Frei Betto *
Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objectos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura…
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: "Estou apenas fazendo um passeio socrático." Diante de seus olhares espantados, explico: "Sócrates, filósofo grego, que morreu no ano 399 antes de Cristo, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz."
* Escritor e assessor de movimentos sociais
Nota da redacção: a leitura de Frei Betto não podia ser mais actual e como a dimensão religiosa está bem presente na vida actual. Mas, resta saber se os sinais de religiosidade canalizam as mulheres e os homens actuais para a felicidade. Porque, trata-se disso mesmo a questão da felicidade...
6 comentários:
Mais um texto "altamente" que não tem nada de virtual.Ler este texto e o anterior e ler as declarações de um bispo do México sobre o porquê da pedofilia dos padres ou mesmo do homossexualismo, é como passar de uma noite de borrasca para um feliz dia de Primavera.Dou graças a Deus, P. José Luís, por andar tão bem acompanhado e connosco partilhar essa companhia. Bem haja, pois a sua Evangelização não é em vão.Abraço.
Hola!
Me encantó tu texto y la frase final... es de maestro... eso mismo Sócrates... muy bueno!
"Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz."
Así como muy bueno es tu blog.
Un beso.
Olá!
Parabéns pelo texto que é muito real e diz muitas verdades!
Grande filósofo Sócrates!
O teu blog é muito bom!
Um beijo de Portugal.
Siempre me es gratificante recorrer el mundo de los blogs… y encontrar algunos como el tuyo. También tengo la esperanza que alguna vez pueda verte por el mío, que también se escribe en portugués, sería como compartir esta pasión por escribir que une a tantas personas y en tantos lugares...
Sergio
Muito obrigado, Curi-Quieta, Alma Inquieta e Serpai. Os farnéis que fizeram partilhar no nosso Banquete é muito benvindo. Venham sempre e tragam outros, também irei aos vossos. Tudo de bom para vós e adiante fazendo o bem pela palavra...
Padre José Luís Não há paragens na sociedade de consumo. Tudo é corrida e ai de quem ficar pelo caminho. E quem são estes que ficaram pelos caminhos? Os velhinhos que estão nos hospitais ou nos lares, já ninguém lhes passa cartão. Até aos 65 somos úteis a partir daí só nos falam em serapilheira proveniente dos novos sacerdotes do ecomicismo, hedonismo, do salve-se-quem-puder. A solidariedade já não conta, serve elemento de retórica para os padres sérios e empenhados na transformação da sociedade e da igreja como o meu Amigo José Luís. Ven Senhor Jesus! E leva-me como assisti a uma senhora de idade avançada que estava nos calaboiços dos hospitais, sem calor, nem afectos. Hoje os afectos servem para guiões de telenovelas, por isso mesmo, deixei de vê-las. Só a "Gabriela Cravo e Canela" Ah grande Jorge Amado como fazes falta !
Enviar um comentário