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segunda-feira, 22 de março de 2010

ÍTACA

Konstantinos Kaváfis
(Trad. Haroldo de Campos)
Quando, de volta, viajares para Ítaca
roga que a tua rota seja longa,
repleta de peripécias, repleta de conhecimentos.
Aos Lestrigões, aos Cíclopes,
ao colério Posêidon, não temas:
tais prodígios jamais encontrarás em teu roteiro,
se mantiveres altivo o pensamento e selecta
a emoção que tocar o teu alento e o teu corpo.
Nem Lestrigões nem Cíclopes,
nem o áspero Posêidon encontrarás,
se não os tiveres imbuído em teu espírito,
se o teu espírito não os suscitar diante de si.
Roga que a sua rota seja longa,
que, múltiplas se sucedam as manhãs de verão.
Com que euforia, com que júbilo extremo
entrarás, pela primeira vez num porto ignoto!
Faz escala nos empórios fenícios
para arrematar mercadorias belas;
madrepérolas e corais, âmbares e ébanos
e voluptuosas essências aromáticas, várias,
tantas essências, tantos arômatas, quantos puderes achar.
Detém-te nas cidades do Egipto -nas muitas cidades -
para aprenderes coisas e mais coisas com os sapientes zelosos.
Todo o tempo no teu íntimo Ítaca estará presente.
Tua sina te assina esse destino,
mas não busques apressar a tua viagem.
É bom que ela tenha uma crónica longa duradoura,
que aportes velho, finalmente à ilha,
rico do muito que ganhares no decurso do caminho,
sem esperares de Ítaca riquezas.
Ítaca te deu essa beleza de viagem.
Sem ela não a terias empreendido.
Nada mais precisa dar-te.
Se te parece pobre, Ítaca não te iludiu.
Agora tão sábio, tão plenamente vivido,
bem compreenderás o sentido das Ítacas.
Nota da redacção: Este é o poema que mais marcou a minha vida e quem sabe senão se fundamenta nele a razão de ser de muitas das minhas opções de vida. Poema belíssimo...
Ilustração: o Regresso a Ítaca

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