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quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Perdão às mulheres

Bertrand Russel escreveu: «a teoria da verdade deve ser tal que admita o seu contrário, a falsidade». Por conseguinte, poderemos afirmar que depois de se retirar todas as inverdades, o que resta poderá ser verdade. Eu convivo com isto, embora algumas vezes, pareça que vou vacilar. 

Havia um princípio antigo nas casernas dos exércitos que nunca se devia duvidar das verdades ditas pelas autoridades, eles é que sabem e estão sempre bem informados. Quem está para baixo não sabia de nada.

Deve ter vindo então a regra da submissão geral dos povos, obedecer sempre às nossas autoridades superiores, porque eles estão sobejamente informados, e no caso das chefias religiosas, estão mais perto do céu e por isso a sua voz é escutada mais depressa por Deus. Não sei se tem funcionado em todas as situações. Não quero saber se tem havido falhas de comunicação quanto a isso.

Vem este intróito a propósito da celeuma que anda no ar por causa do tratamento que o mundo masculinizado dá à condição e ao papel das mulheres na vida familiar e social. Certo é que a subordinação das mulheres em relação aos homens continua.

No 26 de Agosto, é celebrado o Dia Internacional da Igualdade Feminina. Tendo em conta este pretexto sou levado a pensar que há muito para pedir perdão às mulheres.

Perdão por anos e anos de machismo pretensamente auto suficiente, porque na hora da verdade, são elas que salvam os homens.

Perdão pela manutenção de uma linguagem contra as mulheres profundamente ofensiva e humilhante. E quando assim é, eu não considero que isso esteja sob a contemplação da liberdade de expressão, por isso, devemos deixar andar.

Perdão por ainda existirem muitas mulheres que se calam e vivem subjugadas pacificamente diante das ditaduras dos (seus) homens. E que consideram irrelevante e inglória esta luta pela igualdade.

Perdão pelo não reconhecimento de que determinado vocabulário é anacrónico e, como alguns dizem, ser lesivo dos Direitos Humanos Universais. Fazer tudo para contornar isso e enfeitar com palavreado ao abrigo de metáforas abusivas, é ofensivo contra as mulheres.

Perdão pela comparação absurda entre os versículos bíblicos com os versos dos Lusíadas de Luiz Vaz de Camões. A Bíblia, é um livro vivo que reúne vida passada para iluminar a vida presente. Não pode ser comparada com um poema épico determinado por um momento histórico irrepetível, que deve ser apreendido tal como é e aconteceu. A Bíblia tem outra função, nunca pode ser letra morta, mas realidade viva, que se faz carne em cada tempo e em cada contexto histórico. Se assim não for não pode converter-se em alimento espiritual e litúrgico para a vida concreta de cada tempo.

Perdão por se fazer da Bíblia um livro estático, inalterável perante a existência que se altera todos os dias. As religiões têm este pecado terrível para confessar.

Perdão pelo menosprezo e desprezo pelas mulheres dentro de instituições que deviam ser exemplares quanto à prática da igualdade de oportunidades para homens e mulheres em igualdade de circunstâncias.

Perdão por causa da (nossa) hierarquia da Igreja Católica ser tão benévola e promotora dos «feminismos masculinos», mas tão dura com as características idiossincráticas das mulheres.

Perdão por uma instituição, como a nossa Igreja Católica, que bebeu do Evangelho sete Sacramentos, mas só seis deles é que podem ser concedidos às mulheres, o Sacramento da Ordem, que é só para homens machos.

Perdão por se fundamentar esta discriminação e outras que por aí ainda andam, na Bíblia Sagrada e, particularmente, no Evangelho de Cristo, onde Ele se revela o Mestre por excelência na prática da inclusão.

Perdão por continuarmos teimosamente com um Evangelho coisa do passado, pois só faz sentido crer, na «Palavra de Deus», quando ela é viva e eficaz na realidade concreta de todos os tempos.  

Perdão por estarem reduzidas as mulheres na nossa Igreja Católica a simples serviçais de homens que se dizem «chamados» por Deus, que se gabam de serem seus representantes, quando Dele irradia a igualdade, a fraternidade, a misericórdia e o perdão incondicional.

Perdão pela «loucura» de uma hierarquia misógina, que não olha a meios nem mede as palavras para manter uma rede de benefícios e privilégios à conta do insulto do vocabulário que considera ser letra morta, só porque dá jeito. Péssimo contributo a autores fundamentais da Bíblia e à doutrina que devia ser sempre dinâmica, viva e eficaz como ensinamento, referência ética e valor incontornável na busca do sentido da existência.

Perdão por este estado de coisas graves nos tempos que correm, onde o populismo, o «talibanismo» se impõem sob o domínio das armas para serem utilizadas contra as mulheres e as crianças, o elo mais fraco nas sociedades patriarcalistas, onde o machismo zarolho em que vivemos encontra caminho livre para vingar.

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