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sexta-feira, 7 de maio de 2021

Para que serve a religião em tempos de pandemia?

Não serve para nada nem em tempos de pandemia nem fora deles, se a religião afasta, isola, julga e mata. A religião não pode servir só e apenas para acumular fiéis, bens materiais, dinheiro e investimentos empresariais como qualquer outra instância empresarial mundana. A religião não é uma pedra nem pode converter-se num calhau redondo que rola sem destino ao sabor da corrente.

A religião serve para despertar para espiritualidade. Para o bem que está no mundo em cada pessoa, mas também para o bem maior que nos transcende, que nos torna ainda mais humanos e, por conseguinte, divinos. Porque para nada serve Deus e todos os deuses, se na terra já existem muitas pessoas idolatradas e coisas totalmente divinizadas, porque são vistas como objetos de alienação intimista e de sedução última para o sentido da vida. A religião que deixa de ser ligação e apelo à poesia da vida, não serve para nada. Está morta.

Os tempos de pandemia, que nos trouxeram um morador vizinho de todos nós, deviam trazer também um desafio maior à religião para que volte de novo a ser (re)ligação, a ser pão espiritual nosso de cada dia, a ser mediação de perdão/reconciliação com a vida e com o mundo, a andar de pé sem a tentação dos egos idolatrados que ainda estão no seu interior e que são também um vírus religioso tão perigoso e nocivo como o Covid-19.   

A religião nos tempos de pandemia deve sentir e fazer sentir que o vírus que nos habita com muitas facetas, faz espreitar-nos a morte, a fome e a sede do corpo e da alma. Estamos a respirar o mesmo ar da incerteza, todas as mãos estão infestadas de medo, por isso, não nos saudamos com apertos de mãos e abraços como antes. Os nossos corações estão todos a bater ao mesmo ritmo que hora se chama esperança e noutra hora grita desespero.

A religião pode ser – melhor, não pode ser - deve ser o sangue novo que nos lembra do rumo da missão, a missão da existência, que somos irmãos uns dos outros, semelhantes pelo mesmo nascimento e pela mesma morte, condição que há muito tínhamos esquecido. Ninguém foge ou está acima desta idiossincrasia. Este é o segredo que o nosso esquecimento escondeu, à religião compete lembrar de novo que essa massa está gravada em todas as células do nosso corpo, é a nossa tatuagem comum e perene, mesmo que efémera, porque é só e apenas para enquanto estivermos no mundo terreno. É esta condição que nos torna semelhantes, humanidade.

A religião deve lembrar que somos uma palha seca frágil que uma labareda de fogo, mesmo que pequenina, torna cinza numa fração de segundos, que se dissolve no húmus fértil da terra para a renovação da existência com novos frutos que daí se alimentem.

Antes ninguém tinha medo da morte, todos conviviam com ela, por isso, todos aprendiam que o mundo não nos pertence, que nos era dado por empréstimo para algum tempo até ao momento de dar o último suspiro para o entregar aos outros que entretanto tinham chegado a esta vida. A religião deve lembrar-nos disto, porque esta é a causa urgente da salvação do nosso habitat, mas também a salvação própria da humanidade. 

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