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segunda-feira, 5 de julho de 2021

Jardim da Serra – homenagem às bordadeiras

 05 de Julho de 2021

No topo dos píncaros dos montes nasceu o Jardim da Serra. Terra de flores, de frondosas árvores, cerejeiras, pereiros, castanheiros, vinhedos de sercial a cobrir as encostas agrestes, que prometem lá para diante o néctar divinal de Baco, bucho verdejante para ladear os caminhos, as casas, os quintais e as quintas... Tanto num pequeno mundo que brada aos céus e à terra a divinal criação da existência numa feliz conjugação na busca da felicidade que todos almejam.

O melhor de tudo de qualquer terra é as suas gentes. O Jardim da Serra não foge à regra. Ali estão as suas gentes carregadas de humildade, simplicidade no falar e prontidão no sorriso fácil e no gosto pelo acolhimento devotado para quem quer que seja. Não fogem ao trabalho, qualquer trabalho. Por isso, este reduto é regalo paradisíaco que os céus criaram como dádiva para o mundo, o nosso mundo, o meu mundo.

Naquele mundo primeiro do que sou, encontrei desde tenra idade as mulheres que dia e noite seguravam a ponta da agulha acabada de lhe terem enfiado a linha no buraco depois de a terem molhado com a saliva numa das pontas. Ali estavam horas e horas até se queixarem de dores nas costas e nas pernas. Dores sagradas que anteviam algum dinheiro para comprar pão para saciar a fome das proles numerosas que as casas abrigavam numa santa alegria.

No dia da comemoração dos 25 anos de elevação a freguesia, 4 de Julho de 2021, no Jardim da Serra, encontrei três artífices desses tempos, a srª Agostinha, a Srª Filomena e a Srª Maria, encenando um quadro daquele habitual que enformou a minha infância. Não resisti a me meter com elas e gravei estes breves momentos para partilhar com além mundo este quadro singelo mas muito significativo do que era a vida dura das mulheres do Jardim da Serra ou de qualquer bordadeira fosse onde fosse.

Assim eram elas, simples e humildades, nas conversas sobre os acontecimentos familiares, da vizinhança e algumas coisas do mundo. Não deixavam de contar as suas piadas ou peripécias caricatas dos conhecidos da zona, para que no entremeio soltassem belíssimas gargalhadas festivas para lhes exorcizar as dores das costas e das pernas.

A felicidade está no pouco, não na abundância. Por isso, tinha valor um conjunto de garanitos bem feitos a ladear um ilhó, o caseado bem apertado a serpentear uma folha, o rechelieu encadeado no interior de folha ou numa flor de rosa e o ponto de corda formando ramos com olhos fechados cá e lá, sob o testemunho das cavacas que se distribuíam por todo o bordado. Esta arte pura e dura de mulheres que não escolheram o tipo de arte que queriam, mas que foram escolhidas pela necessidade de matar a sua fome e a dos seus.

Tanto e tudo num pano singelo que oferecia uma obra de arte inigualável para ser absorvida pelos olhares do mundo, aqueles olhos da alma que valorizam o engenho, a criatividade e tenacidade das pessoas simples deste mundo imenso que é o mundo das bordadeiras. 

2 comentários:

judite disse...

Também vivi essa experiência. "Os nossos ATL´S", com marcação do que era para fazer a cada dia. Outros tempos.

Raul Andrade disse...

Sr. Pde José Luis

Texto muito bonito e todo ele cheio de verdades.

Um bem haja.