Não serve para nada nem em tempos de pandemia nem fora deles, se a religião
afasta, isola, julga e mata. A religião não pode servir só e apenas para
acumular fiéis, bens materiais, dinheiro e investimentos empresariais como qualquer
outra instância empresarial mundana. A religião não é uma pedra nem pode
converter-se num calhau redondo que rola sem destino ao sabor da corrente.
A religião serve para despertar para espiritualidade. Para o bem que está
no mundo em cada pessoa, mas também para o bem maior que nos transcende, que
nos torna ainda mais humanos e, por conseguinte, divinos. Porque para nada
serve Deus e todos os deuses, se na terra já existem muitas pessoas idolatradas
e coisas totalmente divinizadas, porque são vistas como objetos de alienação intimista
e de sedução última para o sentido da vida. A religião que deixa de ser ligação
e apelo à poesia da vida, não serve para nada. Está morta.
Os tempos de pandemia, que nos trouxeram um morador vizinho de todos nós,
deviam trazer também um desafio maior à religião para que volte de novo a ser (re)ligação,
a ser pão espiritual nosso de cada dia, a ser mediação de perdão/reconciliação
com a vida e com o mundo, a andar de pé sem a tentação dos egos idolatrados que
ainda estão no seu interior e que são também um vírus religioso tão perigoso e
nocivo como o Covid-19.
A religião nos tempos de
pandemia deve sentir e fazer sentir que o vírus que nos habita com muitas
facetas, faz espreitar-nos a morte, a fome e a sede do corpo e da alma. Estamos
a respirar o mesmo ar da incerteza, todas as mãos estão infestadas de medo, por
isso, não nos saudamos com apertos de mãos e abraços como antes. Os nossos
corações estão todos a bater ao mesmo ritmo que hora se chama esperança e
noutra hora grita desespero.
A religião pode ser –
melhor, não pode ser - deve ser o sangue novo que nos lembra do rumo da missão,
a missão da existência, que somos irmãos uns dos outros, semelhantes pelo mesmo
nascimento e pela mesma morte, condição que há muito tínhamos esquecido. Ninguém
foge ou está acima desta idiossincrasia. Este é o segredo que o nosso esquecimento
escondeu, à religião compete lembrar de novo que essa massa está gravada em
todas as células do nosso corpo, é a nossa tatuagem comum e perene, mesmo que efémera,
porque é só e apenas para enquanto estivermos no mundo terreno. É esta condição
que nos torna semelhantes, humanidade.
A religião deve lembrar que
somos uma palha seca frágil que uma labareda de fogo, mesmo que pequenina,
torna cinza numa fração de segundos, que se dissolve no húmus fértil da terra para
a renovação da existência com novos frutos que daí se alimentem.
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