José Luís Rodrigues, padre
Nunca se viveu um tempo como o nosso onde se fale tanto em solidariedade, caridade, partilha, dádiva…
Deus não clama por caridade, mas por justiça. Nunca se viveu um tempo como o nosso onde se fale tanto em solidariedade, caridade, partilha, dádiva… Entre tantas outras palavras que apelam a uma prática que leva cada um a pensar nos outros, especialmente os mais necessitados. Tudo isto é muito correcto e importante que aconteça. Mas acho grave quando as instituições públicas que têm o dever de pensar no bem comum e na justiça também se deixem contagiar. O Governo do nosso país, do fundo da penúria e após extorquir uma boa parte dos rendimentos familiares, arrancou, dizem, dos jogos, 10 milhões para fazer caridade. Uma ninharia face às necessidades mais prementes e face ao empobrecimento que as medidas levadas a cabo estão a provocar.
Amigos, devia eu estar aqui com uma crónica toda Natal, com palavrinhas mansas e com a cantilena habitual sobre esta quadra. Que me desculpem, não tenho paciência para isso… É que nos tira do sério esta pedinchice geral, não podemos andar na rua, pedem individualmente, pedem para todo o género de instituições que apareceram agora como cogumelos. Um chorrilho de pedincha que brada aos céus. Temo que matem a famosa generosidade do nosso povo.
Há uma caridade muito interesseira e circunscrita a redomas de egoísmo, de interesses pessoais, de puro negócio que beneficiam meia dúzia camuflada de bem comum, mas que no fim só provoca ainda mais desigualdades e injustiças. Faz-me mossa que governos eleitos pelo povo cujo fim da sua eleição foi para promover a justiça, embarquem no assistencialismo barato que não serve em nada o bem comum.
Esta política é revoltante e não resolve nada do que deve ser resolvido. A caridade não resolve nenhuma situação e todos nós temos experiência que as nossas ajudas aos pobres, podem dar uma pequena ajuda hoje, mas amanhã os mesmos que ajudamos voltam a bater-nos à porta. Assim, do que se trata a nossa reclamação é de que as injustiças bradam aos céus e Deus não se compadece com quem se alimenta da injustiça. Deus, reclama por justiça e não por caridades ou solidariedades que não solucionam problema nenhum. A qualquer governo devia importar ser o mais possível justo nas medidas que implementa.
Ora, amansemos que caminhamos para o Natal, diz o bom pensar.
É urgente dar lugar à esperança nesta hora de sofrimentos vários, de dores desmedidas e de desesperos angustiantes. Não há tempo a perder-se, cada um traz em si o lugar de Deus. O lugar do Seu nascimento.
Mas que lugar tão pobre, dirão os mais exigentes! Sim, pobres todos os corações humanos, mas lugares eleitos para o nascimento de Deus, o Senhor da esperança e da salvação para todos. O Deus da vida partilhada não se deixa intimidar com a pobreza de cada um. É dos pobres que Deus gosta. É dos lugares pobres que se faz a eleição para Ele nascer, não como caridade, mas por elementar desejo que se faça justiça.
Este ano, é especial. O ano do espectro da crise que a todos inquieta face ao futuro. Este, o ano dos cortes salariais e do desemprego que condena várias famílias à fome e especialmente crianças a não saborearem algo especial no Natal e quem sabe pior do que isso, ter que irem para a escola sem se alimentarem convenientemente ou a estarem sujeitas à marginalização perante os coleguinhas, porque não têm vestidas as roupas que os mais novos estandardizaram para o momento. O ano onde nos surpreendemos ou não com mais pobreza e caímos na real de quanto é vulnerável a condição humana e tudo o que essa condição humana criou como definitivo e acabado. Tudo surpreendente para nós que nos habituamos à Internet, às viagens frequentes de avião, ao bem estar social e económico... Tudo parecia assegurado e garantido, mas, afinal, facilmente desmoronaram sobre as nossas cabeças as torres de Babel, que teimosamente erguemos até ao mais alto dos céus.
«...Ele nascer de novo...» - pensaremos - dê por onde der, Ele vai nascer de novo! Basta de solidão, basta de ódios, basta de sofrimentos em tantas almas que nunca souberam o que é a paz, a felicidade da existência e o gosto de viver com o necessário para ser verdadeira humanidade.
Este que quer nascer de novo, em nome do amor infinito pelos homens e pelas mulheres, faz-se criança, símbolo da esperança e da confiança de que da miséria é sempre possível comunicar o sentido e a feliz notícia da Boa Nova do Reino.
Texto publicado no Dnoticias, 18 de Dezembro de 2011.
1 comentário:
Excelente reflexão...realidade não só aí em Portugal, mas aqui bem forte também. Agora, além de tudo uma crise forte em relação as ONGS. Instituições que se dizem a serviço dos excluidos, usando o nome para desviarem recursos.
Enfim, uma pergunta que nos inquieta: Em tempos de crise, porque a caridade ainda impera, embora exista o DIREITO a Assistência Social?
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