Não é do poder da Igreja que o mundo precisa
O mundo mudou bastante. A emancipação do Homem é outra realidade muito distinta daquela que a Igreja alimentou durante séculos. Os homens e as mulheres do nosso tempo já não se comovem nem se vergam à obediência face à pregação do medo sobre o céu, sobre o inferno e sobre todas as coisas da vida. A evangelização do medo deu campo propício à Igreja para ter muito poder e para dominar como muito bem entendesse. Assim viveram a Igreja e o mundo durante muitos séculos.
As mudanças foram grandes nos últimos cinquenta anos. A Igreja sofreu e sofre terrivelmente. As interrogações são imensas, os escândalos sobre perversões sexuais nos membros da hierarquia são incontáveis e a Igreja não os pode abafar ou controlar como fazia noutros tempos, a sua mensagem longe da unanimidade antiga, hoje provoca sérios desentendimentos, o sofrimento é geral e toca a existência profunda da Igreja.
Mas, o sofrimento maior da Igreja reside no seguinte: viu desabar diante de si os poderes que detinha ou sobre os quais possuía sempre uma influência determinante. Diante si desagregou-se o poder político, logo depois o poder cultural e logo a seguir o poder moral. Ainda lhe resta o pode espiritual com as ambiguidades e com todos os contornos conturbados que este poder suscita.
As diversas dimensões da vida do mundo ganharam autonomia e não estão nada interessados no que a Igreja tenha dito ou venha a dizer sobre qualquer aspecto. A Igreja fala para si e a avalanche de documentos, reflexões e textos que produz, a maior parte das vezes cai em saco roto. O mundo não escuta a sua mensagem. A Igreja fala de dentro para dentro, esta é a realidade dolorosa da Igreja nos nossos tempos.
Os poderes emanciparam-se e ganharam autonomia. O poder político instrumentaliza a Igreja tudo quanto pode. E neste capítulo a Igreja deixa-se enredar pelos presentes envenenados que o poder lhe confere. Muitos dignatários da Igreja actual são os «voluptuosos» denunciados pelo profeta Amós, banqueteiam-se pelos corredores dos políticos fazendo-lhes o frete com sorrisos doces, palavras elogiosas, apertos de mão calorosos e palmadas ternurentas nas costas. Esta realidade não dignifica a Igreja, mas retira-lhe credibilidade e autoridade.
O poder cultural, onde vai? – A Igreja demitiu-se completamente da cultura. Não aceita o divórcio no casamento, mas divorciou-se completamente do poder cultural e de tanta gente que se distanciou da Igreja porque não encontrou nela compreensão. A Igreja limita-se ao seu pseudo-fiel rebanho que ainda lhe obedece, mas que não reflecte nada ou reflecte pouco, limita-se a escutar e calar. A Igreja nada faz para alargar o seu campo de acção. Está mais fechada sobre si mesma e circunscrita às armadilhas que algumas instâncias do mundo lhe montaram.
Por último, uma palavra sobre o poder moral. Deste poder o melhor é estar quieto. A maior parte das pessoas, mesmo até as mais cristãs, não estão minimamente a seguir o que diz a Igreja sobre o aborto, a eutanásia, sobre os contraceptivos e sobre outros aspectos da vida em sociedade. Neste domínio a força da Igreja parece ser quase nula. A Igreja está a ser encurralada intra-muros. Para esta situação encontramos culpados: primeiro, algumas instâncias do mundo pouco escrupulosas, segundo, a própria Igreja que se deixa aprisionar e não reage com determinação, eficácia, espírito aberto e elevação cultural.
Há uma falta de clarividência generalizada na Igreja. A Igreja não procura a união interna. Não se aceita como uma comunidade de irmãos diferentes. O deferente é para ostracizar. Coexiste na desigualdade, recusa a transparência, a democracia interna, a apresentação de contas... Porque uns poucos são mais do que a maioria (é a prática do Triunfo dos Porcos de George Orwell, levada ao máximo expoente). E este é o maior contra testemunho que a Igreja dos nossos dias apresenta ao mundo e afunda-se cansada no lamaçal dos escândalos. Que tristeza profunda a destes dias contados.
4 comentários:
Padre José Luís, cá estamos de novo a tentar não confundir a árvore com a floresta. Realmente, a Igreja precisa de um abanão, ar fresco, primaverar-se -o que só aconteceu com S.João XXIII- ainda houve alguns sinais de abertura com Paulo VI. Depois ardeu. Foi um inculturação polaca. Uma Igreja que veio de Leste muito marcada pelo totalitarismo e muito submissa ao Vaticano e ainda mais muito ligada a Maria.Ultimamente, fala-se muito mais da Virgem que do próprio Jesus, fundamento da nossa Igreja. E veja-se o que se passa na Madeira neste vai-e-vem da Virgem Peregrina . Que triste espectáculo: os lenços, velas, terços a beatice em festa. Nada sobre o Vaticano II, encíclicas papais e muito menos o Ecumenismo como caminho para a PAZ. Depois, vem a famosas interdições de tudo o que é sexualidade que vai desaguar na lixeira ou no esgoto da pedofilia. Penso que Deus não dorme. Talvez, seja um sinal para a Igbreja abrir os olhos e não ficar apenas pela oração e pelas condenações. Abra o Evangelho da vida e deite para o lixo o direito canónico.
Nestes dias tenho-me lembrado das profecias de Nostradamus...
São meras profecias como compete aos profetas...
Talvez esteja a chegar o tempo do açoite, do látego...
Talvez que fosse bom para a Igreja o tempo de tirar a venda...
Talvez fosse bom recomeçar das catacumbas...
Tantos "SES" que se nos deparam, tanta vida cómoda a contrastar com a pobreza, uma só certeza - o porquê do Domingo da Ressurreição!
Ai senhor padre eu não queria que a nossa Igreja caminhasse desta maneira. Nós todos somos igreja, padres e leigos, não será que todos temos culpas? Acredito que alguma hierarquia, se deixe emaranhar entre o socialmente correcto e o políticamente correcto para a Igreja. Mas os tempos que correm são propícios a isso. Muitos católicoa abandonam a Igreja. Eu tenho um infeliz exemplo na família: a minha filha mais nova, 26 anos, fez a 1ª. comunhão, profissão de fé, crisma, frequentou todos os anos da catequese, foi catequista mais de 3 anos, e agora não põe o pé na Igreja. Porquê? não sei- será que a igreja enquanto instituição sabe cativar os jovens?
Muita paz e muita luz.
Maria
Caras amigas, espero não ter feito passar uma mensagem catastrofista ou pessimista do futuro. Falta-nos a todos nós cristãos - Igreja - darmos ao mundo, especialmente aos jovens, de hoje um testemunho forte daquilo que é a nossa esperança. Falta mudar o que é preciso mudar com coragem e fazer passar a mensagem com uma linguagem positiva e adaptada ao pensar e sentir dos jovens de hoje. Penso que já faço isso, nos trabalhos que vou fazendo, resta saber se o faço com a qualidade suficiente e com a ousadia necessária para ser entendido. Porém, também penso que os estragos já são tantos que levará muitas gerações para que as mudanças aconteçam. Mas, adiante fazendo o bem e não se desanima.
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