O discurso do
Papa Francisco aos Bipos da América Central (SEDAC) tem uma importância muito
grande para nós. Deve ser tido em conta particularmente nesta época em que há
um virar de página na história da nossa Diocese. Tomei a liberdade de
escortinar umas passagens que considero mais significativas e que podem
iluminar o nosso caminho de «pastores:
1. «O martírio
não é sinónimo de pusilanimidade nem a atitude de alguém que não ama a vida nem
sabe reconhecer o seu valor. Pelo contrário, o mártir é aquele que é capaz de
encarnar e traduzir na vida esta ação de graças».
2. «Na Igreja,
Cristo vive no meio de nós e, por isso, ela deve ser humilde e pobre, pois uma
Igreja arrogante, uma Igreja cheia de orgulho, uma Igreja autossuficiente não é
a Igreja da kenosis».
3. «é importante
não ter medo de nos aproximarmos e tocarmos as feridas do nosso povo, que são
também as nossas feridas, e fazê-lo segundo o estilo do Senhor. O pastor não
pode estar longe do sofrimento do seu povo; mais ainda, poderíamos dizer que o
coração do pastor se mede pela sua capacidade de deixar-se comover à vista de
tantas vidas feridas e ameaçadas».
4. «A Igreja,
por sua natureza, é Mãe e, como tal, gera e resguarda a vida protegendo-a de
tudo o que possa ameaçar o seu desenvolvimento: uma gestação na liberdade e
para a liberdade».
5. «São bem
conhecidos a amizade do Arcebispo Romero com o Padre Rutilio Grande e o impacto
que o assassínio deste teve na sua vida; foi um acontecimento que marcou
profundamente o seu coração de homem, sacerdote e pastor. Romero não era um
administrador de recursos humanos, não geria pessoas nem organizações; Romero
sentia, sentia com amor de pai, amigo e irmão. Uma medida um pouco alta, mas
útil para avaliar o nosso coração episcopal, uma medida à vista da qual podemos
interrogar-nos: quanto me afeta a vida dos meus sacerdotes? Que impacto deixo
ter em mim aquilo que vivem, chorando com as suas dores, congratulando-me e
regozijando-me com as suas alegrias? Comecemos a medir o funcionarismo e
clericalismo eclesiais – infelizmente tão difusos, constituindo uma caricatura
e uma perversão do ministério – por estes interrogativos. Não é questão de
mudar estilos, hábitos ou linguagem (certamente importantes); é questão
sobretudo de impacto e capacidade de espaço, nos nossos programas episcopais,
para receber, acompanhar e sustentar os nossos sacerdotes: um «espaço real»
para nos ocuparmos deles. Isto faz de nós pais fecundos».
6. «Preocupa-me
ver como a compaixão perdeu a sua centralidade na Igreja. Até mesmo os grupos
católicos a perderam – ou estão a perdê-la, para não sermos pessimistas. Mesmo
nos meios de comunicação social católicos, a compaixão não existe. Há a
estigmatização, a condenação, a maldade, a obstinação, a supervalorização de si
mesmo, a denúncia de heresia... Oxalá não se perca a compaixão na nossa Igreja;
oxalá não se perca, no Bispo, a centralidade da compaixão. A kenosis de
Cristo é a expressão máxima da compaixão do Pai. A Igreja de Cristo é a Igreja
da compaixão; e isto começa em casa. É sempre bom perguntar-nos como pastores:
que impacto tem em mim a vida dos meus sacerdotes? Sou capaz de ser um pai ou
consolo-me com ser um mero executor? Deixo que me incomodem? Lembro-me das
palavras de Bento XVI quando falava aos seus compatriotas no início do
pontificado: «Cristo não nos prometeu uma vida confortável. Quem deseja
comodidades, com Ele errou direção. Mas Ele mostra-nos o caminho rumo às coisas
grandes, o bem, rumo à vida humana autêntica» (Discurso às Delegações e peregrinos alemães,
25/IV/2005). O bispo deve crescer todos os dias na sua capacidade de se deixar
incomodar, de ser vulnerável aos seus padres. Estou a pensar num Bispo, um
Bispo emérito duma diocese grande, grande trabalhador; recebia em audiência
todos os dias de manhã e frequentemente, com muita frequência, quando terminava
as audiências da manhã e com uma vontade enorme de ir comer, acontecia estarem
ali à espera dele dois padres sem audiência marcada na agenda. Então voltava
para trás e escutava-os como se tivesse a manhã toda à sua frente. Deixar-se
incomodar e deixar que a massa acabe recozida e o bife frio. Deixar-se
incomodar pelos sacerdotes».
