Dizia-me aqui há tempos uma jovem minha conhecida que a mãe dela não permitia que se falasse da crise em casa: “enquanto tivermos de comer e ninguém na família estiver desempregado, não se fala de crise cá em casa!” Compreendo a afirmação e respeito-a: sei que é uma família que luta com dificuldades, na qual a filha tem de trabalhar para conseguir estudar. E, no entanto, consideram falta de respeito pelos desempregados chorar-se por causa da crise. O que eu tenho muita dificuldade em aceitar é o discurso de desvalorização da crise por parte de pessoas que, provavelmente, não serão atingidas por ela. Ultimamente, tem havido até cristãos católicos a fazerem discursos de elogio do valor espiritual das crises. É sabido que, bíblica e filosoficamente, “crise” significa encruzilhada, momento de viragem, possibilidade de conversão. Mas, no país que temos atualmente, no qual há tanta gente no limiar da sobrevivência, fazer o discurso de elogio cristão da crise a partir de lugares bem instalados poderá contribuir para dar razão a Marx, quando ele dizia que “a religião é o ópio do povo”. Pior ainda poderá ser aliar este discurso de “elogio da crise” a um silêncio ingénuo ou calculado face às múltiplas razões da mesma. É que não me parece que estejamos apenas perante uma crise de valores individuais, embora me pareça bastante que estamos perante uma crise de valores estruturais, sociais, em suma, perante uma crise que clama por justiça. Também não me parece que possamos dizer apenas alegremente que “a Igreja está sempre em tempo de austeridade”. Há causas estruturais, repito, e não só responsabilidades individuais que levam à situação em que nos encontramos. E nem sempre será fácil convencer o comum dos mortais de que a Igreja está sempre em tempo de austeridade... Sobretudo, este tipo de afirmações um tanto light pode constituir uma bofetada na cara de quem, realmente, não fez na vida senão uma experiência de austeridade forçada ou de quem se encontra, agora, por motivos para os quais não contribuiu, numa situação de inesperada precariedade. Louvo, obviamente, todas as iniciativas de solidariedade social por parte dos cristãos (e não só). Mas a pergunta de D. Hélder da Câmara continua a ser um desafio para todos nós: “porque será que, quando ajudo um pobre, me dizem que sou um santo, mas, quando pergunto por que há pobres, me dizem que sou comunista?” O elogio da “pobreza evangélica” sem um clamor contra a injustiça não reduzirá a religião a mais um instrumento nas mãos das estruturas geradoras de pobreza?
Teresa Toldy, in blogue Nós Somos Igreja...
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