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quarta-feira, 21 de março de 2012

Nascer de novo

Nascer: fincou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver sem
alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.
..
Sondamos, inquirimos
sem resposta:
Nada se ajusta, deste lado,
à placidez do outro?
É tudo guerra, dúvida
no exílio?
O incerto e suas lajes criptográficas?
Viver é torturar-se, consumir-se
à míngua de qualquer razão de vida?
..
Eis que um segundo nascimento,
não advinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta
de sentido no absurdo de existir.
O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances de silêncio.
..
A explicação rompe das nuvens,
das águas, das mais vagas circunstâncias:
Não sou Eu, sou o Outro
que em mim procurava seu destino.
Em outro alguém estou nascendo.
A minha festa,
o meu nascer poreja a cada instante
em cada gesto meu que se reduz
a ser retrato,
espelho,
semelhança de
gesto alheio aberto em rosa.
..
Carlos Drummond de Andrade
..
(Imagem Google - Cerejeiras em Flor no Jardim da Serra)

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