É óbvio que o remorso já
anda no ar, porque ele é como um verme roedor que alanceia o coração e perturba
a paz da alma.
Deve ser grande o regozijo interior
do autor e fundador da quinta mais falada nos últimos vinte anos na Madeira e ultimamente
por causa da saída do seu mentor e criador principal, Pe Rui Sousa. Não lhe
faltam elementos anedóticos para se rir, eles são medalhas que lhe querem
atribuir, coisa que naquela quinta é uma banalidade quase quotidiana. Dos
produtos que a quinta produz, bem poucos é que já não foram medalhados. Há votos
de louvor, que agora chovem quando isso não interessa para nada. Podia sim
interessar apoios concretos, incentivos e carinho por uma obra já considerado
um caso de estudo, porque ao contrário da maioria das obras que nascem por todo
o lado e que trazem o condão de serem com jovens e para jovens, esta surge do
regaço de uma população maioritariamente envelhecida. Esta obra trouxe as mãos
já cansadas e os rostos enrugados de pessoas idosas, que ali descobriram que
eram úteis, que produziam e que podiam acrescer um pouco mais à sua pensão de sobrevivência.
Tudo o que seja novo nesta
terra é olhado com inveja, gera desconfianças, desprezo e nuvens colinosas que
se acastelam no horizonte antevendo maus agoiros como adeja nos ares o
francelho de garras aduncas. Ainda mais triste quando são as garras dos seus pares e da instituição que devia estar na linha da frente na defesa incondicional dos seus.
O Pe Rui Sousa «sai de cara
levantada» como ele disse no Domingo no final da Missa do Santíssimo
Sacramento, que ele vincou como sendo a sua última Missa como Pároco daquela
Paróquia. Para minha felicidade estive presente, senti a comoção e a tristeza
espelhadas no rosto das pessoas simples, os tais idosos que moveram mundos e
fundos ao lado do seu timoneiro, para fazerem navegar o batel contra ventos e
vagas alterosas das conjecturas vexatórias dos mercenários e das urtigas dos
canteiros da religião.
Nos campos onde eram antes carquejas
e silvados, nasceu trigo, aveia para alimento dos animais e pereiros que
produzem pêros deliciosos para a cidra e os seus derivados. Na quinta
germinaram plantas aromáticas, bagas de variada espécie e árvores de fruta que
depois de transformadas deram licores e compotas maravilhosas premiadas
internacionalmente.
Um homem, um padre, um povo
simples, por sinal, maioritariamente idoso, emprestou a sua vontade, o seu
querer, o cérebro e as mãos, para construir aquilo de que alguns diziam ser
impossível e se fosse não passaria de anedota para entreter incautos.
Eis um oásis no meio de
tantos desertos do vazio que nos rodeia, quanto à falta de criatividade,
coragem e falta de vontade para sair das banalidades do status quo uniformizado para consumo sem reflexão, sem autonomia e
muito menos sem sombra nenhuma de contestação.
Está aí a obra visionária do
Pe Rui Sousa, que concretizou com vinte anos de antecedência a doutrina que o
Papa Francisco delineou na sua Encíclica Laudato Si (24 de Maio de 2015). Uma «quinta
Laudato Si», um claustro que faz sorrir São Francisco de Assis, um testemunho
concretizado de que é possível salvar o Planeta, «a Nossa Casa Comum», tão
ameaçado pela loucura da ganância da humanidade. A Quinta Pedagógica dos
Prazeres, demonstra que é possível equilibrar a diversidade da natureza.
Plantas, animais e pessoais inalando a mesma brisa que passa e todos em
saudável convivência expressando a alegria de que é possível uma convivência
conjugada na partilha fraterna da felicidade. O movimento que ali se gera nas
tardes de Domingo, é bem revelador da importância educacional deste espaço e do
quanto isto beneficia toda a a economia local da freguesia dos Prazeres, só não
vê quem anda cego ou anda a dormir.
Para todos há o tempo para
sair. Ninguém é eterno nas obras e neste mundo. Saber sair é benéfico e poder
ser também motivo para rebentar novas ideias e novos rumos. Por isso, quero
crer que a obra continua. Pois, é desejo de mais de metade deste mundo. Vamos
crer que o bom senso prevalecerá e que esta obra será ainda melhor do que tem
sido até agora. Se não for, prova-se mais uma vez que uns nascem para dar vida
e outros nunca passam de medíocres cangalheiros sempre prontos para enterrar o
trabalho dos outros.
A evangelização dos tempos de hoje não descuram nenhuma vertente humana e esta da diversidade ambiental está profundamente presente no Evangelho e sempre fez parte da doutrina do Cristianismo. Bastará nomear essas duas faces de uma mesma identidade ecológica, Francisco, o de Assis e, Francisco, Papa.
Boa fortuna em saúde ao Pe Rui Sousa e bons
auspícios para novos empreendimentos que estou seguro que surgirão, se lhe for emprestada
mais vida e saúde. Um orgulho para mim especialmente que o admiro e de quem sou
amigo.
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