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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Morreste-me

“Morreste-me” é o título de um folheto preparado pelo Secretariado da Pastoral da Cultura da diocese do Porto, que será distribuído junto às entradas dos cemitérios especialmente durante os dois primeiros dias de novembro, ocasião em que habitualmente se intensifica a romagem aos sepulcros. Dois excertos incluídos nesse desdobrável:
Um silêncio que nos chama para mais perto da vida
Em torno dos que nos morrem, há um silêncio que nos chama para mais perto da Vida. Dá-nos a ouvir coisas que não sabíamos ou tínhamos esquecido.
A memória guarda o que foi bom daqueles que nos morrem, o que deles foi dom para nós e para os outros. Contemplando-os, descobrimos mais lúcida e aumentada a nossa capacidade de compreensão e de perdão.
Apenas os mil gestos da ternura importam afinal. E dizemos, baixinho, muito gratos: “Bem-hajas!”
Sem que eles o queiram, o desarmado silêncio dos que nos morrem chama-nos a depor no santuário íntimo da consciência. É assim este mistério maior do que a morte: a quem ama parece sempre pouco o muito que dá. Por isso, mais do que de impotência, a morte fala-nos de imperfeição, de incapacidade, de fragilidade. Os que nos morrem ensinam-nos, no mais fundo de nós, a compaixão.
A morte não retira seriedade à vida. Ao contrário:
– ela relativiza as grandes coisas, o poder, o dinheiro ou os grandes êxitos proclamados ao som de trombetas;
– ela desperta-nos para essas pequeninas e invisíveis forças do amor humano que atuam de pessoa para pessoa, que rompem pelas fendas do mundo como finíssimas raízes ou minúsculas gotas de água e fazem em mil pedaços os mais pesados monumentos do orgulho;
– ela responsabiliza-nos por cada palavra e gesto, por cada uma das nossas escolhas e prioridades.
A morte é sempre uma pergunta sobre o amor que fomos capazes de gerar.
Um convite que não podemos recusar: viver para os outros
A morte não é apenas um problema, é um momento-chave da vida, que todos somos convidados a viver.
A morte é apenas a penúltima palavra sobre nós, pois coloca um ponto final na nossa vida na Terra, tornando assim essa vida completa.
Pela nossa morte “encerramos” o processo de construção da nossa própria identidade. Termina a vida em liberdade, que nos permite ser o que seremos.
Interrompe-se a relação com os outros, mas não termina, por completo e para sempre, a possibilidade dessa relação. Com a morte abre-se uma outra dimensão da vida, em que o que somos e a nossa relação com os outros atinge a dimensão do infinito amor de Deus.
A última palavra sobre nós, o núcleo da nossa esperança, é a ressurreição.
A ressurreição é a transfiguração de nós mesmos numa outra dimensão de nós, onde seremos plenamente nós mesmos, por pura dádiva de Deus.
A esta dimensão a tradição cristã chamou “céu”. Não a podemos realizar nós mesmos, podemos isso sim, prepararmo-nos para a acolher ou recusar.
Na dimensão da vida de Deus, seremos dados à vida – uma vida diferente da que conhecemos biologicamente – para darmos a vida, tal como a demos, no nosso caminho terreno.
Se aceitamos o desafio de viver eternamente para os outros, teremos vida eterna, numa doação que não conhecerá nem limites nem fim.
Por isso, o desejo que nos pode animar eternamente é o desejo de vida eterna do outro, não tanto da nossa. O desejo da vida para o outro, sobretudo do mais necessitado, pobre e excluído, é caminho que nos prepara para a vida eterna.

2 comentários:

Marilu disse...

Querido amigo, lindo texto para reflexão. Beijocas

M Teresa Góis disse...

A Morte é fim da matéria física.Em nós, porque nos habituamos a viver em comunhão, gera o desconforto da ausência, a saudade do que foi bom, o perdão do que foi menos bom.Mas "se o grão de trigo não morrer...." não gera vida, não gera "alimento", não se cresce.É mais aceitar numa perspectiva de crença, de Esperança, porque não de Fé. ("Morreste-me" é o título de um livro de poemas de José Luis Peixoto, dedicado ao pai).