De alguns dos Poemas de Cristovam Pavia, que é pseudónimo de Francisco António Lahmeyer Flores Bugalho, que nasceu em Lisboa em 7 de Outubro de 1933.
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«Na folha bailada / Levada / No vento, / Vai meu pensamento... // Na cinza delida, / Espargida / Pelo rio, / Vai meu olhar frio...// [...]».
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«Pequena Oração» («Quando a nossa dor descansa, / E as lágrimas nos olhos são mais frescas que o orvalho nas flores... / Ave-Maria.»)
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«Consolação para o Tempo Incerto» («Há-de haver sempre meninos a chorar ao pé do velho cão morto.»)
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«A tarde em meio ...» («A tarde em meio mas num milésimo / De segundo depois do lanche ao rito claro / (Um cheiro a leite e a ervas) nem brisa foi / (Adolescendo só as ervas) nem fria náusea / Mexeu a luz dentro do sono / Leve, impossível.»)
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«Subitamente ficas na paisagem / E olho os teus olhos quentes e antigos... / Tens sol e sede, tens brincos de cerejas / E a pele cheirosa e fresca como a água. // Subitamente sinto aquela sede / Dos sobreiros gretados, das estevas... / Mas perto, fonte ardente, dás frescura / A paisagem dormente e abrasada!»
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«Nas tuas mãos o aroma das glicínias. / Nos meus olhos o sol de outras tardes. / O céu azul aonde pairam asas / Ou tremem, de súbitas andorinhas... // O tempo agora é um mistério claro... / Vem comigo, vem ver chegar o gado, / Vem ao passado, sem saudade, agora... / Olha o pó que ficou no ar tão calmo... // Meninos sem palavras, que alegria! / Distraídos demais p'ra sermos dois... / Nas tuas mãos o aroma das glicínias. / O céu azul aonde pairam asas...».
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A Nossa Senhora ///
Voltarei à penumbra fresca da igreja /
Ancestral, silenciosíssima e vazia, /
Aonde está pousado o teu altar: /
Doce mãe Maria... /
E ajoelhar-me-ei, /
E fecharei os olhos sem pensar... /
- Que a minha oração nada mais seja: /
Basta descansar. /
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Meu São Sebastião de Grünewald, /
Meu arcanjo de carne e sangue em fogo, /
Fita-me com teu olhar viril, tão calmo... /
E o sabor de sentir passar cada segundo, /
E o perfume a cravos quentes dessas feridas. /
Fita-me com teu olhar viril, tão calmo. /
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Se fizer um pequeno esforço levanto-me e caminho no ar /
Porque o meu Deus dá-me forças já não minhas. /
Se fizer mais um pequeno esforço tudo se transformará em verdadeiro prazer /
E em cada gota de suor, em cada brilho frio nas gotas de suor /
Rodará um mundo fresco como um leque que se abre. /
Se fizer um último esforço será a vertigem, talvez a deliciosa vertigem. /
E depois não interessa o que virá. /
Creio neste amor angustiado. /
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Senhor, era bom /
Lavar as nossas lágrimas /
De todo o sentimento... /
Dos cansaços humanos, /
Daquela angústia vaga /
E da alegria... /
Senhor nós devíamos /
Lavar as nossas lágrimas /
Para serem na terra /
Água perdida e irreconhecível. /
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(Ousei ler o poema seguinte na homilia de um funeral de um jovem que suicidou, parece, que serviu muito às pessoas que participaram nesta despedida trágica, mas, que tentei aquecer com a chama da esperança e da fé. Paz à sua alma e a todas as almas que partem deste mundo desta forma).
Se fizer um pequeno esforço levanto-me e caminho no ar / Porque o meu Deus dá-me forças já não minhas. / Se fizer mais um pequeno esforço tudo se transformará em verdadeiro prazer / E em cada gota de suor, em cada brilho frio nas gotas de suor / Rodará um mundo fresco como um leque que se abre. / Se fizer um último esforço será a vertigem, talvez a deliciosa vertigem. / E depois não interessa o que virá. / Creio neste amor angustiado.
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In Poesia, ed. D. Quixote (Tirado de Sec. Nac. da Pastoral da Cultura)
2 comentários:
Quando estamos fracos, carentes, angustiados, o pequeno esforço parece o mais difícil de tudo. Estar atento a quem precisa de pequenos esforços, nossos e para eles, é garantirmos que o nosso pequeno esforço, um dia, será ajudado a crescer. Sábias palavras as do poeta. Acho o texto bem escolhido para a cerimónia de exéquias.
Querido amigo, linda poesia. Beijocas
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