por MARIA DE LURDES VALE, in Diário de Notícias de Lisboa 3/10/2010
Muito bem visto....
Lendo a biografia de Salazar, da autoria de Filipe Ribeiro de Menezes, que é um notável trabalho de investigação, e olhando para a actual situação do País, ficam por responder questões como o que queremos enquanto povo e o que exigimos de quem nos governa. Aceitámos uma ditadura porque o País estava ingovernável e fizemos uma revolução porque já ninguém aceitava viver na obscuridade. A liberdade trouxe a democracia, novos desígnios, novos governantes, abertura de fronteiras, Europa e mundo, mas a realidade é que Portugal continua a ser um país pobre, tão pobre (e pobre de espírito) quanto já era desde há dois séculos. O autor do livro, numa recente entrevista, chega mesmo à conclusão de que "há coisas que se calhar são inultrapassáveis". E essas coisas só podem ser aquelas que têm a ver com o conforto que uma grande maioria encontra na mediocridade.
Numa das passagens do livro vem descrita a forma como Salazar hesita, pela primeira vez, em aceitar o cargo de ministro das Finanças. Tinha medo de errar. Um medo que o levaria a não conseguir encarar os seus alunos da Universidade de Coimbra se as coisas corressem mal. E foi com este mesmo medo que levou a sua avante e se conseguiu manter no poder durante 40 anos. No fundo, tinha medo de si mesmo, medo dos outros, desconfiava de tudo e de todos e só conservava a seu lado os que lhe obedeciam cegamente. Era a única maneira de poder governar. Com medo e gerando medo. O povo, amedrontado, aceitou. A vidinha era simples e rural, as paróquias enchiam, as finanças da pátria estavam em ordem, havia reservas de ouro, educação quanto baste, casas do povo para folclore e dominó, donas de casa que asseguravam a economia doméstica, propaganda a rodos para que todos se sentissem bem e seguros, e o resto - sim, o resto -, que era o principal, não era da conta do povo.
Não sabemos porquê, mas 36 anos depois do 25 de Abril continua quase tudo na mesma. Parece que a sina das "coisas inultrapassáveis" nos persegue. Que votar é igual a não votar. Que exigir a quem nos governa mais transparência e menos desleixo é a mesma coisa que aceitar que nos enganem. E que a solução, a única solução, para mudar o estado a que chegou o País é virar-lhe as costas e emigrar. O medo continua cá. Entranhado até ao tutano. E todos sabemos que uma sociedade responsável, tal como um ser humano, só cresce e amadurece sabendo enfrentar o medo e transformando-o em oportunidade. O que se pede neste momento em que o País se encontra é menos infantilidade, um outro comportamento.
A verdadeira revolução, a das mentalidades, está por fazer. Não é mentindo, cantando e rindo e assobiando para o lado que se constrói alguma coisa. Ou é?
2 comentários:
Querido amigo, tenha uma semana abençoada. Beijocas
O que aqui é escrito é a essência do viver português na ditadura: o medo.
O medo de ser preso, de ser denunciado, de não ser aceite para um emprego, o medo de ir para a guerra, o medo de falar, de encontrar os amigos...O povo estava permanentemente vigiado e não sabia por quem, só sabia que "onde" era em toda a parte! Assim se libertaram individualidades brilhantes, lutando, na palavra sobretudo, clamando a verdade.Hoje, em democracia, não sei se não subsistem genes...no ocultismo, na denúncia, no boato, no arranjismo! Cem anos de República que não nos deixam felizes!
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