"As coisas visíveis são passageiras, ao passo que as invisíveis são eternas" (II Cor 4, 18)
Por estes dias de santos e de almas são elevadas as peregrinações aos nossos cemitérios para rezar aos defuntos ali sepultados e colocar-lhes junto das suas campas as apetecidas flores. Naturalmente, que falta pensar e estudar quais as razões profundas de tais peregrinações. Nunca sabemos se são feitas em nome da saudade, da estima e do amor que se nutria pelos entes queridos. Ou se esse peregrinar às sepulturas não é a inquietação da morte que cada um transporta em si, que necessita de mediações que façam esquecer e contornar o sobressalto que é saber que se vai morrer. Em tempos de crise financeira, alguma contenção nos gastos sobre a morte seria importante para que os vivos que nos rodeiam fiquem na penúria...
Se não tivermos apenas em conta a terrível perplexidade perante a morte, mas o que nos ensina uma psicóloga francesa, a vida talvez ganhe outro sabor: "não é a duração da vida que interessa, mas a sua qualidade". Aqui está a grande questão sobre a vida. Viver bem não é igual a viver muito tempo. Esta ideia está sempre muito presente no coração de muita gente. A sociedade não procura viver com qualidade, mas antes procura mecanismos e todas as formas que façam perdurar a vida o quanto mais possível. Por causa desta mentalidade, encontramos muita gente sem qualidade de vida nenhuma, mas profundamente inquieta e perturbada com o problema da morte. E mais não fazem senão procurar receitas químicas ou supersticiosas para prolongar a vida.
Nós cristãos ao olharmos os santos, encontramos um manancial de liberdade perante a morte. Os verdadeiros santos souberam acolher a morte como uma graça e como um dom. São Paulo foi tão elucidativo sobre o seu desejo profundo de se libertar deste mundo para entrar na comunhão plena com Deus, quando já sentia a sua vida plenamente fundida em Cristo: "já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gálatas 2, 20).
A morada eterna não está no cemitério, porque este lugar é o depósito dos restos mortais (não é assim que dizemos em relação aos defuntos?), por isso, o verdadeiro culto em relação à multidão dos santos de Deus não se deve fazer aí nos depósitos dos restos mortais, mas antes e provavelmente na memória que cada pessoa guarda no seu interior, o verdadeiro lugar de Deus.
É deste lugar que nos fala São Paulo. As coisas verdadeiras não estão neste mundo, onde tudo passa e se deteriora. Se nos convencêssemos disto, o mundo podia converter-se facilmente pela acção de todos num lugar paradisíaco para viver. Na bela poesia de Pedro Tamen podemos ler: "Ela não existe - nós existimos nela. / E faço este discurso envergonhado / (mas algo hei-de dizer enquanto sinto / que não é o meu fim que ali se encontra / mas o princípio) como quem senta / o rabo na borda da cadeira e escorregando / se afunda lentamente pelo chão: a viagem / é essa, esse é o rio - ou ela". Mas também José Gomes Ferreira soube definir muito bem a fórmula que nos permite olhar a morte com o seu verdadeiro sentido: "os pássaros quando morrem caem no céu". Como aprenderam facilmente os santos a pensar assim sobre a morte...
JLR
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