Publicidade

Convite a quem nos visita

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O desejo de santidade e a nossa morte

Comentário à missa deste fim de semana, Dia de Todos os Santos e Dia dos Fiéis Defuntos, 1 e 2 de novembro de 2014
Entramos no mês das almas, novembro. E logo nos primeiros dias, os dias do pão por Deus, somos convidados a meditar um pouco sobre essa fronteira de luz e de sombras. A santidade e a morte. 
A morte gera muita hipocrisia, muita dor/sofrimento, muita vaidade e até muita fantasia. Porém, é um caminho destinado a todos, ninguém, felizmente, está livre desta caminhada. O maior tesouro da vida é este.
Nós cristãos ao olharmos os santos encontramos um manancial de liberdade perante a morte. Os verdadeiros santos souberam acolher a morte como uma graça e como um dom. São Paulo foi tão elucidativo sobre o seu desejo profundo de se libertar deste mundo para entrar na comunhão plena com Deus, quando já sentia a sua vida plenamente fundida em Cristo: «já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim».
Deste modo, a morte é o horizonte mais certo que a vida contém no que diz respeito à libertação da miséria toda desta vida. Por isso, ninguém devia fazer da vida deste mundo uma preparação para a morte, porque a morte deve ser encarada como mais um momento da existência entre os infindos momentos que a vida deste mundo contém.
A morada eterna não está no cemitério, porque este lugar é o depósito dos restos mortais (não é assim que dizemos em relação aos defuntos?), por isso, o verdadeiro culto em relação à multidão dos santos de Deus não se deve fazer aí nos depósitos dos restos mortais, mas antes e provavelmente na memória que cada pessoa guarda no seu interior, o verdadeiro lugar de Deus.
No belo livro de poesia de Pedro Tamen podemos ler: «Ela não existe – nós existimos nela. / E faço este discurso envergonhado / (mas algo hei-de dizer enquanto sinto / que não é o meu fim que ali se encontra / mas o princípio) como quem senta / o rabo na borda da cadeira e escorregando / se afunda lentamente pelo chão: a viagem / é essa, esse é o rio – ou ela». Mas também José Gomes Ferreira soube definir muito bem a fórmula que nos permite olhar a morte com o seu verdadeiro sentido: «os pássaros quando morrem caem no céu». Como aprenderam facilmente os santos a pensar assim sobre a morte.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Um discurso clarificador do Papa Francisco

As palavras do Papa Francisco ontem perante os trabalhadores precários e da economia informal, migrantes, indígenas, sem-terra e pessoas que perderam a sua habitação, foram bastante duras e vieram clarificar as coisas em muitos aspectos.
Eis algo que se sente muito aqui na pequenez madeirense: «Terra, teto e trabalho. É estranho, mas se falar disto, para alguns parece que o Papa é comunista», começou por referir, antes de recordar que «o amor pelos pobres está no centro do Evangelho».
Recorda o Papa que afinal esta realidade «Terra, teto e trabalho, aquilo por que lutam, são direitos sagrados. Reclamar isso não é nada de estranho, é a Doutrina Social da Igreja», assinalou. Bem lembrado, para que a Doutrina Social da Igreja Católica deixe de ser um somatório de palavras bonitas que só são lembradas em determinados momentos para depois ficar tudo na mesma.
O Papa pediu que se mantenha viva a vontade de construir um mundo melhor, «porque o mundo se esqueceu de Deus, que é Pai, ficou órfão porque deixou Deus de lado». Aliás muito interessante este aspecto, porque são muitos os que arrogantemente defendem que Deus não serve para nada. Daí que não se tenham feito esperar por leis que retiravam tudo o que fizesse lembrar Deus no coração das pessoas. Aí temos o resultado, um desrespeito enorme pela dignidade da pessoa humana, o desencanto das pessoas perante a vida e uma falta enorme do sentido do viver em perspectiva de futuro. Alguns admiram-se com a taxa elevadíssima de suicídios. Não devia admirar assim tanto, a perda da dimensão do transcendente conduz ao vazio e ao consequente desecanto perante a vida, daí que viver ou morrer é a mesma coisa.
No discurso de cerca de meia hora, o Papa Francisco referiu que a presença dos Movimentos Populares é um «grande sinal», porque estão no Vaticano para «pôr na presença de Deus, da Igreja, uma realidade muitas vezes silenciada». E se falada é apenas por oportunidade e com medo, para que não se levantem as vozes que acusam quem se interessa por este assunto de comunista. Os bandalhos que andaram a fazer falcatruas em bancos e nos governos deviam ler estas palavras e verem que a sua ganância e o seu egoísmo conduziu o mundo esta tragédia da injustiça que faz vítimas inocentes aos milhões. E deviam ser chamados a restituir tudo o que extorquiram contra as regras e que levou à miséria uma porção enorme de gente por todo o lado, para que viesse uma austeridade tão profundamente desigual como a que estamos viver. 
Reparemos então: «Os pobres não só sofrem a injustiça mas também lutam contra ela», precisou. Segundo o Papa, Jesus, chamaria «hipócritas» aos que abordam o «escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção» para procurar fazer dos pobres «seres domesticados e inofensivos». Quantas vezes, os pobres se convertem em números para alimentar os joguetes partidários? Quantas vezes, os pobres são utilizados para alguns se pavonearem na comunicação social debitando petulantemente soluções para a vida das pessoas caídas no escândalo da pobreza? Quantos se servem dos pobres para serem protagonistas de campanhas alimentares, de ações de caridadezinha barata que não resolve nada, apenas mantém os pobres na passividade subjugada ao querer de quem se apresenta com o poder de dar ou não dar? Quantos fazem os pobres são pura e simplesmente o «alimento» para saciar a fome de poder?    
O Papa também falou ainda sobre os temas da paz e da ecologia, para além das questões centrais do emprego e da habitação. Disse: «São respostas a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe quer para os seus filhos. Um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas que hoje vemos com tristeza que está cada vez mais longe da maioria», denunciou o Papa Francisco.
O Papa convidou os participantes a prosseguirem com a sua luta, «que faz bem a todos». E porque faz bem a todos também nós em cada lugar da vida devemos demonstrar que estamos atentos à violência que é não ter condições para levar para casa o pão para alimentar a sua família. Não há maior pecado do que este. Não há maior escândalo do que este. Aliás, devia a humanidade inteira andar envergonhada, porque enquanto existir uma pessoa no mundo que passa fome, não devíamos nos permitir sair desse estado de vergonha.