Comentário para a missa deste I domingo da Quaresma. Serve para quem vai à missa e não só...
A história pessoal de cada um e de todos nós pode ser
também um deserto, onde as tentações para o mal podem ser uma realidade
bastante abundante. Mas, vejamos que o deserto pode ter dois sentidos, um
positivo e outro negativo.
Do ponto de vista positivo, podemos dizer que o
deserto é uma ocasião propícia para o silêncio, para a oração e para a
penitência. Mediante estes aspetos podemos reencontrar o sentido da vida e
redescobrir tudo aquilo que é fundamental para sermos felizes. O deserto pode
ser ainda uma ocasião onde deixamos o Espírito nos encher de verdade por dentro
e assim criarmos as condições necessárias para assumir plenamente todos os projetos
da nossa vida. O
deserto dá-nos uma fé nua dos seus apetites e desejos, da que fala o nosso
místico São João da Cruz nas suas obras Noite Escura da Alma, o Cântico
Espiritual e a Chama de amor Viva. Melhor do que ninguém, Jesus dá-nos o
exemplo de como é essa fé despojada do supérfluo e ficando só com as coisas
essenciais para dignidade da vida.
Do ponto de vista negativo, o deserto pode ser tudo o
que não tem sabor nem é importante para nos tornarmos mais humanos e mais
irmãos uns dos outros. O deserto pode ser toda a nossa propensão para a
esterilidade do amor. Uma vida toda carregada de egoísmo e de ódio contra os
outros é uma vida no deserto árido sem sombra e sem água viva de existência
verdadeira.
Os nossos desertos também podem ser positivos ou
negativos. Porém, de acordo com as tentações de Jesus, não podemos esquecer que
em nenhum momento o Espírito Santo nos abandona. Assim, podemos estar seguros
que o amor de Deus ou o Espírito Santo será a força principal que nos guiará
para a verdade e nos livrará de todas as tentações que o «diabo» (quer dizer,
todo o mal deste mundo que nos rodeia em tantos momentos da vida) intente
contra o nosso coração.
As tentações fazem parte da vida e podem ser uma
constante no nosso pensamento e no nosso coração. Porém, se acreditamos de
verdade na mediação fiel do Espírito Santo nada nos pode demover daquilo que
escolhemos para as nossas caminhadas pessoais.
Nenhuma pessoa pode, em nenhum momento, vangloriar-se
de que está livre de tentações. Porque todos os seres humanos estão sujeitos às
travessias no deserto e em qualquer momento pode ser atacado com as piores
artimanhas do diabo.
O diabo ou demónio é uma figuração do mal. É a
nomeação de tudo aquilo que seja contra a dignidade humana. O demónio é um nome
que manifesta a força do mal ou da maldade que gera o coração da humanidade e a
lógica deste mundo que tantas vezes está mais votada ao descarte, à
marginalização, à injustiça e contra a dignidade humana. É diabólico, tudo o
que seja violência, guerras de toda ordem, exploração e comércio humano,
racismo e xenofobia, desprezo pelos refugiados, violência doméstica, abandono
dos idosos e todo o género de exploração sexual com as crianças ou outros. Uma
infinidade de tentações que norteiam este mundo, onde não é possível a vida
sorrir, mas antes estar sempre triste e verter lágrimas amargas porque salgadas
pela dor.
Parece que nem o próprio Jesus se livrou dessa
propensão, embora sendo verdadeiramente Deus. A humanidade de Jesus foi
assumida em toda a sua radicalidade e neste momento também podemos perceber de
verdade, como Jesus não deixa de assumir as tentações como aspeto peculiar da
condição humana. Elas tornam-se um instrumento, que Jesus utiliza para nos
mostrar que na nossa vida, embora também cheia de tentações, devemos mediante a
presença do Espírito Santo, lutar sempre contra tudo o que nos desvie do
caminho do bem, para que sejamos felizes e possamos fazer felizes os outros,
porque não descuramos com sinceridade cumprir o nosso dever.
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