vida sacerdotal, o que é um grande mal, para a própria pessoa e para a Igreja.
A pedofilia é uma questão muito complexa e deve ser analisada em todos os prismas. Porém, não aceito que tenha a ver directamente com o assunto homossexualidade, esta é outra questão. A pedofilia, a meu ver é um descontrolo, uma tendência doentia que deve ser reprimida, porque, se é doença, é também um crime terrível, sobre o qual todos os que o cometem devem ser chamados a contas perante os tribunais deste mundo.
Jornal i: 8- Na entrevista ao jornalista Miguel Sousa Tavares, o bispo das Forças Armadas D. Januário Torgal disse que o fim do celibato não vai acabar com os padres pedófilos porque "o que casar vai ter filhos pedófilos que pode violar". Concorda com esta posíção?
PJLuís: - Ouvi a entrevista, mas não entendi bem esta posição. E parece um argumento pouco sério para se falar do assunto celibato. Desta forma não se chega lá. Continuo a achar que é preciso elevação para se falar do assunto e está visto que com esta geração de bispos e Papas não se tomarão medidas corajosas para resolver o assunto. Aos bispos actuais deveria pedir-se mais pudor e até vergonha perante estes escândalos que eles esconderam e continuam a fazer tudo para que não venham a público e os responsáveis por tais crimes não sejam chamados a contas.
Jornal i: 9- Porque é que a Igreja encobriu durante décadas os padres pedófilos e foi tão branda com eles?
PJLuís: - Porque são imensos os casos. E tendo em conta o património moral da Igreja estas situações serem faladas revelam-se o maior dos escândalos e põem a nu a hipocrisia de alguma Igreja. A alma da Igreja foi o segredo, mas o nosso tempo não permite que ele perdure. A comunicação é muito forte e a Igreja não sabe lidar com isso. Pela primeira vez na história da Igreja aparece uma coisa com a qual a Igreja não sabe lidar, então, isso é o fim, o descontrolo e os tiros no pé.
Jornal i: 10- O Funchal teve o caso do padre Frederico Cunha e D. Teodoro de Faria chegou mesmo a reconhecer que o padre tinha abusado de crianças. Como é que os padres do Funchal viveram este caso face à população?
PJLuís: - Com muita vergonha e com a maior das perplexidades, porque até hoje nada foi esclarecido devidamente. O bendito do segredo outra vez. A transparência na Igreja não é muito famosa, tudo se esconde, só alguns é que podem saber das coisas, os outros são uns pacóvios que devem apenas rezar e dar esmolas.
Jornal i: 11- Acha que o assunto do celibato e dos abusos sexuais na Igreja é um tabu em Portugal?
PJLuís: - Acho. Também acho que ainda não é discutido com elevação, coragem e frontalidade. Não se fala com abertura, porque há medo dentro da Igreja e porque não há o hábito de se falar abertamente sobre todas as questões. O medo advém do facto de que se alguém toma uma posição contrária à ortodoxia passa logo à condição de ostracizado e não é chamado para mais nada e é desse então que é preciso esconder tudo, ora, como se sabe, são poucas as pessoas que têm força interior suficiente para acarretar com esse impacto. O sofrimento que daí advém é muito grande. Porque o padre é um solitário, para o bem e para o mal está sempre só. Está abandonado por todos no seu canto. Porque a tendência das instituições consiste em acarinhar, privilegiar alguns e outros marginalizar. Muita degradação moral dos padres está nesta base. Se é tímido fica só, se é corajoso e fala abertamente fica só, se comete falhas esconde-se ao máximo e por aí adiante. Este ambiente retrai as pessoas e deixa-as quietas na sua solidão.
Jornal i: 12- Porque não se conhecem casos de abusos sexuais de menores cometidos por padres portugueses como nos outros países?
PJLuís: - Não sei. Quem sabe se as vítimas estão amordaçadas? – Não sei de nada, é apenas uma questão que lanço para o ar. Porém, se não há vítimas de abusos de padres entre nós, então, podemos considerar-nos os mais felizes do mundo. Ainda bem que não existem. Mas…
Jornal i: 13 - Após estes escândalos, principalmente na Irlanda e na Alemanha, que medidas deve tomar a Igreja? Deve haver selecção dos padres que trabalham directamente com crianças?
PJLuís: - Três aspectos:
Primeiro, acho que a Igreja deveria dar um sinal ao mundo de que defende as crianças e que estes crimes são hediondos.
Segundo, deve discutir a questão do celibato, como apontou o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena.
Terceiro, a Igreja deve aprender a conviver com a comunicação social sem medo e deve valorizar as denúncias que os meios modernos de comunicação fazem a favor do Bem-Comum.
Por fim, obviamente que deve haver um cuidado redobrado quanto às pessoas que trabalham em ambientes de crianças. Requer-se as melhores pessoas, as saudavelmente mais equilibradas vocacionalmente falando.