Publicidade

Convite a quem nos visita

domingo, 6 de março de 2011

Construir sobre a rocha ou sobre a areia

Em ambiente de Carnaval, salta-nos a lucidez do pensamento teológico, para nos recentrar na verdade e na edificação da fé e da esperança sobre o alicerce seguro da Palavra de Deus. Porque são muitas, mas mesmo muitas as tentativas para fazer da palavra de alguns humanos palavra divina... É caso para perguntar-se, por onde anda ou qual o nível de aferição de fidelidade à Palavra de Deus? - O Evangelho da Missa de hoje, pela boca de Jesus, veio por os pontos nos iis...
«2. Jesus nota que as palavras de Moisés continuavam a encher a boca dos seus contemporâneos, mas não criavam raízes na alma nem no coração. Alimentavam uma religião de magia verbal que ele denuncia: “nem todo o que diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no reino dos céus, mas só aquele que faz a vontade do meu Pai”. Acabará por fundamentar esta denúncia: “Os doutores da Lei e os fariseus instalaram-se na cátedra de Moisés. Fazei, pois, e observai tudo o que eles disserem, mas não imiteis as suas obras, pois eles dizem e não fazem”. Até aqui, esta recomendação vai servir para um adágio popular que atravessará os tempos: “Bem fala Frei Tomás! Fazei o que ele diz, não o que ele faz”. Jesus não fica por aí. Ataca os doutores e os fariseus pelas perversões interpretativas que acabam por “colocar fardos pesados e insuportáveis aos ombros dos outros, mas eles nem com um dedo lhes tocam”. Este é o resultado da substituição da complexidade da experiência humana, religiosa e cristã pela invocação de Deus em vão.
Tudo pode ser pervertido. Quando Moisés, para garantir, no quotidiano, a presença da palavra divina, propõe, “atai as palavras à mão como um sinal e que sejam como um frontal entre os vossos olhos”, em vez de um alerta, de um aviso, forja-se um amuleto, um instrumento de propaganda, de auto-elogio, anulando a simbólica religiosa: “Tudo o que fazem é com o fim de se tornarem notados pelos homens. Por isso, alargam as filactérias e alongam as orlas dos seus mantos. Gostam de ocupar o primeiro lugar nos banquetes e os primeiros assentos nas sinagogas. Gostam das saudações nas praças públicas e de serem chamados 'mestres' pelos homens” (Cf. Mt 23, 1-7).
3. É um exercício demasiado simples – e algo perverso – ler os textos do Novo Testamento, deslocando o olhar e o ouvido para “aquele tempo”, para há dois mil anos, observando o ridículo do ritualismo que Jesus critica na religião dos seus contemporâneos, ou procurando equivalentes no judaísmo rabínico mais ortodoxo. Se não se tratar de uma investigação histórica – que tem as exigências do seu método –, mas apenas de uma apreciação religiosa, estaremos a reproduzir o farisaísmo que Jesus criticou. Nesse caso, o Evangelho deixa de pertencer às novidades que permanecem novas como se fosse criado neste instante, deixa de nos interpelar, de nos pôr em causa, de ser uma luz sobre o nosso tempo e sobre as nossas motivações, para se tornar um véu sobre a realidade.
Criticamos aquele legalismo ritual e os seus amuletos, mas, por vezes, repetimos e criamos algo ainda mais ridículo: certas normas jurídicas e litúrgicas, rituais, roupas de papas, bispos, padres, religiosos, alfaias litúrgicas, imagens, “devoções”, etc., como se tudo isso fosse vontade de Deus. Jesus critica os amuletos que substituíam a responsabilidade ética e social, a rectidão do coração e das obras *.
Na literatura teológica, uns perguntam qual será o futuro do cristianismo; outros, qual será o futuro da religião; outros ainda, qual será o futuro da Europa, mas agora, todos perguntam qual será o futuro de um mundo em convulsão. Como diria Ortega y Gasset, “o que verdadeiramente se passa é que não sabemos o que nos passa”.
Tanto as religiões como as ideologias seculares não podem evitar a pergunta: que se passa connosco? Que bases e que desígnios presidem às nossas construções?
No Carnaval, as máscaras servem para cobrir as máscaras de todos os dias. A Quaresma deve servir para as arrancar e encontrar o Rochedo que nenhuma tempestade poderá abalar. »
Frei Bento Domingues, O.P. , in Público de 06.03.11
* (destaque do autor do blogue)

1 comentário:

Gi disse...

Selo no meu blogue...LOL!