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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O Regresso dos Reis Magos

Conto de Natal
A manhã desse dia estava fria como é próprio desta quadra. Por todas as aldeias rurais imperava o silêncio ora perturbado pelo passar dos rebanhos e pelo latido dos cães atrás dos carneiros que intentam sair do redil. Ou então os uivos daqueles cães desesperados que os seus donos impõem a prisão da trela ao canto do terreiro. Porém, a pacatez é a forma melhor de falar da vida nestes lugares.
Não é muito difícil de imaginar uma manhã destas que se perde na monotonia das muitas manhãs das aldeias rurais. No entanto, a chuva miudinha e a penumbra da névoa que cobria os montes fazia emergir uma atmosfera diferente do habitual, isto é, o ambiente que se respirava provocava um calafrio pela medula fora e fazia soar uma sensação de mistério nunca sentida por aquelas bandas.
Mas ninguém sonhava o que se estava a passar. Só uns sábios vindos de longe, das terras do Orienta, que deixaram-se conduzir até esse lugar por uma estrela. A estrela da esperança que alimentou gerações e gerações de homens e mulheres em todos os tempos desde a criação até hoje.
A estrela, a bendita estrela foi o seu guia de viagem e colocou-se no lugar certo, para revelar quem nasceu aí. Por fim, depois de dias e dias de caminhada por caminhos tortuosos do Oriente, chegaram ao lugar e encontraram deitado nas míseras palhas um Menino envolto em panos aquecido pelo bafo de dois ou três animais. Ali mesmo ao lado, uma mulher lacrimosa, porque ainda se contorce com as dores do parto e um rapaz de tenra idade que a segura pelos ombros, não fosse a mulher cair sobre o recém-nascido.
Não vamos esconder a alegria que os seus rostos espelham, são os pais mais felizes do mundo, apesar de não terem encontrado melhor lugar para nascer o Menino que sabiam ser um Deus. As atenções dos três homens ilustres, Baltasar, Belchior e Gaspar, voltam-se para o centro onde esperneia a pequena criatura. Os três admiraram-se e adoraram-no profundamente, era este Menino a razão de ser do seu trabalho de anos e a revelação do sinal da estrela.
Os senhores, vindos de longe desembrulharam os seus presentes e colocaram-nos devotadamente aos pés do Menino. Junto do Menino que procuravam estiveram cerca de um dia apenas, o tempo suficiente para comprovarem que as suas experiências batiam certo. Eis a hora de regressar à sua terra por outro caminho porque estrada que os trouxe guiados pela estrela agora está minado com ódio e espírito de vingança. É preciso guardar segredo aqui nas redondezas e regressar por um atalho para que os maus deste mundo não saibam onde está o tesouro do amor feito carne.
Os três magos regressaram por outro caminho. Não duvidamos do seu contentamento por finalmente terem visto a grandeza do mistério que há vários anos procuraram desvendar. A sua caminhada iniciou-se com a maior das alegrias.
Muitas foram as pessoas que deixaram os seus afazeres e abeiraram-se dos caminhos para verem passar tão ilustres figuras. Alguns mais entusiasmados aplaudiram e deram vivas aos reis que passam. Não se podia esperar outra coisa, dado que aqueles caminhos nunca viram nada assim.
Ninguém ficava indiferente aos três homens de estatura alta, com vestes de alto a baixo de várias cores e com jóias fabulosas nos pulsos e à volta do pescoço. Três figuras ímpares que passam ornamentadas com vestes tão luminosas nunca antes vistas por estas bandas. Não é todos os dias que se pode ver alguém ilustre e tão ricamente vestido, afirmavam quase todas as pessoas. Todos ficavam deslumbrados com a riqueza que transparecia destes três homens caminheiros em direcção à sua terra distante.
Os dias foram passando. Ao longo do caminho foram comunicando a notícia do nascimento do Menino e aqueles que tinham a dita de escutar tão nobre acontecimento manifestavam alegria e desejo forte de conhecer o Menino que tanto maravilhou estes homens, que apesar da imagem de riqueza e beleza que deixavam transparecer, não se faziam rogados e transmitiam a mais importante notícia das suas vidas a ricos e a pobres. Todos tinham de saber de tão nobre acontecimento.