7. «O
fundamental nas visitas e que não podemos delegar, é a escuta. Há muitas coisas
que fazemos todos os dias e que deveríamos confiar a outrem. Aquilo que, ao
contrário, não podemos delegar é a capacidade de ouvir, a capacidade de
acompanhar a saúde e a vida dos nossos sacerdotes. Não podemos delegar noutros
a porta aberta para eles; uma porta aberta para criar as condições que tornem
possível a confiança mais do que o medo, a sinceridade mais do que a
hipocrisia, o intercâmbio franco e respeitoso mais do que o monólogo
disciplinar».
8. «É importante
que o pároco encontre o pai, o pastor no qual «se vê espelhado» e não o
administrador que quer «passar revista às tropas». Com todas as coisas em que
nos diferenciamos e até mesmo aquelas em que não estamos de acordo e as
discussões que possam haver – sendo normal e desejável que existam –, é
fundamental que os padres sintam o bispo como um homem capaz de gastar-se e
expor-se por eles, fazê-los caminhar para diante e estender-lhes a mão quando
estão empantanados; como um homem de discernimento que saiba orientar e
encontrar caminhos concretos e praticáveis nas várias encruzilhadas de cada
história pessoal. Quando eu estava na Argentina, às vezes ouvia padres dizerem:
«Telefonei para o bispo, e a secretária disse-me que ele tinha a agenda cheia,
que voltasse a chamar dali a vinte dias; e nem me perguntou que queria… «Queria
ver o Bispo» – «Não pode; coloco-o na lista de espera». É claro que, depois, o
padre não voltou a chamar e continuou com aquilo que lhe queria perguntar – bem
ou mal – dentro de si. Isto não é um conselho, mas algo que vos digo do
coração: se tendes a agenda cheia, agradeçamos a Deus! Assim comereis em paz,
porque ganhastes o pão; mas, se virdes o telefonema dum padre, hoje, no máximo
amanhã, deveis chamá-lo para lhe dizer: «Chamaste, que se passa? Pode esperar
até tal dia ou não?» Aquele padre, a partir de então, sabe que tem um pai».
9.
«Etimologicamente, o termo «autoridade» deriva da raiz latina augere que
significa aumentar, promover, fazer progredir. No pastor, a autoridade consiste
de modo particular em ajudar a crescer, em promover os seus presbíteros, em vez
de se promover a si mesmo (isto faz dele um solteirão, não um pai). A alegria
do pai/pastor é ver que os seus filhos cresceram e tornaram-se fecundos.
Irmãos, seja esta a nossa autoridade e o sinal da nossa fecundidade».
10. «Sentir com a
Igreja é sentir com o povo fiel, o povo de Deus que sofre e espera; é saber que
a nossa identidade ministerial nasce e compreende-se à luz desta pertença única
e constitutiva do nosso ser. Neste sentido, gostaria de recordar convosco o que
Santo Inácio nos escrevia a nós, jesuítas: «A pobreza é mãe e muro», gera e
preserva. Mãe, porque nos chama à fecundidade, à geração, à capacidade de
doação que seria impossível num coração avarento ou empenhado a acumular. E
muro, porque nos protege duma das mais subtis tentações que nós, consagrados,
temos de enfrentar: a mundanidade espiritual, o revestir de valores religiosos
e «piedosos» a ambição de poder e protagonismo, a vaidade e, inclusivamente, o
orgulho e a soberba. Muro e mãe, que nos ajudam a ser uma Igreja cada vez mais
livre, porque está centrada na kenosis do seu Senhor. Uma
Igreja, que não deseja que a sua força esteja – como dizia D. Romero – no apoio
dos poderosos ou da política, mas que disso se despreende com nobreza para
caminhar sustentada unicamente pelos braços do Crucificado, que é a sua
verdadeira força. E isto traduz-se em sinais concretos e evidentes; isto
interpela-nos e impele-nos a um exame de consciência a propósito das nossas
opções e prioridades no uso dos recursos, no uso das influências e posições. A
pobreza é mãe e muro, porque guarda o nosso coração para que não escorregue em
concessões e comprometimentos que enfraquecem a liberdade e parresia a
que nos chama o Senhor».
PAPA FRANCISCO, NO ENCONTRO
COM OS BISPOS DA AMÉRICA CENTRAL (SEDAC), 24 Janeiro de 2019.
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