segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Do Cemitério ao Céu
Novembro é o 11º mês do ano civil. Mas era o nono mês do antigo calendário romano. Daí a origem de Novembro, que vem de nove ou nono.
Neste mês a Igreja celebra dois momentos cruciais para a fé cristã. Hoje, dia 1, Todos os Santos, amanhã, dia 2, Todos os Fiéis Defuntos. Estas duas datas são muito sentidas pelo povo cristão. Por um lado, com Todos os Santos, invoca-se todos esses heróis anónimos da Igreja. Por outro, com Todos os Fiéis Defuntos, lembramos outra multidão ainda maior, todos os irmãos que já faleceram.
Porém, o dia de finados tem maior simpatia no coração do povo do que o dia de Todos os Santos. Não são por acaso as multidões que visitam os cemitérios neste dia. O culto da morte é muito grande.
As páginas dos jornais que anunciam os funerais são extensas. É sintomático o número de pessoas que procuram o jornal só para ver quem morreu. A visita ao cemitério, por estes dias, é surpreendente. Os gastos com os funerais, em urnas requintadas e luxuosas, a variedade de ramos de flores… São reveladores do culto que se nutre pelos mortos.
É óbvio que tudo isto não é apenas uma obsessão mórbida pela morte. É antes um culto, um pouco destorcido, que expressa tarde um amor pelos familiares. Quantos passaram a sua vida completamente desamparados, sem uma palavra de ânimo e de consolo para a sua dor e solidão? Agora, na morte, têm a expressão de um carinho tardio que não podem saborear nem contemplar com os olhos da carne.
Nada obsta que os vivos manifestem como muito bem entenderem, amor pelos seus que partiram. Mas, que nada seja artificialismo balofo, como as mulheres da minha infância que se revezavam nos choros altos enquanto acompanhavam os defuntos.
Vale mais acompanhar com discrição o lugar da morte e os mortos do que se deixar envolver em dramas avulsos sem sinceridade. São a maior parte das vezes falsidade e também servem para colmatar a falta de fé e de esperança na vida eterna. Outras vezes serve para apagar mágoas e frustrações antigas ou culpas não resolvidas a tempo.
A morte é uma realidade complexa e o seu culto também. Tudo poderia ser de outra forma, com mais simplicidade e mais discrição. Sem choros e sem fantochadas de gosto duvidoso.
A visita floreada ao cemitério por estes dias, quererá revelar que a saudade dos familiares idos caminha agora a par e passo com os vivos. Mas, revela também que a dicotomia entre o inferno e o céu continua a padronizar os esquemas de pensamento e de vida dos homens do nosso tempo.
O medo do inferno - esse lugar imaginário que «educou» gerações - continua referência de uma multidão de medrosos. Esse lugar mítico, de fogo que tortura continuamente, onde há choro e ranger de dentes, não nos sai da mente e influencia a atitude perante a morte. O inferno, erra o sítio da dor, da condenação eterna e das trevas.
A morte cristã é a passagem desta vida terrena para a «casa do Pai». O céu, o purgatório e o inferno são lugares da «casa do Pai», portanto, são sempre experiências do céu, experiências de Deus. Daí o medo da morte.
As várias moradas da «casa do Pai» significam que o lugar depois da morte, é sempre uma experiência pessoal do amor ou do não amor, uma convivência pessoal com a intimidade de Deus. Esta realidade nunca poderá ser homogénea, é única e pessoal. A morte, é única, pessoalíssima e intransmissível. O inefável de tudo isto compõe, o mais aliciante da vida. Viver sem saber como será, enriquece e dá sentido à existência. Mas, poderá também inquietar e desesperar.
Não seria mais útil para os homens de hoje e de sempre falar do céu, que é o lugar da salvação e o lugar para que fomos chamados, para que estamos destinados já nesta vida, e não é essa a única vontade de Deus para nós? Deus não quer outra coisa senão o céu para cada um de nós.
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