Porém, ao chegarem à cidade de Rafala, que dista mais ou menos a meio do caminho entre Belém e a sua terra no Oriente, resolveram passar algum tempo neste lugar. A cidade era convidativa e merecia pela sua hospitalidade que os Reis Magos permanecessem ali um momento bastante largo. Assim o fizeram. Antes de tudo foram à procuram de uma estalagem para descansarem e pernoitarem. A parte antiga da cidade está repleta de estalagens. Esta cidade muito antiga sempre foi local de paragem obrigatória para os viajantes que vinham das terras do Oriente ou dos que iam do Ocidente.
Os Reis Magos não fugiram à regra e cumpriram a tradição. Aqui ficaram algumas horas até retemperarem as forças quebradas pelo caminho ora mais suave ora mais tortuoso que encetaram em direcção às suas casas no Oriente (lembre-se que não foram pelo caminho habitual das viagens longas, mas por atalhos escondidos para não serem vistos pelos súbditos do rei mau daquela zona que na ida para Belém lhes manifestou interesse em ver o Menino Deus, mas com intuito de o matar, não queria sombras sobre o seu poder).
As dificuldades das veredas não deixaram de permitir que estas horas fossem as melhores das suas vidas. Também eles vibraram com o entusiasmo das gentes dos sítios por onde passaram. Não continham de forma nenhuma o que tinham visto na gruta de Belém, transmitiam a notícia a toda a gente. A informação caia no coração das pessoas como se fosse a descoberta de um tesouro porque logo novos e velhos vibravam e queriam conhecer o Menino que nasceu nas palhinhas de uma gruta entre os animais. O insólito para um Deus despertava entusiasmo e simpatia em todas as pessoas que ouviam falar desta realidade de Belém.
No entanto, há sempre ao menos uma pessoa para destoar quando os acontecimentos estão relacionados com Deus. O dono da estalagem, um homem severo, avarento, orgulhoso e muito rico, confessa uma incredulidade soberba que vez entristecer um pouco os viajantes ilustres. Num dos serões na sala de convívio da estalagem, onde habitualmente se reuniam muitos cidadãos, para tomarem uns copos e confraternizarem afim de amenizar um pouco a monotonia das noites, os magos em júbilo deram conta da razão de ser da sua viagem, todos muito atentos procuravam entender a notícia e rejubilavam com a beleza do nascimento do Menino como se estivessem presentes na gruta do natal.
Mas no canto da sala está o homem rico, um dos mais ricos da cidade, que ao ouvir a notícia e com ar altivo sentenciou que isso não passava de ninharias de gente que não tem nada que faça. O seu orgulho feriu os Reis Magos e todas as pessoas que com eles se tinham entusiasmado. Todos se retiraram em silêncio sem pronunciar palavra nenhuma contra aquela provocação e deixaram que o silêncio falasse bem alto qual é que era a verdade das coisas. Esta noite foi um pouco diferente, porém, não fora este escolho do caminho que vinha matar a alegria da festa no coração dos Magos e de todas as pessoas que sabiam da notícia.
Chegada a hora de retomar o caminho, lá foram os reis magos outra vez estrada fora, calcorreando vales e montes em direcção ao Oriente anunciando o que tinham visto em Belém, revelado pela estrela.
Naturalmente, que a sua chegada a casa vai ser muito saudada pelos seus parentes e conterrâneos. São os seus Reis, os seus Sábios e os seus Magos, que mais uma vez mostraram que o seu estudo e as suas investigações são frutuosas. Todos se juntaram nas praças e nas bermas dos caminhos para escutarem as belas notícias que vinham de longe pela boca dos Magos. A alegria era tanta que logo todos cantavam e davam vivas aos Reis e ao Menino Deus que sabiam estar agora no mundo.
JLR

2 comentários:

M. disse...

De lamentar a perda desta tradição a favor do Pai Natal...

Faz tao Menino...

M Teresa Góis disse...

"Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade".Mas tinham vivido o Amor, essência daquela doutrina que ainda não tinha sido pregada e ninguém registara ainda.No mais íntimo dos seus corações tinham sentido aquela vaerdade"o que fizeres ao mais pequeno e ao mais ínfimo a Mim o fareis".E naquela noite, em que os animais falaram, as flores abriram o esplendor das suas pétalas nas trevas, como se entregassem à luz do meio dia,as pedras puderam deslocar-se para se dessedentarem nos regatos mais próximos,adormeceram com a criança, aconchegada, entre eles.Longe, a estrela fazia descer a sua cascata de fogo sobre Belém de Judá.
In:"Os magos que não chegaram a Belém" - Luisa DaCosta

Ao ler o seu texto lembrei-me deste belíssimo livro.Deixei o último paragrafo. Que a "Estrela" o guie.